Hadley Arkes |
Mas o aspecto central do Judaísmo é a aliança entre Deus
e Abraão e só existe um tipo de criatura que tem, pela sua própria natureza, a
capacidade de pesar o bem a retirar de qualquer contrato, promessa feita ou compromisso,
e depois honrar esse compromisso mesmo quando deixa de ser no seu interesse ou
da sua vontade.
Quanto ao raciocínio moral do direito natural, a negociação
entre Abraão e Deus sobre o destino de Sodoma e Gomorra é um incidente
indicativo. “Não deve o Juiz de todo o universo fazer o bem?” Será que Ele
destruirá os retos com os maus?
Se todo o nosso entendimento moral derivasse unicamente
da revelação, então estaria Abraão a sugerir que Deus não tinha entendido bem
as implicações da sua própria revelação? Ou estaria a apelar a um conjunto de princípios
ou verdades morais que até Deus respeitaria, e que tinha adoptado para si?
Esse entendimento da Aliança era central para o
significado do Judaísmo e do povo judeu. Jesus, na Última Ceia, estabelece uma
nova aliança, mas como foi observado por Joseph Weiler, a noção de aliança
manteve-se central para cristãos e para judeus – e para a compreensão de Deus.
Uma aliança, ou um contrato, implica a existência de duas
ou mais partes com igual capacidade para contratar. Pode haver uma disparidade
enorme entre poder e carácter, mas a questão está em saber se os homens, como
foram criados por Deus, tinham a capacidade de medir o “bem” que poderiam
ganhar com este acordo; sobre se estavam a dar o seu “consentimento” informado;
e se poderiam ser responsabilizados por honrar o compromisso, manter a
promessa.
O esquema dependia, então, de Deus ter diante de Si
aquelas criaturas que tinha criado como “agentes morais”. A sua conduta não
seria “determinada” por forças exteriores ao seu controlo. Elas tinham a
liberdade de fazer escolhas e de serem responsabilizadas por elas.
Deus “propôs” uma aliança e estava a lidar com seres que
tinham a liberdade de a aceitar ou rejeitar. Sem esse dado central, diz Weiler,
Deus não teria mais interesse nessa aliança do que teria numa aliança com cães
e cavalos, pois não estaria a lidar com Seres Humanos plenos. Ele não interviria
para evitar que eles cometessem erros, ou maldades, porque não era o seu desejo
criar um mundo de robots.
O mesmo Weiler tinha confrontado os líderes da União
Europeia com a necessidade de fazerem as suas próprias e necessárias escolhas acerca
de Deus. Nessa altura ele era já o mais competente estudioso de direito internacional
e comparado. Nasceu na África do Sul, de uma linha de 500 anos de rabinos; fez
os seus estudos em Cambridge e na Haia e no Instituto Universitário Europeu, em
Florença. Os seus livros estão traduzidos em várias línguas.
Enquanto consultor para a Convenção para o Futuro da
Europa, conquistou os corações de muitos de nós. Weiler, um judeu ortodoxo, liderou
a oposição ao movimento para purgar qualquer referência à tradição cristã da
Constituição da União Europeia. Esse caminho não augurava nada de bom para judeus
ou cristãos – nem ninguém.
Adão e Eva |
Foi então que colocou ao Presidente da Convenção esta
questão acutilante: Porque é que a posição por defeito devia ser o laicismo?
Metade das pessoas na Europa viviam em Estados cujas constituições faziam
referência explícita a Deus, por isso porque é que essa não havia de ser a posição
por defeito?
Weiler argumentou que a neutralidade era uma posição falsa
e impossível. A escolha aqui, disse ele, era binária: “sim a Deus, ou não a
Deus. Porque é que a exclusão de Deus seria mais neutra que a sua inclusão? Trata-se
do favorecimento de uma mundivisão, o secularismo, acima de outra mundivisão, a
religiosidade, mas neste caso é um secularismo disfarçado de neutralidade”.
Num recente encontro, Weiler regressou à sua insistência
na centralidade desse “agente moral” que estabelece uma Aliança. Mas se Eva e
Adão não tivessem qualquer conhecimento do bem e do mal antes de terem comido da
árvore, como é que poderiam ser culpabilizados – e punidos?
Aqui Weiler oferece uma perspetiva muito diferente: Essa
mão estendida para a maçã “impele Eva rumo à sua vocação humana plena – para viver
e compreender-se enquanto agente moral… Para completar a sua criação à imagem
de Deus”.
E dessa perspectiva, aquilo que até agora deve ser visto
como a Queda de Adão e Eva pode ser descrito como a sua Ascensão. E a punição
deve ser vista a uma luz bem diferente: “A tristeza é necessária para apreciar
a alegria… a morte é aquilo que nos permite apreciar a vida” enquanto dom de
Deus. Se fossemos programados para nunca fazer coisas más, jamais poderíamos
alcançar a grandeza de conhecer e amar o “bem”.
Nas palavras do nosso querido falecido Michael Novak,
esta é uma “Igrejas dos pecadores, pelos pecadores e para os pecadores”. Henry
James recordou um Domingo em Roma, na Basílica de São Pedro, a ouvir música e a
contemplar a cena, e disse que “a imensidão clara do local protegia a conversa
e até o mexerico. A imagem não era a de um templo em particular, mas de ser
formada pelas próprias paredes de uma fé que não estava para impor pequenos pudores”.
Hadley Arkes é Professor de Jurisprudência em Amherst College e director do Claremont Center for the Jurisprudence of Natural Law, em Washington D.C. O seu mais recente livro é Constitutional Illusions & Anchoring Truths: The Touchstone of the Natural Law.
(Publicado pela primeira vez na Terça-feira, 20 de Abril de
2021 em The Catholic Thing)
© 2021
The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de
reprodução contacte: info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica
inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus
autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento
de The Catholic Thing.
No comments:
Post a Comment