Wednesday 24 April 2013

“A comunhão anglicana sempre viveu numa grande diversidade”

Transcrição integral da entrevista a D. José Jorge de Pina Cabral, novo bispo da Igreja Lusitana. Notícia aqui.

Qual é a sua expectativa para a sagração de quinta-feira?
Há alguma ansiedade, perfeitamente natural, dado que é um momento muito significativo para a vida da Igreja e para a minha vida pessoal, mas é sobretudo uma expectativa de alegria, de satisfação por este dia, por esta cerimónia e este evento.

Fale-nos um pouco do seu percurso pessoal.
Nasci numa família tradicional da Igreja Lusitana, sou de quarta geração, portanto fui educado na fé em cristo desde criança e fiz o meu percurso no seio da Igreja Lusitana. A minha vida foi sendo ocupada por sucessivos cargos de responsabilidade no seio da Igreja. Fiz uma primeira licenciatura em educação física e desporto, fui professor, mas depois percebi que Deus me estava a chamar para outros caminhos e para outras responsabilidades e então licenciei-me em ciências religiosas na Universidade Católica.

A par disso fiz todo um percurso de envolvimento na Igreja, naquilo a que Deus me foi chamando, e fundamentalmente foi um percurso de sensibilidade e de escuta ao que Deus me foi chamando a fazer até este ponto.

Que planos tem para o exercício da sua responsabilidade?
Não se trata de fazer planos. Olhando para o meu passado e para a minha vida pessoal, percebo que os meus planos foram sempre ultrapassados, e bem, pelos planos de Deus, por isso para o meu episcopado procurarei ser fiel ao que Deus me está a chamar para realizar no seio da Igreja Lusitana e, naturalmente, todo o trabalho pastoral com as outras igrejas.

Mas fundamentalmente pretendo que seja um episcopado de compromisso, de responsabilidade, de continuação do muito que já foi feito no seio da Igreja, mas é acima de tudo uma abertura ao que o Espírito Santo me vai chamar a realizar.

Acha que os ordinariatos pessoais criados por Bento XVI foram uma medida positiva?
Foi uma medida que provocou tensão, a nível das Igrejas, embora aquilo que tenha transparecido para a opinião pública tenha sido um equilíbrio no tratamento da questão. O que soubemos foi que o próprio arcebispo de Cantuária e o palácio de Lambeth foram apanhados de surpresa com a medida.

O que me parece é que ele dá um espaço para aquele grupo de anglicanos que se revêem mais numa relação mais próxima com o Papa, com a Igreja Católica Romana, e portanto diversos anglicanos, desde bispos, presbíteros e leigos têm aderido a ele. De qualquer das maneiras, isto num contexto de relação ecuménica não me parece muito relevante.

O que me parece de relevar é a boa relação entre Rowan Williams, o anterior arcebispo de Cantuária e o Papa Bento XVI, o profundo diálogo teológico que se travou entre os dois, que estou certo que criou ainda mais pontes entre as duas comunhões, apesar das diferenças e das sensibilidades que existem entre as duas comunhões eclesiais.

Vamos ver agora o que o futuro nos reserva, sendo que naturalmente os líderes mudaram os dois no mês de Março. Penso que aos olhos da fé e na sensibilidade do espírito estas coisas não vêm ao acaso, as duas comunhões têm novas lideranças e portanto vamos ver o que é que cada um dos líderes, na sua maneira de ser, na sua sensibilidade, vai conseguir estabelecer um com o outro. Portanto é um tempo de expectativa.

Como é que tem assistido a estes primeiros tempos do Papa Francisco?
Em primeiro lugar com alegria. É muito bom ouvir um Papa a ter um discurso simples, acessível e compreensível pelas pessoas, sejam ou não da Igreja. Realmente o Papa tem tocado nestas grandes questões que hoje tocam o mundo, tocam a sociedade, tocam as pessoas. O tema da pobreza, as preocupações de natureza social que as pessoas têm e tem sensibilizado a Igreja para outro tipo de postura no seu relacionamento com o mundo. É uma figura muito simpática, que cativa, mas vamos ver agora o que é que poderá vir daqui para a frente.

São conhecidas as divisões que há a nível mundial na Igreja Anglicana. Esta divisão é um caminho sem retorno?
Para percebermos esses problemas, essas tensões, temos de perceber o que é a própria natureza e eclesiologia da comunhão anglicana. A comunhão anglicana sempre viveu numa grande diversidade de sensibilidades litúrgicas, eclesiais, doutrinais, e sempre conseguiu manter esse equilíbrio ao longo dos tempos.

Efectivamente tem havido, ultimamente, pontos de grande tensão, que têm a ver com questões ligadas à sexualidade, neste caso concreto à questão do bispo homossexual sagrado na Igreja Episcopal dos EUA. Isso provocou uma reacção grande, mas ao mesmo tempo permitiu também um diálogo grande. Parece-me que a tensão e a diversidade existente, apesar de causar, numa primeira análise, uma vivência um bocado tensa, trazem também a necessidade de diálogo e de um processo de escuta das diversas sensibilidades.

Aquilo que se tem passado nos últimos anos é precisamente um diálogo muito intenso de confronto entre perspectivas diferentes e acho que é assim que as questões no seio da Igreja se têm de tratar, dialogando e não escondendo as diferenças.

Se me pergunta se isso vai trazer danos irreversíveis em termos de unidade no seio da Comunhão Anglicana, neste momento não lhe sei dizer. O que sei, e o que se percebe, é que há um forte desejo de manter a unidade na Comunhão Anglicana, uma unidade nos aspectos fundamentais nos aspectos da doutrina, sacramentos e liturgia. Nesse aspecto o novo arcebispo de Cantuária, Justin Welby, vai ter um papel decisivo.

Portanto eu olho o futuro com muita esperança, muita serenidade também. Nesta perspectiva que efectivamente é interessante percebermos que nestes anos marcados por divisões, tem havido também um caminho de unidade muito grande ao nível da criação de muitas comissões ligadas ao trabalho social, ao trabalho da Bíblia, da cooperação entre as diversas províncias. O que significa que é possível, apesar da tensão, construir pontes e caminhos de unidade.

Em Portugal já há sacerdotisas na Igreja Lusitana?
Sim.

E como é que a Igreja Lusitana encara a ordenação de pessoas em relações homossexuais?
A questão pode pôr-se aqui, naturalmente. Na Igreja Lusitana, como em qualquer igreja anglicana, estas questões mais polémicas, que exigem um aprofundamento grande têm de ser debatidas e tratadas a nível do sínodo da Igreja.

O sínodo é o órgão máximo da Igreja e reúne o bispo, o clero e os leigos da comunhão anglicana. Até aqui não surgiu a necessidade de tomar uma posição pública oficial dessa questão.

Naturalmente estamos atentos ao diálogo que tem havido a nível internacional, e se vier a colocar-se iremos trata-la com abertura, com sensibilidade, com maturidade e procurando discernir o que o Espírito Santo está a dizer à Igreja. Não nos podemos fechar. Acho que aqui a meia via é a posição equilibrada.

Essa meia via tem sido um bocado a posição da Igreja de Inglaterra…
A questão da cultura é muito importante. A cultura é o contexto em que a Igreja exerce a sua missão. Nem a Igreja se pode fechar à cultura. A Igreja tem de ter uma prática de inculturação. Ou seja, de perceber o que o Espírito Santo suscita na cultura que a rodeia, e depois procurar um diálogo e procurar que a Graça do Espírito ajude a própria cultura e a sociedade onde está inserida a perceber qual é a posição mais equilibrada e mais positiva para os homens e para as mulheres.

No caso da Igreja Lusitana temos a nossa própria sensibilidade cultural, diferente da da Igreja de Inglaterra e muito diferente daquela das igrejas africanas. Cada questão tem de ser analisada no seio do seu contexto cultural, naturalmente tendo por base os princípios de identidade da Igreja, de doutrina, procurando discernir o que a tradição da Igreja nos dia e o que a própria palavra de Deus nos diz.

São questões que têm de ser tratadas por nós, no nosso relacionamento com a Igreja Universal, atendendo ao que é a sensibilidade e o pensar da sociedade portuguesa nessa matéria também. A Igreja de Inglaterra realmente caracteriza-se por conseguir, graças à sua capacidade de diálogo, escuta e análise, reunir diversas sensibilidades, o que nem sempre é fácil e naturalmente terá também momentos de tensão.

Portanto relativamente a essas questões diria que vamos caminhando, discernindo o que o Espírito Santo procura dizer à Igreja de Cristo, na qual também se insere a Igreja Lusitana.

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