Há uns anos a minha mãe foi falar a uma turma numa escola para surdos-mudos. Enquanto falava uma professora interpretava tudo em língua gestual. Acontece que o sinal para “Deus” consiste em apontar para cima. Mais tarde ela contou-me que sempre que a intérprete fazia esse gesto, os miúdos olhavam todos para cima.
É só uma história, mas reflecte bem a dificuldade que tantos surdos têm em viver plenamente a sua espiritualidade numa Igreja que é muito centrada na palavra e na proclamação dessa palavra, com liturgias em que o som é um elemento fulcral.
Uma coisa é ir a uma missa numa língua diferente. Podemos não perceber nada, mas mesmo o som ambiente transmite-nos o sentimento que estamos a presenciar a algo sagrado. Retira-se o som e temos apenas gestos que, por mais solenes que sejam, podiam tão simplesmente ser um teatro.
A iniciativa da diocese de Leiria, de ter uma missa com interpretação em língua gestual uma vez por mês e, de igual importância, sessões de catequese para adultos, é muito bem-vinda e preenche uma lacuna importante na Igreja.
Pelo que percebi, neste caso a missa será celebrada normalmente, com recurso a uma intérprete. Contudo, há outros casos em que os próprios sacerdotes conhecem a língua gestual. Mas pode uma missa ser celebrada inteiramente em língua gestual?
É um assunto que está em discussão. Oficialmente, e pelo que consegui averiguar, a Santa Sé não reconhece a validade dos sacramentos em língua gestual. Vejamos. Se um padre absolve um penitente na confissão, não basta pensar as palavras da absolvição, a intenção não basta, é preciso dizer as palavras. O mesmo se aplica com outros sacramentos.
Uns argumentam que sendo a língua gestual precisamente uma língua, essas palavras já estão a ser “faladas”, mas a Santa Sé, pelo menos por enquanto, não aprovou essa teoria.
Logo, na celebração de uma missa seria necessário que as palavras da consagração, pelo menos, fossem expressas de forma audível. Há pelo menos uma pessoa a fazer uma tese de doutoramento que tenta provar o contrário, que língua gestual serve perfeitamente, mas a posição oficial ainda é outra.
Isto levanta outra questão. Pode um homem surdo-mudo ser ordenado padre? Tal como noutros casos de deficiência, podem, mas precisam de autorização dos seus bispos. (Esta regra não é exclusiva para surdos, sei de um rapaz que era profundamente disléxico que precisou de dispensa para ingressar num seminário e é sabido que homens que não possuam órgãos genitais, por exemplo, não podem ser ordenados). Presumo, pelo que escrevi acima, que esse sacerdote teria de poder pelo menos pronunciar as palavras da consagração para celebrar missas.
Padre Tom Coughlin |
Fora de Portugal há vários casos de padres surdos-mudos e nos Estados Unidos, na diocese de São Francisco, Califórnia, há um seminário só para surdos-mudos, associado ao seminário diocesano.
Este seminário foi iniciado por iniciativa do padre Tom Caughlin, um dos primeiros padres surdo de nascença a ser ordenado na história recente dos Estados Unidos. Foi por sua iniciativa também que nasceu aquela que será provavelmente a única ordem religiosa formada quase inteiramente por homens surdos, o Dominican Missionaries for the Deaf Apostolate.
Como se vê, este é um caminho que a própria Igreja apenas começou a percorrer recentemente e onde ainda haverá muito por descobrir.
Não é correcto dizer "surdo mudo". Muitas pessoas surdas não falam porque não aprenderam a falar oralmente. Algumas fazem leitura labial, outras não. O termo correcto é "surdo".
ReplyDeleteOs surdos diferem muito entre si, e, dependendo do grau de surdez (de leve a profunda), do tipo de surdez (congénita ou adquirida), ou até se, no caso de surdez adquirida, se o individuo ficou surdo antes ou depois da aquisição da linguagem. Dependendo desses múltiplos factores, algumas pessoas surdas conseguem expressar-se oralmente, enquanto que outras se expressam pela língua gestual do país em que se situam.
P.S.: A imagem com o gesto de «God», que colocou neste post, corresponde ao gesto que é utilizado nos EUA, em ASL (American Sign Language).
É importante referir que a língua gestual não é universal. Uma língua é o espelho da sua cultura, por isso difere de país para país. E isso acontece não só com as línguas orais, mas também com as línguas gestuais. Portanto, o gesto correspondente a «Deus», em Língua Gestual Portuguesa é diferente do que é utilizado nos EUA e noutros países.
Obrigado pelo esclarecimento!
ReplyDeleteFilipe
Informe-se por favor antes de escrever tamanhos disparates!
ReplyDeleteE que tal informar-me em vez de apenas ofender? Seja como for, obrigado pela visita.
DeleteFelipe na minha opnião a consagração tem ser ouvida com recurso a leitura labial. Não imagino ser possivel em lingua gestual porque tem se segurar o cálice e a hóstia consgradas.
ReplyDeleteÉ tudo atraves do ouvido que o surdo sente a alegria de poder ouvir como os ouvintes na Santa Missa.
Sei por minha experiencia.
E sou surda neuro sensorial bilateral profunda com o uso de proteses auditivas digitais retro auriculares e não sei a língua gestual, sou surda oralizada dai manifestei a minha opnião acima descrita. Há uma grande diversidade na comunidade surda . Cada surdo tem a sua experiência.
DeleteNo Brasil temos um padre surdo Wilson Czaia.
ReplyDeleteNão diria que você escreveu "bobagens", como disseram acima. Penso que você retratou o que muitos religiosos acreditam. Os surdos não costumam ter "vez" dentro das igrejas católicas.... porém precisamos lutar iniciando com os surdos as pastorais que intérpretes traduzam as missas e ritos litúrgicos. Só assim quebraremos esse paradigma.
Paz e bem Filipe :) grande abraço fraterno