Para muitas pessoas foi surpreendente saber que Bento XVI tencionava evocar a memória do encontro inter-religioso de Assis, a que o Papa João Paulo II presidiu em 1986.
O então Cardeal Ratzinger foi um crítico de Assis em 1986 e na altura escusou-se a participar no encontro, um gesto que teve o peso adicional do facto de na altura ele ser Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, ou seja, o guardião da ortodoxia do Catolicismo.
A principal preocupação de muitos cristãos, sobretudo aqueles de tendência mais conservadora, com o encontro de Assis, é a imagem que transpareceu e que poderia ser interpretada como sincretista, como se no fundo todas as religiões tivessem o mesmo valor, fossem igualmente válidas.
O facto de algumas igrejas católicas terem sido atribuídas a representantes de outras religiões também foi uma questão complicada. As imagens de budistas a venerar uma estátua do fundador da sua religião colocada no altar de uma Igreja Católica ainda hoje é usada como arma de arremesso por grupos como os lefebvrianos, por exemplo.
Por isso, embora na prática seja compreensível que Bento XVI não pudesse deixar passar o 25º aniversário daquele que foi o mais significativo encontro inter-religioso da história, não é de espantar que esta edição tenha o seu cunho e seja, por isso, diferente da original.
Numa carta endereçada a um amigo luterano, que lhe escrevera a manifestar preocupação sobre a reedição de Assis, o Papa esclarece bem a sua posição:
“Compreendo bem a sua preocupação em relação à participação no encontro de Assis. Contudo, esta comemoração tinha de ser assinalada de algum modo e, no fim de contas, pareceu-me melhor estar presente para poder determinar a orientação pessoalmente. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para impossibilitar uma interpretação relativista ou sincretista do evento para que fique claro que sempre acreditarei e confessarei aquilo para o qual chamei à atenção da Igreja com o «Dominus Iesus»”.*
A
declaração Dominus Iesus foi emitida em Agosto de 2000 e afirma, entre outras coisas, que só a Igreja Católica possui o pleno da verdade, embora reconheça que outras religiões possam ter elementos de verdade. Afirma ainda que as comunidades cristãs que não tenham os sete sacramentos válidos não são igrejas no sentido correcto do termo, devendo antes ser descritas como “comunidades eclesiais”.
Por tudo isto podemos esperar um encontro de Assis bastante diferente daquele de 1986. Para começar, deverá ficar bem claro que as diferentes religiões não vão rezar “em conjunto” pela paz, mas sim rezar “ao mesmo tempo” pela paz, cada um segundo a sua tradição, para não se correr o risco de cair no relativismo, tendência que o Papa tem criticado desde a primeira hora do seu pontificado.
Filipe d’Avillez