Recentemente estive a ler a Regra de São Bento com os
meus alunos e vi com eles o filme “Dos Deuses e dos Homens”, de 2010, sobre o
mosteiro trapista de Tibhirine, na Argélia, onde viveram e trabalharam nove
monges franceses até 1996, altura em que, em plena Guerra Civil, sete deles
foram raptados pelo Grupo Armado Islâmico da Argélia, tendo sido encontrado mais
tarde, decapitados.
Não vou explicar agora porque é que junto o filme ao
livro, salvo dizer que o filme é uma boa representação da vida beneditina,
incluindo os seus desafios e as suas belezas discretas. Ver a regra
representada desta forma ajuda a torná-la mais familiar. Em vez de um estilo de
vida bizarro, passam a vê-la como uma coisa desejável, que vale a pena
escolher.
Uma das questões que o filme coloca, contudo, é se os
monges tomaram a decisão certa quando decidiram ficar na Argélia, numa altura
em que a violência na sua região aumentava de intensidade e o perigo mortal se
tornava mais ameaçador. O filme trata bem o conflito que os monges viviam.
Estavam longe de decididos a abraçar o martírio e receber a morte de braços
abertos. Numa das reuniões um deles diz abertamente: “Eu não me tornei monge
para morrer”.
Perguntei aos meus alunos se os monges foram
“imprudentes”, talvez até “insensatos” ao optar por ficar quando sabiam que
havia um risco tão grave para as suas vidas. Não é uma situação clara para
eles, e depende muito da forma como eu coloco a questão. Todos admiram os
monges de Tibhirine. Mas pode-se dizer que a decisão de permanecer foi prudente?
Uma vez que nós pensamos na prudência como “o exercício
excessivo da cautela”, em vez de a encarar da forma clássica, como “tomar a
decisão moral correcta”, os alunos têm dificuldade em considerar que se tratou
de um acto prudente. Heroico, sim. Mas prudente?
Numa turma diferente coloquei a mesma questão sobre se os
habitantes da pequena vila de Le Chambon foram prudentes ou insensatos ao
esconder literalmente milhares de refugiados judeus durante a Segunda Guerra
Mundial, enquanto o exército alemão os caçava para deportar para campos de
concentração.
Uma das alunas tinha entrado na sala essa manhã
exclamando que adorava Magda Trocmé, a mulher do pastor protestante na vila e
uma das líderes desta conspiração de bondade. “Eu quero ser aquela mulher!”
Quando lhe perguntei se os habitantes tinham sido
insensatos ao receber os judeus respondeu que sim, “sem dúvida”.
“Mas não acabaste de dizer que querias ser como Magda?”,
perguntei.
“Sim”, respondeu.
“Então queres ser como uma mulher insensata?”, insisti.
“Sim”, disse ela, “porque ela era insensata da maneira
certa”.
Talvez tenha razão. Talvez os cristãos sejam insensatos.
Não vale a pena negá-lo. Mas insensatos “da maneira certa”.
A maioria dos meus alunos da primeira turma têm a certeza
de que os monges de Tibhirine tomaram a decisão certa ao permanecer. Talvez
seja um caso de ingenuidade juvenil. Uma delas perguntou, talvez com mesma
ingenuidade: “Se é monge, e se decidiu entregar a vida a Cristo, o martírio, se
acontecer, faz parte do pacote, não é”?
Como é que se responde a isto? Talvez o melhor tivesse
sido escrever no quadro e deixar a sala toda contemplar a frase em silêncio
durante cinco minutos.
Mas falta-me essa paciência de santo, por isso perguntei:
“Não podemos dizer que isso ‘faz parte do pacote’ para qualquer cristão”? Se
optou por entregar a vida a Cristo, então o martírio, se acontecer, faz pate do
pacote, não é?
Logo, se não estamos dispostos a sacrificar – digamos – o
trabalho, o estatuto social, até a própria vida, então não podemos dizer
verdadeiramente que entregámos a vida a Cristo, pois não? Seria necessário
afirmar de forma mais modesta: “Eu entreguei a Cristo um bocadinho dos meus
domingos de manhã”.
E se for de facto esta a nossa atitude, não seria
necessário admitirmos que estamos a expressar em relação a Cristo basicamente o
mesmo sentimento expresso pelo poeta Billy Collins em relação à sua mãe no
poema “O Trapilho”?
Nunca tinha visto ninguém usar um trapilho
ou vestir um, se é assim que se diz.
Mas isso não me impediu de cruzar fio com fio,
outra e outra vez, até que fiz um trapilho encarnado e
branco, largo, para a minha mãe.
Ele deu-me vida e leite dos seus seios,
e eu dei-lhe um trapilho.
Ela cuidou de mim através de muitas doenças,
levou colheres de chá de remédio aos meus lábios,
depois levou-me para a claridade
e ensinou-me a andar e nadar e eu dei-lhe um trapilho.
“Aqui estão milhares de refeições”, disse ela,
“e aqui tens roupa e uma boa educação”.
E eu respondi: “Aqui está o teu trapilho,
feito com alguma ajuda de um animador”.
“Aqui tens um corpo que respira e um coração que bate,
pernas fortes, ossos e dentes e dois olhos claros para
leres o mundo”, segredou ela.
“E aqui”, disse eu, “está um trapilho que fiz no campo de
férias”.
Algum dos meus leitores pode estar curioso sobre a
resposta que a minha aluna me deu, sobre se devemos esperar que todos os
cristãos, e não só monges, façam sacrifícios sérios. “Suponho que sim”, disse
ela, hesitante. “Sim. Quer dizer, é, sim. Não é? Tenho de pensar nisso”.
Tu e eu, minha pequena. Já somos dois.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de
St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez em The
Catholic Thing na quarta-feira, 8 de Abril de 2020)
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