“Mentir!”, exclamou o meu
amigo. “Se ao menos pudéssemos fazer com que as pessoas parassem de mentir. No
meu departamento nem conseguimos perceber que recursos temos, porque toda a
gente está sempre a mentir, e por isso não podemos tomar decisões fiáveis sobre
aquilo de que precisamos”.
Explicou que, por exemplo, uma
vez que sabiam que todos os outros departamentos exageravam os seus orçamentos em
20%, ele começou a aplicar cortes em todos os orçamentos nessa mesma medida,
presumindo que estavam a mentir. Alguns departamentos começaram a perceber
isso, e então passaram a exagerar os seus orçamentos em 25%. O resultado é que
agora o departamento dele cortava todos os orçamentos em 25%.
Chega-se a um ponto em que
este jogo do gato e do rato se torna tão complexo que já ninguém sabe muito bem
a que alvo deve estar a apontar, nem se ainda tem setas na aljava.
Todos nós vivemos situações em
que não temos acesso a todos os dados necessários para tomar as decisões que
precisam de ser tomadas. Por isso temos de poder confiar na veracidade da
informação que nos é dada por outros. Uma atitude seria a clássica de Pôncio
Pilatos: “O que é a verdade?”. Existe a tua verdade e a minha verdade. Ou, como
dizem alguns pragmáticos, a verdade é algo que serve um fim pragmático.
Mas será que a experiência
recente não revela os perigos de permitir que a “verdade” seja subserviente aos
fins pragmáticos de alguém?
Mark Twain escreveu que
“existem três tipos de mentira. Mentiras, Malditas Mentiras, e Estatísticas”.
No nosso tempo sabemos que existem Mentiras, Malditas Mentiras, e Notícias.
Veja-se o exemplo recente de Elaine Riddick, uma activista negra pró-vida que
foi violada aos 13 anos. Depois do parto foi esterilizada pelo seu médico,
contra a sua vontade. Desde então tem lutado pelos direitos das mulheres e dos
nascituros.
Porém, quando o Washington
Post escreveu sobre ela, o título que escolheu para o artigo foi: “Sobreviveu a
uma Esterilização Forçada. Teme que mais possam ocorrer pós-Roe”. Dito assim,
dava a entender que ela era contra a decisão de Dobbs, que reverteu o Roe v.
Wade. Mas isso não podia estar mais longe da verdade.
Noutro artigo, no The
Pillar, ela afirma: “O Washington Post retratou-me falsamente como sendo
pró-escolha, apesar de saber claramente, e de eu ter dito na entrevista, que
sou contra o aborto, e pró-vida.” No artigo do Post foi citada a dizer
“acredito que uma mulher deve ter controlo sobre o seu corpo”. Mas, de facto,
nessa passagem Riddick estava a falar de esterilização forçada, e não de
aborto. Que mais podemos chamar a este tipo de “notícia” do que uma mentira
total, clara e intencional?
O que é a verdade? |
A primeira é que as pessoas só
acreditam nas notícias que se adequam aos seus próprios preconceitos ou
narrativas preconcebidas.
A segunda é que algumas
pessoas não acreditam nas notícias de todo, mesmo quando elas são verdadeiras.
Porque é que algumas pessoas
acreditaram no site InfoWars de Alex Jones, quando este afirmou que o
assassinato de vinte crianças e seis adultos na Escola Primária de Sandy Hook
era uma farsa, ao ponto de começarem a assediar os pais das crianças
assassinadas?
Porque é que algumas pessoas
acreditam ainda que o Holocausto não aconteceu? Porque as pessoas acreditam no
que querem acreditar, e rejeitam até as provas esmagadoras em contrário.
Duzentos livros de história dizem uma coisa? Temos de esperar para ver. Um
artigo na internet diz o contrário? Aha! Provas!
A obsessão dos media com a reafirmação
das suas próprias narrativas, liberais ou conservadoras, seja de esquerda ou de
direita, torna-se um obstáculo à obtenção da informação de que precisam mesmo para
tomar decisões prudentes. Grandes empresas de comunicação, sites e pivots de
talk-shows estão a ganhar milhares de milhões, aproveitando-se do medo e da
revolta.
Como católicos, somos chamados
a mais do que isto.
Mas não aceitem apenas a minha
palavra. O que acham que Deus nos está a pedir quando diz: “O paciente dá prova
de bom senso; quem se arrebata rapidamente manifesta sua loucura” (Pv 14,29) e “Portanto,
como eleitos de Deus, santos e queridos, revesti-vos de entranhada
misericórdia, de bondade, humildade, doçura, paciência”? (Col 3,12).
Mas devemos ser pacientes com
o mal em nosso redor? Bom, Deus diz o seguinte: “Em silêncio, abandona-te ao
Senhor, põe tua esperança nele. Não invejes o que prospera em suas empresas, e
leva a bom termo seus maus desígnios” (Salmo 37,7). E, por fim, há isto: “Por
isso, renunciai à mentira. Fale cada um a seu próximo a verdade, pois somos
membros uns dos outros” (Ef 4,25).
Não vejo que possamos levar
tudo isto a sério e continuarmos a deixar-nos consumir pelas obsessões dos
média, redes sociais e as hordas do Twitter. Mais da mesma informação, das
mesmas fontes tendenciosas, não nos vai dar aquilo de que precisamos. Aquilo de
que precisamos é de mentes calmas à procura de toda a verdade, e não de buscas
revoltadas por justificações para a nossa própria revolta moralista.
Estaríamos mais bem servidos
se vivêssemos vidas que proclamam, não que “a verdade é o que a minha fonte de
notícias diz que é”, mas sim “a verdade é a submissão humilde e paciente da
mente à realidade”.
Randall Smith é professor de
teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez
em The
Catholic Thing na terça-feira, 24 de Agosto de 2022)
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