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Peter Laffin |
Cerca de uma hora antes do meu
casamento aconteceu uma coisa impressionante. Um dos meus padrinhos levou-me a
mim e a outro padrinho para uma sala vazia da casa onde nos estávamos a
arranjar. Depois, estendeu as mãos, inclinou a cabeça e conduziu-nos em oração.
Era, e é, um grande amigo, mas era a primeira vez que eu o via a rezar. A voz
deste evangélico não praticante tremeu com doce incerteza enquanto invocou
sobre nós a bênção de Deus. Foi um momento inesquecível.
Rezámos o Pai Nosso e fomos
para o carro que nos levaria até à Igreja. Sentei-me no lugar do passageiro e
observei as quintas e os campos a passar debaixo de um céu prateado. A
enormidade dessa viagem – a última da minha vida de solteiro – incendiou as
cores desta zona rural de Nova Inglaterra.
Ocorreu-me então que eu era
total e completamente livre. Foi uma sensação peculiar e estranha, uma vez que
se tratava do oposto daquilo que a cultura me tinha condicionado a esperar
deste momento. Como noivo a caminho do altar, era suposto estar apreensivo com
a perspectiva de perder a minha “liberdade”. Mas enquanto estava a ser
conduzido rumo à ocasião do meu cativeiro matrimonial – no qual me seria
colocada a “corda ao pescoço” – tudo o que sentia era a mais pura das
libertações.
Tendo sido criado na América nos
finais do século XX, tinha sido sobretudo influenciado pela interpretação
secular-liberal da palavra “liberdade”, que mais do que ser diferente do
entendimento católico, é mesmo antitético. Costumamos brincar, dizendo que os
nossos irmãos seculares e liberais falam uma língua diferente da nossa. Mas
olhando mais de perto, vemos que é mesmo isso que acontece, até quando usamos
exactamente as mesmas palavras.
Há um exemplo famoso deste
fenómeno perto do final do maior dos romances de Evelyn Waugh, Reviver o
Passado em Brideshead. O narrador, um artista agnóstico chamado Charles
Ryder, escarnece da ideia de se ter chamado um padre para visitar o Lord
Marchmain, que está moribundo. “Não o podem sequer deixar morrer em paz?”.
Julia, a filha de Marchmain, com quem Ryder tem estado a ter um caso adúltero,
responde de forma triste: “Eles querem dizer algo tão diferente com a palavra
paz”. A visão secular de “paz”, expressada por Ryder, significa pouco mais do
que não ser maçado. Mas, para os católicos, “paz” é um estado objectivo, e não
uma emoção fugaz.
Há muitos outros exemplos. Mas
talvez a maior das divisões seja precisamente sobre o significado da palavra
“liberdade”. De acordo com a interpretação secular-liberal, ser livre significa
ter o máximo de opções e mínimo de responsabilidade pessoal. Assim, a liberdade
conquista-se escapando dos confins da vida normal imposta pela necessidade de
ganhar dinheiro para suportar uma família. Só aí é que se torna possível
dedicar tempo e energia a objectivos ostensivamente mais satisfatórios.
Esta é a visão firmemente
proposta pela comediante progressista Chelsea Handler num vídeo recentemente
lançado e que se tornou viral nas redes sociais. O sketch de cerca de dois
minutos detalha um dia na vida de uma mulher sem filhos cuja “liberdade”
assenta em não ter miúdos para levar para a escola, ou para controlar no
supermercado. Assim, a personagem de Handler é “livre” de dormir até ao
meio-dia, drogar-se, ter sexo com estranhos e “meditar”.
Seria difícil, ou mesmo impossível,
exprimir de forma mais concisa o contrário daquilo que é o entendimento
católico de liberdade.
Isso é porque, ao contrário do
que pensa a mente moderna, o conceito católico de liberdade consiste em assumir
cada vez mais responsabilidade, e não em fugir dela. Na visão secular, a
liberdade perfeita encontra-se algures numa ilha tropical remota onde pessoas
“livres” bebem cocktails chiques até ao final dos tempos.
Em contraste, para os católicos,
a verdadeira liberdade encontra-se nas ruas de Calcutá, onde Missionárias da
Caridade dão-se inteira e livremente às almas mais pobres da terra. Escusado
será dizer que a diferença é significativa.
Não é que haja qualquer
problema em um católico apreciar cocktails numa ilha deserta, mas isso podem
ser férias católicas, nunca uma vida católica. E não é porque os católicos são
uns chatos, mas porque eles ficariam aborrecidos até à morte com esse tipo de
vida. Onde não existe responsabilidade não existe liberdade para perseguir os
aspectos mais significativos da vida.
A vida interior de um católico
comprometido – um que se submeteu heroicamente à aventura da santificação – é
uma montanha russa para a alma.
A vida hedonística, pelo
contrário, em que não existe outro propósito para além da satisfação própria,
parece-nos triste e vazia. Mais uma ilusão do que uma vida.
Em retrospectiva, a razão pela
qual me senti tão livre a caminho do meu casamento é evidente: Ao escolher
dar-me completamente (e de forma impensada), estava a experimentar as emoções
próprias de uma grande aventura. A viagem seria desafiadora – o meu director
espiritual, o padre Peter Mussett, de Boulder, Colorado, assegurou-me várias
vezes de que o casamento exigiria tudo de mim.
Mas isso só tornou a
perspectiva mais atraente. Eu queria dar tudo para algo maior do que eu, porque
queria ser livre. Talvez o desejo mais natural do ser humano seja o de se doar
totalmente em amor. Qualquer coisa menos que isso é uma frustração para a alma.
Eis a grande verdade da Cruz,
que, em tempos modernos, se tornou um segredo tragicamente escondido: que a
nossa liberdade está directamente relacionada com o quanto nos oferecemos.
A qualquer jovem que esteja em
busca da verdadeira liberdade e que tenha ouvidos para ouvir, que os vossos
anciãos católicos falem com uma só voz: Para ser livre, encontrem alguém a quem
possam amar com todo o coração e que seja capaz de vos amar de volta. E quando
o tiverem feito, esvaziem-se de forma impensada, dêem tudo o que tiverem pelo
casamento e pela família, ou pela vocação, e verão que miraculosamente a vossa
taça transbordará para sempre.
Não faz qualquer sentido, mas
não é suposto. É só suposto ser verdade. E é. E libertar-vos-á.
Peter Laffin escreve de New
England. O seu trabalho mais recente encontra-se no The Catholic Thing,
The Washington Examiner, e The National Catholic Register.
(Publicado pela primeira vez
em The Catholic Thing na Quarta-feira, 19 de Abril de
2023)
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