Ainda nem o cadáver da discussão da eutanásia arrefeceu e
já a esquerda progressista está em campo para nos impor outro ponto da sua
agenda. Desta vez é a chamada “autodeterminação de género”. O nome diz muito.
Faz tanto sentido como “autodeterminação de idade”, mas é o ponto a que
chegámos.
Há três diplomas que, ao que parece, serão agora
concentrados num só para depois ser votado. Não analisei os três, mas acabo de
ler o do Bloco de Esquerda, que imagino ser o mais radical e quero agora
comentar alguns dos pontos que me chamaram mais atenção.
Esclareço que não tenho formação em direito, mas tenho
acompanhado estes debates noutros países há longos anos e é nessa qualidade que
escrevo.
Artigo 2.º Entende-se
por identidade de género a vivência interna e individual do género, tal como
cada pessoa o sente, a qual pode ou não corresponder ao género atribuído à
nascença
Duas coisas aqui a sublinhar. Primeiro o fantástico “tal
como cada pessoa o sente” que diz tudo sobre o admirável homem novo que os
progressistas querem criar. Nós somos o que sentimos. Que se lixe a ciência,
que se lixe a biologia. Se eu me sinto cavalo, cavalo sou. Se me sinto preto,
sou preto – estão-se a rir? Façam pesquisa por Rachel Dolezal. Se sinto que tenho
2,10 de altura, que seja!
Em segundo lugar, talvez seja o termo técnico usado, mas
o meu “género” não me foi atribuído à nascença… Já era meu antes de nascer. O
meu número de BI foi-me atribuído, o meu número de Segurança Social também, tal
como o número de sócio do Benfica. Mas o meu sexo foi determinado por aquela
coisa maçadora que são os genes e a biologia. É algo que é meu mas que – cruel tirania
– não depende da minha vontade.
Artigo 3.º 1-
Todas as pessoas têm direito: (…) c) A
serem tratadas de acordo com a sua identidade e/ou expressão de género
É nestes pequenos detalhes que se encontram os maiores
perigos. Pergunto: A serem tratadas por quem? Pelo Estado? Por toda a gente? O
Bloco de Esquerda quer obrigar-me a tratar o meu amigo Zé por “ela” apesar de
ele ser, biologicamente, um homem? Não basta alimentarem na mente do Zé a
fantasia de que com um processo burocrático e uma mutilação médica ele pode “mudar
de sexo”, querem-me obrigar a alinhar na brincadeira? Obrigado. Dispenso.
Artigo 4.º - 1 C Pode
requerer a alteração do registo civil a pessoa que (…) c) Não se mostre
interdita ou inabilitada por anomalia psíquica.
Esta é excelente por duas razões. Primeiro, porque um
homem sentir que é mulher quando a biologia indica o contrário deve ser dos
casos mais claros de anomalia psíquica que existe. Tem um nome: Disforia de
género. Não fui eu que inventei.
A segunda razão está no ponto 3 deste mesmo artigo: Para aceder ao disposto no número 1,
nenhuma pessoa poderá ser obrigada a submeter-se a qualquer tratamento
farmacológico, procedimento médico ou exame psicológico que limite a sua
autodeterminação de género.
Portanto reparem… Qualquer pessoa pode pedir alteração de
sexo, desde que não se mostre inabilitada por anomalia psíquica, mas ao mesmo
tempo é proibido submeter os requerentes a qualquer exame psicológico que
limite a sua autodeterminação de género… Preciso mesmo de escrever mais alguma
coisa sobre isto?
Artigo 5.º -
Menores de dezasseis anos
Muito se tem falado sobre a situação de os menores de 16
anos poderem intentar judicialmente para ultrapassar a oposição dos pais. Mas o
que mais me espanta neste artigo é que fala apenas de “menores de 16 anos”, não
temos um limite inferior. Aplica-se a crianças com 5 ou 6 anos? Não há mesmo
limite? Vale tudo?
Artigo 6.º - 2 - O
requerimento é apresentado na Conservatória do Registo Civil e, nos casos
previstos na alínea b), do n.º 1, do artigo 4.º, nos consulados respectivos,
podendo, desde logo, ser solicitada a realização de novo assento (…) 5 - No
novo assento de nascimento não poderá ser feita qualquer menção à alteração do
registo
Ora aí está. Este ponto resume toda a mentalidade dos
defensores destas medidas. A consagração desavergonhada da mentira! O que é um
assento de nascimento? Um assento de nascimento diz, entre outras coisas, que
nasceu um indivíduo de sexo masculino ou feminino. Mas o projecto do Bloco
prevê a elaboração de um novo assento. Ou seja, não basta que a pessoa queira
passar a ser conhecida como sendo do sexo oposto, não. É preciso falsear a
história. Porque é disso que se trata. É um facto que naquele dia, naquele
hospital, nasceu um indivíduo de um determinado sexo. Se hospital tivesse
escrito na altura que tinha nascido um indivíduo do sexo oposto, isso seria
mentira.
Mesmo que acreditássemos que uma cirurgia, tratamento
hormonal, maquilhagem, um vestido e um processo burocrático pudessem
transformar um homem numa mulher, isso não faria com que essa pessoa tivesse
nascido mulher. Se tivesse nascido mulher, aliás, não seria preciso a cirurgia,
as hormonas e o vestido. Mudar o assento de nascimento é, pura e simplesmente,
uma mentira.
Artigo 9.º - 2 -
As instituições públicas e privadas a quem estas notificações sejam
apresentadas têm a obrigação de, a pedido do/a requerente e sem custos
adicionais, emitir novos documentos e diplomas com o novo nome e sexo.
Que o BE queira envolver o Estado nesta fantasia,
compreendemos. Mas não basta. As instituições privadas também têm de ser
cooptadas. E de que documentos e diplomas estamos a falar? O Zé pode ir à sua
paróquia pedir que lhe emitam uma certidão de baptismo a dizer que afinal quem
foi baptizado ali, naquele dia, foi a Carolina? E se a instituição privada, ou
o funcionário público já agora, recusar alinhar numa mentira? Qual é a pena?
Artigo 11.º - 4 -
Ninguém pode ser discriminado, penalizado ou ver rejeitado o acesso a qualquer
bem ou serviço em razão da identidade e/ou expressão de género 5 - Serão
adotadas as medidas necessárias que permitam, em qualquer situação que implique
o alojamento ou a utilização de instalações públicas destinadas a um
determinado género, o acesso ao equipamento que corresponda ao género
autodeterminado da pessoa.
Novamente o mesmo problema. De que é que estamos a falar?
Se eu aparecer no ginásio com uma peruca a dizer que me chamo Tina são
obrigados a deixar-me usar o balneário feminino? Mas evitemos a ridicularização…
Se eu acreditar verdadeiramente que sou uma mulher, apesar de biologicamente
ser um homem e o ginásio me deixar usar o balneário feminino, isso é tudo muito
bonito, porque está a respeitar a minha dignidade, segundo o Bloco – este artigo
chama-se mesmo “Tratamento digno” – mas… E o direito à privacidade das mulheres
que de facto são mulheres e que estão no balneário ao mesmo tempo? Não conta?
Estou a ser rebuscado? Nos outros países onde este
comboio já partiu a discussão é precisamente sobre casas de banho e balneários,
incluindo em escolas. As escolas que forneceram casas de banho “neutras” para
crianças “transgénero” são processadas. Não basta. É preciso deixar o Carlinhos
usar a casa de banho das meninas e, no centro comercial, deixar o Zé usar a casa
de banho das mulheres independentemente de lá estar a sua filha de seis anos.
Artigo 12.º - 2 -
O Serviço Nacional de Saúde garante o acesso a intervenções cirúrgicas e/ou a
tratamentos farmacológicos destinados a fazer corresponder o corpo com a
identidade de género com o qual a pessoa se identifica, garantindo sempre o
consentimento informado.
Portanto não basta usar dinheiro público para pagar
abortos, agora os nossos hospitais servirão para financiar operações para
mutilar corpos saudáveis e administrar fármacos para impedir o desenvolvimento
natural dos sistemas reprodutores de pessoas saudáveis, entre outros.
Artigo 13.º Medidas
contra o Generismo e a Transofobia
Todo este artigo é uma maravilha. Campanhas de
sensibilização para funcionários públicos e para o público em geral para “desconstruir
preconceitos” tão nocivos como a noção de que um homem é um homem e uma mulher
é uma mulher. Vá lá que não falam em campos de reeducação…
É isto que nós temos amigos. Vai passar? Não sei. Mas ao
menos não se deixem apanhar na curva. Muito mais há para escrever sobre este
assunto, mas terá de ficar para artigos futuros.