Wednesday 30 November 2022

O Senhor da História

Pe. Paul Scalia
A discussão em torno da proposta de lei do suposto “Respeito pelo Casamento” voltou a colocar o assunto do casamento homossexual na agenda mediática e, juntamente com ele, o lema “O lado certo da história”. Esse mantra é uma forma inteligente de obrigar as pessoas a aceitar uma ideia política ou uma agenda social. Ou se concorda com a proposta em cima da mesa, ou estamos do lado errado da história. Não há pior forma de pressão social. Ninguém gosta de se sentir deixado de parte, mas estar do lado errado da história? Ora aí está uma proposta assustadora.

Na verdade, esta expressão encapsula a visão errada da história que a nossa cultura abraça. Nomeadamente, a ideia de que se trata de uma evolução da humanidade em constante melhoramento; de que toda a história se dirige rumo à perfeição. É evidente que temos assistido a progresso em determinadas áreas. Quase que erradicámos certas doenças. Temos formas extraordinárias de comunicação e de transporte. A câmara do novo iPhone é incrível, etc..

O problema está em pensar que o mesmo se aplica a nós mesmos e à nossa sociedade. Presumimos que, tal como a nossa tecnologia, também nós estamos constantemente a melhorar, através dos nossos próprios esforços e criatividade. Assim, a história não é mais do que uma marcha rumo à perfeição humana. Quem discorda está do lado errado, não apenas da discussão, mas da história.

Claro que todo o conceito é terrivelmente ingénuo. Sim, temos conseguido grandes avanços no ramo da ciência, da tecnologia e da medicina. Mas para que é que os usamos? Para o bem, em alguns casos, e para o mal, noutros. Por mais que tenhamos avançado em determinadas áreas, ainda temos a mesma capacidade para o mal que tinham os nossos antepassados e esse mal não é algo do qual nos possamos libertar apenas com os nossos esforços.

Outro problema é que os líderes tendem a estar sempre com muita pressa para chegar ao lado certo da história. E isso até faz sentido. Se é esse o objectivo final, porquê esperar? Nada se deve meter no caminho. Assim vimos que durante a Revolução Francesa o Reino do Terror guilhotinou todos aqueles velhacos que não prestavam culto à República e ao Culto do Ser Supremo. Lenin e Stalin correram atrás do paraíso dos trabalhadores, à custa de milhões de vidas dos seus próprios cidadãos. A mortandade provocada por Mao Tsé Tung conseguiu ser ainda maior que o Grande Salto em Frente. Chegar ao lado certo da história tem um grande custo em sangue.

Esta visão da história também escraviza espiritualmente e intelectualmente as pessoas. Uma vez que o lado certo da história está sempre no futuro, nada do passado tem valor. Qualquer apelo à história ou à tradição, à sabedoria do passado, é proibido. As estátuas devem ser removidas, a história purificada, os nomes das ruas e das escolas alterados.

Mas esse tal futuro nunca chega. É sempre uma utopia, mesmo para lá do horizonte. Claro que os líderes não têm qualquer interesse em que esse momento perfeito chegue, porque aí perderiam os seus trunfos. Então as pessoas são roubadas quer do seu passado, quer do seu futuro. Sem tradição que os alimente, nem futuro realístico por que esperar, tornamo-nos órfãos do imediato.

E o que é que isto tem a ver com o Primeiro Domingo do Advento?

O ponto de viragem da história
É que a Igreja tem uma visão radicalmente diferente da história. Nós não acreditamos que o momento mais importante esteja nalgum futuro “lado certo”. Acreditamos que o ponto de viragem da história está no evento passado, para o qual agora nos preparamos agora: o nascimento de Cristo. Tudo o resto ou estava a convergir para aí, ou parte daí. Aquilo por que ansiamos no futuro, no final dos tempos, não é uma coisa nova mas a plenitude, o desvendar, de tudo o que começou com o seu nascimento.

Nem estamos propriamente à espera que as coisas melhorem entretanto. Há incontáveis passagens das escrituras que nos mostram que para o povo de Deus as coisas não melhoram, antes pioram, à medida que o fim se aproxima. Então o Senhor aparecerá para salvar o seu povo e retribuir a sua fidelidade.

É verdade que isto pode parecer desencorajador e pessimista. Mas é também realístico e libertador: as coisas não estão sempre a melhorar. Existe grande sabedoria no passado e haverá grandes males no futuro. Isto ajuda-nos a colocar aquilo que vemos à nossa volta em perspectiva. As confusões culturais, as guerras, a doença, a fome e tudo o resto devem entristecer-nos. As injustiças devem deixar-nos zangados. Mas nem umas nem outras nos devem surpreender ou desorientar. Porque não esperamos a contínua perfeição do mundo nem procuramos a perfeição em todas as coisas deste mundo.

Esta visão bíblica também clarifica o nosso propósito. Devemos procurar construir uma sociedade melhor, cuidar dos doentes e ajudar os pobres. E isso é precisamente o que os cristãos têm feito ao longo da história, mais do que qualquer outro. Mas fazemos essas coisas como expressão de fé, como obras de misericórdia, e não por pensarmos que podemos aperfeiçoar o mundo. Não nos cabe a nós dobrar o arco da história. Nós não procuramos a perfeição das coisas presentes, mas sim mantermo-nos fiéis àquele grande evento do passado, enquanto esperamos o seu cumprimento no futuro.

Assim, para o cristão, toda a história tem sentido, e não apenas um momento fugaz no futuro. O momento definidor da história está no passado, e por isso podemos olhar para o passado em busca de sabedoria, verdade e sentido. O passado não nos está vedado. E olhamos em frente também. O culminar da história está no futuro e por isso devemos aguardar com esperança – não a perfeição deste mundo – mas a vinda de Cristo em sua glória.


O Pe. Paul Scalia é sacerdote na diocese de Arlington, pároco da Igreja de Saint James em Falls Church e delegado do bispo para o clero. 

(Publicado pela primeira vez no domingo, 27 de Novembro de 2022 em The Catholic Thing

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