Pe. Jeffrey Kirby |
Na vida encontramos duas correntes, que
Nosso Senhor Jesus descreveu como dois caminhos. São Paulo desenvolveu mais
esta noção ao descrever a batalha entre os que têm coração de carne e os que
têm coração espiritual. Santo Agostinho, o protegido espiritual do Apóstolo dos
Gentios, elaborou toda uma teologia com base na noção de duas cidades: A Cidade
de Deus e a Cidade dos Homens. Fazendo eco da sabedoria do Senhor, o Doutor da
Graça compreendeu que estas duas cidades eram formadas por dois tipos
diferentes de amor. Uma das cidades procurava amar a Deus, a sua Lei e o
próximo – enquanto a outra cidade era refém do narcisismo.
O Papa São João Paulo II traduziu estas
duas noções para uma linguagem mais contemporânea. Na sua monumental encíclica Evangelium
Vitae, de 1995 (em larga medida uma continuação mais desenvolvida da anterior
Humanae
Vitae do Papa São Paulo VI), o amado Papa criou dois termos que agora são
parte integrante da visão católica do nosso tempo: a cultura da vida e a
cultura da morte. Nestas expressões o Papa santo voltava a mostrar que existem
dois caminhos e dois amores na vida. Estes caminhos e os amores que revelam dão
aso não só a “cidades” mas também a culturas. Alimentam-se dos seus próprios
amores.
A cultura da vida chama-nos a um serviço
sacrificial a Deus e ao nosso próximo, sobretudo aos mais vulneráveis e
necessitados, cada vez mais elevada. Radicado num amor por toda a gente, a
cultura da vida crê, vive e labora para espalhar a mensagem de que toda a gente
tem dignidade, todas as pessoas são um dom de Deus e todas as pessoas – por mais
manchadas de pecado original e pessoal – devem ser estimadas e respeitadas.
Esta afirmação é um irritante para a
cultura da morte. Essa cultura odeia a mensagem, despreza o mensageiro e
procura retirar a dignidade e o respeito – enquanto professa o contrário – aos
mais vulneráveis e fracos de entre nós.
Não obstante estas provas de consciência
pesada, a cultura da morte preocupa-se unicamente consigo e com os seus desejos.
Procura destruir tudo o que lhe seja inconveniente ou desconfortável. Os fracos
e os vulneráveis são presa fácil numa cultura destas.
Por isso, para além de alimentar o seu
próprio amor a Deus e ao próximo, uma cultura da vida robusta deve expor e combater
a cultura da morte. Esta batalha é inevitável e quem vive uma forte cultura da
vida compreende a sua necessidade. Logo, trabalha para desmantelar os
argumentos, enfraquecer a sedução e impedir a influência e as estruturas de uma
cultura antivida.
No Evangelium Vitae o Papa João Paulo II
identificou correctamente uma “conjura contra a vida”, que “não se limita
apenas a tocar os indivíduos nas suas relações pessoais, familiares ou de
grupo, mas alarga-se muito para além até atingir e subverter, a nível mundial,
as relações entre os povos e os Estados.” (#12)
As raízes desta conspiração encontram-se
na revolta de Lúcifer contra Deus. O maligno espalhou essa revolta através das
mentiras que contou aos nossos primeiros pais e do seu pecado no Jardim do
Paraíso. Esta cultura da morte levou ao homicídio do seu primeiro filho Abel
pelo seu irmão Caim. Esse acto de fratricídio conduziu a ofensas ainda maiores
à dignidade humana.
E assim o palco estava preparado. As
opções tornaram-se claras e as pessoas, cidades e culturas tiveram de decidir-se
pela vida ou pela morte. Quem escolhe a vida tem de estar disposto a combater
em sua defesa.
Historicamente, a batalha sobre a vida tem
sido de uma só frente. Os arautos da cultura da morte atacam os nascituros.
Negam a sua personalidade. Classificam-nos como indesejáveis. Partiram para uma
batalha de palavras e redefiniram termos como autonomia, dignidade e escolha para
apoiar os seus esforços. Travaram uma guerra particularmente feroz contra quem
tem necessidades especiais, sobretudo quem tem Trissomia 21.
Mas a cultura da morte alimenta-se de si
mesma. Não se satisfaz apenas com uma frente de batalha. E por isso a guerra
tem agora duas frentes, incluindo o final da vida.
As notícias estão cheias de relatos de
crianças a quem são negados os cuidados de fim de vida, doentes como Vincent
Lambert, que morreu recentemente em França depois de lhe ter sido recusada
comida e água e Estados como o Maine vão criando leis para facilitar o suicídio
medicamente assistido.
A guerra de palavras deu aso a novas
definições de termos como fardo, qualidade de vida e até misericórdia.
Chegou o momento – enquanto os ataques à
vida se tornam mais sofisticados e alargados – de as pessoas se tornarem mais
criativas e ativas, mais assertivas em sublinhar o contexto e a definição
próprias das palavras, em dar testemunho do amor desinteressado pelos fracos e
vulneráveis, em protestar e mudar as leis contra a vida e em partilhar com
paroquianos, vizinhos e colegas a beleza e a dignidade objetiva de toda a vida
humana.
O padre Jeffrey Kirby, STD é
professor-adjunto de Teologia em Belmont Abbey College e pároco da paróquai de
Our Lady of Grace em Indian Land, SC. O seu mais recente livro é Be Not Troubled: A 6-Day Personal Retreat with
Fr. Jean-Pierre de Caussade.
(Publicado pela primeira vez no domingo, 4
de Agosto de 2019 em The Catholic Thing)
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