Anthony Esolen |
Tenho
estado a pensar ultimamente que se a Democracia é a melhor forma de Governo
alguma vez inventado, então porque é que na sua forma actual consegue fazer
sobressair o pior que há em nós? Em teoria não devia ser assim. Teoricamente,
nesta época eleitoral, devíamos estar envolvidos num debate nacional sobre as
dificuldades que enfrentamos. O casamento está em crise e cada vez mais
crianças crescem sem uma figura paternal. Que fizemos nós, não obstante as
melhores intenções, para infligir sobre os mais vulneráveis tamanho sofrimento?
Como
podemos arrepiar caminho? Os salários dos homens da classe operária mantêm-se
estagnados há quarenta anos. O que fizemos nós, não obstante as melhores
intenções, para os colocar sob tanta pressão? Porque seria errado encolher os
ombros e dizer que a sua forma de vida é uma coisa do passado?
Porque
é que formamos todos os anos milhões de miúdos no ensino secundário que não
sabem nada sobre a herança literária, filosófica e religiosa e artística do
ocidente? Como é que acabamos com a nossa dependência de petróleo estrangeiro,
mantendo o nosso compromisso de limpar a água e o ar?
Um
profissional da Irlanda, casado, pode esperar dez anos por autorização para
imigrar para os Estados Unidos, até desistir – como aconteceu com o irmão do
meu consultor financeiro. Mas milhões de pessoas estão cá ilegalmente. O que
podemos fazer nestes casos que seja de acordo com a lei, com a equidade e a
prudência mas também a misericórdia?
O
Médio Oriente está a fritar no seu próprio petróleo e na sua encruzilhada de
alianças, traições e ódios, enquanto o ressentimento islâmico para com os
bem-sucedidos israelitas e o domínio cultural do Ocidente infecta os corações
de jovens sedentos de guerra. O que é que devemos, ou podemos, fazer?
Recusamo-nos
a ter estas discussões. A televisão tem alguma culpa, mas não é a única. Creio
que o vazio que se encontra no local onde devia estar o coração do assunto tem
um nome: ideologia.
A
ideologia é um sucedâneo da religião. Quando deixamos de estar abertos ao
divino é ela que corre a preencher o vazio. Um dos mitos do Iluminismo é de que
a “religião” é tão violenta que deve ser mantida bem longe da política. Esse
mito penetrou o cérebro de americanos inteligentes, como se constituísse prova
contra uma das coisas mais evidentes da história, que nos mostra que, com a
excepção notável do Islão, quase todas as guerras que os homens travaram não
tiveram nada a ver com religião: Os homens lutam por terra, por glória,
riqueza, medo, ambição, vingança, aventura e sede de sangue.
O
perigo actual não é de que a religião informe a nossa política – é precisamente
isso que a religião devia fazer, porque as nossas intuições sobre o divino
devem dirigir o nosso tratamento do humano. Estou a falar aqui em traços
gerais. O perigo agora é de que a religião seja obrigada a procurar refúgio nas
catacumbas, enquanto a política, com os seus credos ideológicos, assume as
prerrogativas da religião. É isso, e não a religião, que tem tornado os últimos
dois séculos tão sangrentos.
"Mártir nas catacumbas" |
A
doença é fácil de diagnosticar e, salvo algum milagre, poderá ser impossível de
tratar. Os sinais são estes: Os critérios de evidência são esquecidos – o
ideólogo “sabe” aquilo que é impossível saber, como o estado da mente do
Presidente Bush quando concluiu que o Iraque possuía armas perigosas ou os
elementos necessários para as fazer. O ideólogo atribui aos actos dos seus
opositores as piores motivações possíveis, dizendo por exemplo que o Presidente
Obama propôs o seu sistema de saúde sabendo perfeitamente que ia falhar.
O
ideólogo diz que os acidentes são na verdade devidos a astúcia maquiavélica e
que os erros de juízo se devem à estupidez completa, sem perceber que os dois
atributos se anulam mutuamente. O ideólogo não é aquele que acredita que tem
razão, é sim o homem que já não consegue imaginar que as outras pessoas podem
não pensar como ele sem estarem embrenhados em maldade. Não pára para pensar
que ele próprio já pensou como eles.
O
ideólogo é o preconceituoso perfeito, que não consegue compreender, imaginar ou
apreciar o universo moral do seu opositor, mas cujo próprio universo é
unidimensional, como uma caricatura.
O
ideólogo está isento de pecado. Na medida em que possui as opiniões “certas”,
tem rédea livre para fazer as coisas mais vergonhosas aos outros. É um
difamador, um cobarde, um bully. Sente-se justo enquanto faz tudo para que o
seu opositor seja despedido. Não perdoa, porque não sente que precisa de ser
perdoado. Para ele, o cumprimento de todos os ditames ideológicos corresponde à
graça salvífica de Deus.
Até
aqui tenho-me estado a referir-me ao ideólogo como masculino, mas o feminismo
também tornou as mulheres particularmente vulneráveis a um mal que
historicamente afligia muito mais os homens. Por mais difícil que seja para um
homem conversar com outro homem com o qual está em desacordo, como uma mulher é
impossível porque o feminismo embrenha-se de tal forma no seu sentido de
auto-estima, que em todo o caso nunca é muito elevado para quem não coloca Deus
e família no centro da sua existência, por mais que se apresente altivamente ao
mundo.
A
grande maioria dos esforços de limitar a liberdade de expressão e de associação
nas nossas universidades vem de ideólogas femininas, que de tão sôfregas não
param para pensar que aquilo que estão a demonstrar verdadeiramente é que não
deviam estar nas universidades.
A
ideologia é impaciente, maldosa, invejosa, vaidosa; arrogante, egoísta,
irascível; acredita no pior, regozija na iniquidade; espuma contra a verdade,
não tolera nada; impaciente, não tem fé nem esperança verdadeira em Deus.
Quando
o ideólogo era criança, acolhia o mundo com o deslumbramento de uma criança.
Mas agora que envelheceu na ideologia, pôs de lado as coisas de criança. Então
via a verdade de forma obscura, como que através de um vidro, mas agora vive na
luz ofuscante e crua da ideologia, e nessa luz cada face, seja humana seja
divina, é obliterada. Por isso para o ideólogo restam apenas estas três coisas:
esperança no futuro, ambição desmedida e ódio. E a mais característica destas é
o ódio.
Anthony
Esolen é tradutor, autor e professor no Providence College.
Os seus mais recentes livros
são: Reflections on the Christian
Life:How Our Story Is God’s Story e Ten Ways to Destroy the Imagination of Your Child.
(Publicado
pela primeira vez na Terça-feira, 17 de Setembro de 2016 em The
Catholic Thing)
© 2016 The Catholic
Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução
contacte: info@frinstitute.org
The
Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões
expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o
consentimento de The Catholic Thing.
No comments:
Post a Comment