Tuesday 8 May 2012

O amor que conduz a Fátima


Transcrição integral da entrevista da jornalista Rosário Silva ao Cónego Francisco Senra Coelho
O que leva as pessoas a peregrinar? A questão é pertinente numa altura em que milhares de homens e mulheres, movidos pela devoção mariana, percorrem o país a pé, em direcção ao Santuário de Fátima para as celebrações de 12 e 13 de Maio.

Sobre o fenómeno das peregrinações a Renascença foi ouvir o Cónego Francisco Senra Coelho, assistente do Movimento da Mensagem de Fátima.

Nos últimos anos assistimos como que a uma explosão do fenómeno das peregrinações, mas as explicações são muitas vezes redutoras.
Se nós ouvirmos um psicólogo a analisar este fenómeno, é capaz de ir parar à psicanálise de Freud. Se ouvirmos um sociólogo das religiões, somos capazes de ouvir também um conjunto de comentários e se escutarmos a comunicação social, atrevo-me a dizer, lamentamos a análise tão superficial, por exemplo a nível económico, como é que estão os hotéis, as pensões e os restaurantes de Fátima, quanto é que custa uma peregrinação, um episódio mais típico, burlesco de uma peregrinação, e é nisso que se fica, não se pergunta o porquê.

Mas porque é que isso acontece? Não há pessoas competentes para fazer uma análise mais abrangente e mais profunda?
O fenómeno religioso é exigente porque envolve a pessoa toda, a sua dimensão psicológica, afectiva, emocional, espiritual e racional. Por isso tem de ser analisado por pessoas muito competentes. A comunicação social devia ter pessoas especializadas em teologia para analisar o fenómeno religioso e isso não acontece. As análises dos psicólogos muitas vezes têm um ponto de vista estrábico, ou seja, põe-se num olhar específico e redutor, apenas numa dimensão da pessoa e já com um olhar muito preconcebido. A mesma coisa para a sociologia religiosa, são os medos, é a dificuldade de encarar a vida, é a dimensão da fuga, a alienação ao real, é também a questão ligada à crise económica que estamos a viver, é também uma questão de necessidade de sofrer, de expiar as suas faltas, uma espécie quase de masoquismo, enfim, são análises frequentes.

O que é necessário para podermos analisar este fenómeno, olhando para todas as suas dimensões?
Eu atrevia-me a salientar quatro pontos que me parecem muito importantes. O primeiro ponto é o encontro com a comunidade. As pessoas fazem uma experiência durante vários dias, onde se partilha a refeição, se conversa no caminho, se reza, se faz silêncio, se canta, se ri, se chora, se entreajuda, e isto quebra a solidão, o individualismo que a massificação da sociedade urbana leva os indivíduos a viver.

Um segundo aspecto o encontra com a natureza. A peregrinação acontece no quotidiano da vida ligando-nos aquilo que é a natureza. Nós caminhamos com a chuva, com o sol, com o vento, e isto faz-nos ligar à mãe primordial que é a natureza.

Em terceiro lugar, temos uma dimensão espiritual. Precisamos de nos renovar interiormente, de fazer a experiência de alguém que tem um objectivo e que luta por esse objectivo que é chegar ao Santuário. Fazemo-lo com uma dimensão totalmente gratuita, não nos vão dar nada quando chegarmos ao Santuário, nem sequer um brinde.

Fazemo-lo por uma convicção profunda que brota da fé, e fazemo-lo também numa dimensão grande de estar com os outros, muitas vezes oferecendo pelos outros e acreditando no além, que não vamos sozinhos e que tudo não depende de nós, mas há alguém que nos ama e que nos ajuda.

Cónego Francisco Senra Coelho
Finalmente um aspecto que gostaria de por em comum que é a dimensão da reparação, da expiação. Nós muitas vezes sentimos que temos uma divida ao amor, uma divida à verdade, que temos uma divida à justiça, porque somos pecadores e a penitencia que Nossa Senhora pediu na Cova de Iria acontece nos caminhos.

As pessoas sofrem, as pessoas têm dores de pernas, começam a ter dificuldades de caminhar. Há, também, uma força interior de expiação, de pais que pedem por filhos que perderam a fé, que estão na toxicodependência, que sofrem por não ter um emprego, uma relação com o sofrimento que oferecem unindo-se a Cristo crucificado. E esta dimensão é profundamente de amor.

É por amor que as pessoas caminham?
As pessoas não são levianas nem superficiais. São razões de viver pelas quais as pessoas dão a vida e essas, são exactamente as que não estão visíveis, as que estão no intimo.

Sabemos todos que a história da humanidade nunca se fez pela violência, foi sempre o amor que fez a história avançar em caminhos de renovação e progresso. A arte, a estética, a dimensão da ciência e do progresso tecnológico, é fruto do amor e da dedicação à investigação, a uma carreira profissional, a uma dimensão altruísta do bem da humanidade, como são as descobertas a nível da saúde.

Só o amor é motor da história. Não há possibilidades de fazer a história avançar se não for pelo amor. Como tal, é o amor que guia a maior parte destes peregrinos. Não digo que estou convencido disso, pois seria pouco, mas porque falo com eles, conheço e sei que é assim.

Entrevista de Rosário Silva; edição de Filipe d’Avillez

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