Wednesday 26 July 2023

Partilhando da Paciência de Deus

Pe Paul Scalia

Talvez um dos ensinamentos mais difíceis da Igreja seja sobre ela própria: de que é santa. Como é que é possível? Conhecemos a sua história suficientemente bem para saber que existe nela todo o género de impureza. E o que é mais importante, e mais imediato, é que sabemos que nós mesmos – membros da Igreja – somos assolados pelo pecado. Ainda assim, no Credo confessamos que a Igreja é santa, e a parábola de domingo passado, do trigo e do joio, pode ajudar a compreender melhor esta doutrina. 

A parábola descreve algo que era suficientemente frequente na antiguidade para que existissem leis específicas sobre o assunto. Um homem semeava joio no campo de trigo do seu inimigo. A erva assemelha-se ao trigo e crescia juntamente com ele. Mas se não fosse eliminado seria colhido com o trigo, entrava no pão e envenenava os consumidores, por vezes fatalmente.

Nosso Senhor deixa claro que a Igreja – os filhos do Reino – é a boa semente que o Pai semeou no mundo. Logo, a Igreja é santa. Não é uma mera criação humana, mas a fundação e a casa do Senhor, plantada pela sua mão, estabelecida como Corpo de Cristo. A Igreja é a árvore que cresce ao contrário, com as raízes no céu e os ramos aqui na terra.

Mas a Igreja existe num mundo caído, e o inimigo está à espreita. Como a parábola torna claro, ele semeia sementes más entre os filhos do reino. Há veneno, é verdade, mesmo dentro da Igreja. O problema é que a semente má é muito parecida com a boa. Por isso o Senhor da casa diz aos seus criados para esperar. Deixem-nos crescer juntos até ao tempo da colheita. Nessa altura será possível discernir e julgar.

Uma primeira lição da parábola é que não nos devemos surpreender com a maldade e a podridão na Igreja. Devemos ficar desiludidos, tristes e zangados, sim. Mas surpreendidos não. A existência de ervas daninhas entre o trigo é evidente desde os primeiros dias da Igreja, até aos dias de hoje.

A parábola é também uma lição sobre a paciência de Deus. A Igreja faz a sua peregrinação ao longo da história na posse de verdadeira e autêntica santidade, mas ainda assim semper purificanda – sempre a precisar de purificação. Não existe uma “era dourada” da Igreja, porque sempre existiu joio entre o trigo. O Pai chama-nos à fasquia mais alta, à santidade, mas é paciente connosco enquanto nos esforçamos por lá chegar.

Mais importante que tudo, a parábola é um convite para participar na paciência de Deus. Muitos dos que parecem ser joio acabarão por se revelar trigo – e vice-versa. Ele é paciente contigo, que por vezes pareces joio, e convida-te a seres paciente com o teu vizinho irritante, que pode bem ser trigo.

Por isso confessamos que a Igreja é santa, e esperamos pacientemente a sua purificação final, enquanto “crescemos em todos os sentidos para Cristo, que é a cabeça” (Efésios 4,15). A Vida da Igreja deve ser animada pela paciência de uns para com os outros. Mesmo a excomunhão, a pena mais severa da Igreja, é um exercício de paciência, na medida em que não tem por objectivo uma separação definitiva, mas o regresso e o arrependimento do visado.

E isto leva-nos à questão da disciplina e do castigo na Igreja. A parábola não pode ser lida em isolamento. Noutro local o Senhor dá instruções claras sobre como corrigir um irmão e, se ele não se arrepender, que “seja para vós como um gentio, ou um publicano” (Mateus 18,17). Paulo tinha recomendações severas para lidar com os transviados. “Com o poder do Senhor Jesus Cristo, entreguem esse homem ao poder de Satanás para que, embora o corpo se perca, o seu espírito possa salvar-se no dia em que o Senhor vier. (1 Coríntios 5, 4-5).

Tudo isto significa que existe um lugar para identificar e corrigir aqueles que se tresmalharam. Mas isso cabe aos pastores, e não às ovelhas. A parábola de hoje é dirigida às multidões, não aos apóstolos. Os bispos têm o direito de disciplinar, porque têm essa incumbência. Tal disciplina procura o bem das almas, clarificando os ensinamentos e evitando o escândalo. Mas quando os pastores não disciplinam, os membros da Igreja perdem a paciência e assumem eles o papel de arrancar o joio, levando com ele muito trigo.

De quem é que te gostarias de livrar? Essa questão leva-nos muito rapidamente ao centro da parábola. Cuidado, porque aqueles que tu consideras joio podem muito bem ser do trigo que dá mais frutos no Reino. E tu, és trigo ou joio? Essa pergunta leva-nos ao centro da parábola ainda mais rapidamente. Devemos preocupar-nos menos com o joio dos outros, e mais em darmos nós fruto. Devemos participar da paciência de Deus, sem apelidar os outros de semente má, nem presumir que somos bons. A sua graça está a trabalhar dentro de cada um de nós, instando-nos a voltarmo-nos para Ele, para sermos santificados. 

Deixai-os crescer juntos até à colheita. Estas palavras expressam paciência, mas não indulgência. A paciência de Deus tem limites, e está ordenada para a nossa conversão. Por isso ainda que a sua paciência nos console e encha de esperança, esforçamo-nos para dar fruto no dia da prestação de contas, na colheita.


O Pe. Paul Scalia é sacerdote na diocese de Arlington, pároco da Igreja de Saint James em Falls Church e delegado do bispo para o clero. 

(Publicado pela primeira vez no domingo, 23 de Julho de 2023 em The Catholic Thing

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