Thursday 20 July 2023

Polarização na Igreja: Serei parte do problema?

A semana passada escrevi um texto em que referi o problema da polarização na Igreja. Era sobre a frase polémica de D. Américo Aguiar, e concluí com o seguinte parágrafo.

Todos sabemos que a Igreja está polarizada, como está a sociedade. Podemos alimentar isso, ou podemos agir como irmãos e dar ao outro o benefício da dúvida em situações que podem dar aso a incompreensões. Julgo que essa é uma obrigação que temos enquanto cristãos e pessoas civilizadas. 

O problema é que no seguimento da publicação deste artigo recebi vários comentários a sugerir que eu próprio estava a contribuir para a polarização, atribuindo a culpa da polémica aos conservadores e tradicionalistas.

Estou habituado a receber críticas pelo meu trabalho e opiniões, e acho que lido bastante bem com isso. Às vezes respondo, outras vezes ignoro – sobretudo quando os autores são anónimos – e frequentemente aprendo com elas. Mas desta vez fui apanhado de surpresa porque as críticas vieram de vários campos diferentes, desde tradicionalistas revoltados, a pessoas moderadas e até de amigos próximos cuja opinião estimo e respeito muito.

Transcrevo alguns, para terem uma ideia:

De uma grande amiga: Olá Filipe! Não pondo em questão a intenção da tua tentativa, para dares a tua opinião não me parece que seja preciso dares sempre “encostos” “aos mais conservadores”! Na verdade, nem consigo perceber a quem metes este selo, nem o que este selo significa.

De um “amigo” do Facebook, que não conheço pessoalmente mas que se dirige a mim sempre com bom-senso e cordialidade: Tomo também a liberdade de fazer um comentário ao teu comentário. Concretamente, escreveste que “Agora o meu comentário. A frase foi infeliz, sim. Mas é preciso uma certa má vontade para a interpretar da pior maneira possível, como aconteceu, sobretudo por parte de alas mais conservadoras ou tradicionalistas.”

Tal como tu, sou Católico. E certamente, tal como tu, não olho para a Igreja como para um parlamento ou um partido político. Por isso, se me permites a franqueza, creio que não ajuda a ninguém (exceptuando aos inimigos de Cristo) que se fale em “alas” dentro da Igreja. Todos conheceremos irmãos nossos a quem parece, p. ex.º, que o VI e o IX mandamentos deveriam ser abolidos ou reformados. Serão progressistas? Não creio. Hereges? Talvez também não. Certamente, tal como eu, precisam sim é de conversão. Todos conheceremos irmãos nossos a quem parece que a Missa deveria ser sempre celebrada no Rito Tridentino. São conservadores? Liturgicamente, talvez. Mas talvez também precisem, como eu de conversão.

A Igreja, independentemente da “polaridade” de opiniões dos seus membros sobre temas opináveis (já que, de um modo geral, o que é dogma não é, ou não deveria ser, matéria de discussão), é uma família. E aos filhos de um mesmo Pai penso que não se justifica dividi-los entre conservadores e progressistas. Se alguém o fizer, que seja quem não é Católico ou não entende a Igreja.

E incontáveis comentários irónicos no Facebook ao estilo de: Claro que a culpa aqui também tinha de ser dos tradicionalistas

Eu poderia aqui adoptar uma postura defensiva e dizer que o meu comentário sobre conservadores e tradicionalistas não era uma atribuição de culpa, mas apenas a constatação de um facto, que foi nesses meios e ambientes que a frase – e a pior interpretação possível da mesma – se tornou viral. Agora, a culpa da polémica, a existir, é de quem profere uma frase que depois tem de ser explicada, sobretudo quando a pessoa em causa é conhecida por ser boa comunicadora.

Mas o facto de terem sido estas as reacções ao que eu escrevi leva-me a pensar que desta vez não me posso safar à defensiva. Tenho de pensar se de facto não ando a contribuir para esta polarização que tanto lamento, e tenho de perceber que este último “incidente” não aconteceu apenas por causa de um texto meu, mas provavelmente porque já fiz o mesmo noutras alturas.

Por mais que eu compreenda a posição do meu amigo do Facebook, a verdade é que existem tendências e alas na Igreja e não me parece ser necessário fingir o contrário. Onde concordo com ele é no facto de sermos todos filhos do mesmo Pai, todos membros da mesma Igreja, e por isso não podemos nem devemos apontar o dedo aos que se encontram noutro grupo e dizer que nós somos filhos e eles enteados.

Nem é necessário que a existência de alas seja uma coisa má, na medida em que cada uma pode contribuir com os seus dons e capacidades, e na medida em que a sua coexistência seja marcada pela caridade e pela compreensão. Haverá sempre extremos que não se suportam facilmente, mas também na família isso acontece.

A questão central para mim está na relação com o sucessor de Pedro, que deve ser o centro e garante da nossa catolicidade. E é nesse sentido que eu reajo contra os ataques ao Papa e aos bispos vistos como próximos dele neste pontificado, da mesma forma como reagia contra os ataques a Bento XVI ou a João Paulo II. A questão é que nessa altura eu não tinha o “palco” que tenho hoje, e por isso poucos davam por isso.

Não se põe aqui a questão de defender sempre tudo o que o Papa diz e faz, mas sim de dar sempre o benefício da dúvida e agir com ele sempre dentro do respeito, da caridade cristã e da filial obediência. E a verdade é que fico chocado com alguns dos ataques que vejo ao Papa e à Igreja actualmente, vindos de pessoas que noutros pontificados defendiam acerrimamente o Sumo Pontífice.

Dito tudo isto, se me pedissem para me definir a mim mesmo, diria que sou um conservador em vários sentidos da palavra, embora tente manter uma mente e um coração aberto, esperando poder discernir entre o trigo e o joio, mas confiando acima de tudo que o Espírito Santo ajuda quem de direito a fazer essa discriminação para bem da Igreja e do Reino de Deus.

O que nos traz de volta à questão inicial. Com os meus sucessivos “encostos” aos conservadores e tradicionalistas, sobretudo quando sinto que eles estão a atacar o Papa directa ou indirectamente, estou a contribuir para o bem da Igreja e para o Reino de Deus? A julgar pelas reacções ao meu post sobre o D. Américo, estou a falhar. Peço por isso desculpa, a todos, mas especialmente aos que se sentiram visados.

Como disse nesse post, o combate contra a polarização começa em casa, com cada um de nós. Também eu vou tentar melhorar nesse aspecto.

7 comments:

  1. "A questão central para mim está na relação com o sucessor de Pedro, que deve ser o centro e garante da nossa catolicidade. E é nesse sentido que eu reajo contra os ataques ao Papa e aos bispos vistos como próximos dele neste pontificado, da mesma forma como reagia contra os ataques a Bento XVI ou a João Paulo II" --> será que Bispos e padres de todo o mundo que têm criticado o papa estão a por em causa a unidade da igreja como diz aqui o Filipe? Será que o Filipe ao estar calado faz mais pela unidade da Igreja do que aqueles que criticam tal como Paulo fez com Pedro?

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    1. Paulo criticou Pedro devido ao seu comportamento incoerente e não opondo-se-lhe em questões doutrinais, como grande parte dos conservadores e tradicionalistas faz em relação ao Papa Francisco. "Elegem" os seus próprios "papas" (D. Athanasius Schneider, D. Raymond Burke, D. J. Strickland, etc. etc.) e tomam-nos como um magistério paralelo e oposto ao do Papa Francisco e aos bispos em comunhão com ele.
      Portanto, sim, esses tradicionalistas/conservadores atentam contra a unidade da Igreja com o seu comportamento e sabem que o fazem.

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    2. LM: pelas suas palavras vê-se bem quem é o divisionista e o progressita, Obrigado!

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    3. SR: Não me conhece de lado nenhum, mas porque denuncio o comportamento dos tradicionalistas/conservadores durante o actual pontificado, sou progressista? Pelas suas palavras, fica evidenciada a maneira maniqueísta como pensa.

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  2. Filipe, conhecemo-nos muito pouco mas tomo a liberdade de partilhar a minha visão porque, com tanto que vou lendo da tua parte, acabo por me sentir próximo de ti.

    Se há coisa que para mim é reveladora de quem é Deus, é este desafio exigente de Amar na diversidade. Sempre me ajudou a compreender-me perceber que a nossa religião é para todos e não separa "judeus e gregos" ou "escravos e livres". E isso vê-se na Igreja desde as primeira comunidades. Não deixa de ser curioso que os Actos dos Apóstolos não ocultem as diferentes opiniões que havia dentro da comunidade, como também sempre achei interessante que para o mesmo acontecimento sejam necessários 4 evangelhos. Tantos episódios idênticos que são contados por 3 ou 4 perspectivas diferentes... porque não é só um?

    Fui aluno de um colégio do Opus Dei durante 12 anos e participei em variadíssimos meios de formação da Obra. No entanto, tenho encontrado na espiritualidade inaciana o meu lugar. Este caminho, que aos olhos de muitos é andar de um extremo ao outro, é são e natural porque em todos os lugares por onde andei vi sempre a mesma Igreja, pois o único critério de fidelidade era na união ao Santo Padre. Encontrei, e continuo a encontrar, no Opus Dei um amor fiel ao Papa, assim como nos Jesuítas o verifiquei sempre em todos os Papas que conheci: João Paulo II, Bento XVI e Francisco. Tanto no Opus Dei como nos Jesuítas encontro pessoas inteligentes, que estudam e procuram refletir sobre os mais variados temas, mas sempre, sempre procurando a união na diversidade.

    O que pode estar a acontecer com os teus textos é uma consequência de uma triste forma de atuar dos tempos hodiernos que passa pela instrumentalização e criação de claques como se estivéssemos num jogo em que um tem de ganhar ao outro. Parece que andamos à procura de textos/opiniões que reforcem posições que já as tenho à partida e que por vezes são de completo desalinhamento. Tenho percebido que as redes sociais fazem-nos perder o controlo do alcance das nossas palavras e isso pode ajudar a aproximar-nos ou, infelizmente demasiadas vezes, a criar fossos.

    Quanto a mim, tens me ajudado a pensar e a estar atualizado sobre variadíssimos assuntos da Igreja. Verificar que alguns desses textos podem gerar diferentes interpretações, e para alguns polarizar posições, é apenas uma consequência natural de alguém que escreve com liberdade sem perder a unidade.

    Obrigado pelo testemunho de humildade que deste neste artigo, mas instigo-te que continues a trazer luz sobre todas as maravilhas e fragilidades desta nossa comunidade de irmãos unidos a Pedro.

    Abraço,
    João Raposo

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  3. Caro Filipe, compreendo a tua reflexão e o artigo. Como sempre contribuiu para a minha própria reflexão e discernimento. Penso que és sempre muito rigoroso e equilibrado nos teus comentários. Não concordo com as opiniões que referes sobre o artigo em causa, nomeadamente de que estarias a contribuir para a polarização. Pelo contrário trouxe factos e informação relevante. Talvez apenas a frase referindo as alas mais tradicionalistas fosse desnecessária. Agradeço muito a tua opinião sempre equilibrada e esclarecida.
    Um abraço,
    Pedro Rocha e Melo

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  4. Filipe, como católico concordo em absoluto com a sua análise.
    Infelizmente os que noutros pontificados defendiam acerrimamente qualquer absurdo papal, afirmando a obrigatoriedade de seguir cegamente o Papa....hoje são os mesmos que passam o tempo a criticar Francisco nos recantos da sacristia, só porque têm azia com a frontalidade evangélica de muitas decisões. E esses que o criticam é boicotar em surdina são dos núcleos católicos mais conservadores. Haja paciência....

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