Muito, muito atento... |
Neste momento, porém, temos de começar a considerar a
possibilidade de a Rússia perder esta guerra, sendo que uma derrota, neste caso,
é tudo o que não seja a rendição das Forças Armadas ucranianas nas próximas 48
horas.
Esta série de tweets que acabei de ler, de alguém que é
de facto conhecedor de história e estratégia militar, explica porque é que é bem
possível que esta aventura de Putin tenha sido um passo maior que as pernas. O
efeito imediato será o fim do mito da força militar terrestre da Rússia.
Se isso acontecer o PCP culpará a NATO e o imperialismo, e
as pessoas que ainda possuem alguma sanidade e barómetro moral irão para a rua
celebrar. Mas temos de ter em conta que haverá efeitos secundários previsíveis
e, nalguns casos, drásticos.
Para começar, a Arménia poderá despedir-se de Nagorno-Karabakh.
Durante anos os arménios conseguiram manter o território porque as suas forças
armadas eram organizadas e muito mais experientes que os Azeris. (Aliás, uma
curiosidade que aprendi quando visitei o território foi que na altura da guerra
do Afeganistão, uma vez que Nagorno Karabakh tinha sido “transferida” para a
região do Azerbaijão, dentro da União Soviética, as autoridades locais
mantinham os azeris na retaguarda e mandavam os arménios para a linha da
frente. O resultado é que quando começou a guerra entre arménios e azeris os
primeiros tinham experiência militar e os segundos não).
Essa superioridade militar arménia terminou esta década e
os Azeris, financiados e armados pelos turcos, conseguiram recuperar uma grande
parte do território. Só a intervenção russa impediu a destruição total da
presença arménia em Karabakh. Se o mito do poderio russo acabar por se provar
apenas isso, um mito, os arménios terão a vida muito dificultada.
Outro teatro de guerra que pode sofrer grandes alterações
é a Síria. A intervenção russa permitiu não só salvar o regime de Assad, mas
mudar o curso da guerra e empurrar os grupos da oposição até à fronteira com a
Turquia, que os apoia. Desde então a Rússia e a Turquia têm deixado o conflito
em banho-maria. Mas se a Rússia perder na Ucrânia é bem possível que esse
equilíbrio seja afectado. Se – e num cenário de derrota militar na Ucrânia isso
é bem possível – a invasão fracassada da Ucrânia acabar por levar a uma mudança
no regime russo, então tudo se torna ainda mais imponderável.
Um efeito imediato disso é que as comunidades cristãs ficam
mais enfraquecidas na Síria, se não mesmo em todo o Médio Oriente. Por mais que
se possa desconfiar das suas intenções, a verdade é que o apoio de Putin tem sido
benéfico para os cristãos no mundo árabe, pelo menos a médio prazo. Sem esse
apoio, tudo será mais difícil, especialmente depois de terem ficado com o
rótulo de apoiantes do regime sírio.
É verdade que a Síria continuará a contar com o apoio do
Irão, mas mesmo o Irão ficará enfraquecido com um revés da Rússia e possível
mudança de regime em Moscovo.
Um leitor atento terá percebido que ambos os cenários
descritos têm algo em comum: A Turquia. A mesma Turquia que tem fornecido armas
à Ucrânia.
Ao longo dos últimos anos a relação entre a Turquia e a
Rússia tem sido bastante estranha. Adversários em várias frentes, desde a Síria
a Nagorno-Karabakh, passando pela Líbia, têm mantido uma certa oposição
respeitosa, não querendo entrar em conflito aberto, mesmo perante casos surreais,
como quando a Turquia abateu um jato russo na Síria “por engano” ou quando o
embaixador da Rússia na Turquia foi assassinado a sangue-frio. Não sei se o que
os demove é medo, ou se sentem que é mais importante ambos irem minando juntos
a influência dos Estados Unidos em várias partes do mundo, mas a verdade é que
não se têm antagonizado.
Mas tudo isso poderá mudar. Se a Rússia mostrar ser
afinal um tigre de papel, a Turquia irá perder qualquer receio de fazer valer o
seu peso naquilo que considera ser o seu quintal. E o mundo, que terá deixado
de ter de lidar com um saudosista do Império Soviético, terá de lidar com o
saudosista do Império Otomano e que ainda por cima é membro da NATO.
E esse é um cenário assustador.
Leia também:
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Dimensões religiosas do Conflito na Ucrânia
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