Tanya-Renee Laframboise |
Isso deve fazer-nos pensar.
Porque seja o que for que se coloca numa lista, podemos ter a certeza que a
pessoa que a fez lá chegará. Será tomada uma acção. (E Deus proteja aqueles
que, cada vez, mais, dão por si nas listas erradas.)
Seja como for,
recentemente estive a pôr a conversa em dia com um teólogo respeitado, ao longo
de alguns meses. Os nossos telefonemas tendem a ser conversas sobre interesses
partilhados. Da última vez que falámos ele referiu uns livros de um jesuíta dos
finais do Século XIX que poderiam ajudar a aprofundar o tema.
Bom. No que toca a este
tipo de assuntos eu faço listas. Eu gosto de listas.
Por isso, enquanto ele referia
os nomes dos livros eu ia escrevendo na minha listagem de “Livros a Ler ou
Adquirir”, que guardo debaixo da lista longa e (ridiculamente) alfabetizada de
livros que atualmente possuo. Foi com surpresa que vim a perceber que já tenho
algumas das suas obras. Simplesmente eu tinha-me esquecido do nome do padre.
E é sobre a recordação
desses nomes em particular que eu quero falar aqui.
A verdade é que uma
lista de nomes pode ser a mais aborrecida de todas, sobretudo se não virmos uma
ligação a nós mesmos. Lembram-se da chamada? Quando eramos crianças parecia
interminável. E hoje em dia podemos observar os olhos dos adultos a embaciar
quando escutam as genealogias nas Escrituras, na Missa.
Sim, tanto a Escritura como
a Igreja tratam a genealogia – linhagem e listas de nomes – com reverência. E
por boas razões. Num certo sentido, os bispos e os padres que estes ordenam têm
uma linhagem milenar própria, a Sucessão Apostólica.
E o Cânone Romano guarda
cuidadosamente uma lista de alguns dos primeiros mártires e santos, como eram
invocados desde os primeiros tempos na liturgia. Foi a Igreja que declarou
canónicos e inspirados por Deus os Evangelhos de Lucas e de Mateus. Se essas
genealogias do Evangelho não nos dizem nada agora é porque não lemos
devidamente a Bíblia. Porque esses nomes diziam algo a Jesus. Cada um deles é
simultaneamente uma pessoa e uma história. Todos somos a nossa história,
incluindo Cristo.
Há anos eu era uma
genealogista certificada, numa altura em que era preciso mais do que uma
assinatura num site, um computador e desenrascanço. Nessa altura procurava
explicar aos que me pediam para investigar as suas linhagens que deviam querer
mais do que uma mera lista de nomes. Queremos conhecer os indivíduos em si. Os
seus esforços, os seus triunfos, as suas dores de alma. Como é que a fé pesava
nas suas vidas? Que histórias eram as suas?
Não existe tal coisa como
um “ninguém.”
Há almas que, tendo vivido as suas vidas
de barro, partem para o seu juízo final. E como diz nas escrituras, “que coisa
terrível é cair nas mãos do Deus vivo” (Heb 10,31). Merecem o nosso respeito e
as nossas orações. Deram-nos vida.
Mas a outra coisa que
tentava incutir nestas pessoas era de guardarem uma “árvore” dos padres que
tinham ministrado às suas famílias ao longo dos anos. Os que constam dos
registos baptismais e de casamento. Os homens que pregaram, absolveram e
sepultaram os seus antepassados. Porque eles também fazem parte da sua
história. E merecem ser recordados.
Já vivi numa série de
paróquias em que havia noites de oração semanais diante do Santíssimo para
expiação dos pecados do clero. Realizavam-se em noites diferentes ao longo do
mês. A experiência da primeira dessas noites marcou-me de uma forma
assustadora. Nomeadamente a noção de que as almas de alguns destes homens,
salvos apenas pela misericórdia de Deus e pelas orações dos outros, eram
praticamente indistinguíveis dos nomes dos condenados. Nunca mais me esqueci
dessa noite.
Nada que me tivesse ocorrido
quando era criança. Nessa altura ainda se fazia uma procissão à luz da vela
através do cemitério para rezar pelas Pobres Almas. Com grande solenidade, o
padre transportava o Santíssimo pela escuridão da noite até à capela do
cemitério. Os fiéis andavam em torno das campas, passando pelo monte onde
estavam enterrados os padres, cantando litanias e rezando pelos mortos. Depois
dispersavam, cada um para as campas dos seus familiares.
Ninguém parava junto ao
monte.
Podemos perdoar o facto
de uma criança pensar que os padres eram santos e não precisavam de orações. Os
adultos podem ser perdoados por não quererem ficar mais tempo ao frio gélido.
Mas hoje vejo as coisas de outra forma. E preocupa-me. E o padre que liderava
essas procissões? Também me esqueci do nome dele. E isso também me preocupa.
Porque seja o que for
que um padre é – santo ou pecador, zeloso ou indolente – não deixa de
providenciar os sacramentos ao povo. Não deixa de oferecer o Sacrifício a Deus.
Não deixa de se apresentar no dia do seu juízo, necessitado de orações. Mas sem
herdeiros para além daqueles a quem ministraram, quem recordará os seus nomes
diante do Senhor?
Todos os anos, por volta
deste dia, vou buscar a mais valiosa de todas as minhas listas: as genealogias
da minha família. E faço um rol dos mortos a lembrar nas minhas orações. Mas
incluo na listagem os homens que tornaram possível a vida de fé da minha
família. E cujo juízo final reflectirá a exigência mais alta a que foram
chamados.
De facto, todos somos a
nossa história. Mas estes homens formam dela uma parte crucial.
Taynia-Renee Laframboise é escritora, oradora e estudante de Sagrada Escritura, com licenciaturas de Marquette e de Notre Dame. É especializada em antropologia teológica e exegese patrística. Agradece todos os comentários e perguntas dos leitores, que podem ser enviados para tfranche@protonmail.com
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no sábado, 30 de outubro de 2021)
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