Stephen P. White |
Saber disciplinar uma criança de uma forma que não só
preserva a paz no lar, mas também contribui para o crescimento e a maturidade
da mesma não é fácil. Às vezes uma criança responde melhor à misericórdia e ao
carinho; noutras é preciso uma mão mais firme. Depende das circunstâncias.
Depende do filho. Navegar entre o legalismo e a laxidão requer prudência e
bastante humildade.
Como em todas as coisas, o guia mais seguro é o amor.
Tudo isto serve de prelúdio à questão de se políticos
pró-aborto como Joe Biden devem ou não ser admitidos à comunhão. Russell Shaw escreveu de forma interessante sobre o assunto recentemente, não
pretendo duplicar o seu esforço, mas recomendo a leitura.
Desde então também o arcebispo Chaput tomou posição contra a comunhão para Biden. A Conferência
Episcopal dos Estados Unidos já juntou uma comissão para considerar o assunto.
O cardeal Gregory, na qualidade de arcebispo de Washington DC, já indicou que
vai manter a prática pastoral que está em curso desde os tempos em que Biden
era vice-Presidente, dizendo que não lhe será negada a comunhão.
O cardeal está no seu direito de tomar uma decisão
pastoral nesse sentido. Devemos partir do pressuposto de que foi tomada tanto
para o bem do fiel em questão como da igreja local, uma vez que a politização
de discussões sobre a receção dos sacramentos é tudo menos favorável ao sentido
de unidade e de cura necessários numa arquidiocese que ainda está a sofrer com
o escândalo do cardeal McCarrick e a resignação do cardeal Wuerl.
E, claro, há muitos católicos – pelos quais os nossos
bispos são também responsáveis – que consideram pura hipocrisia ver a
hierarquia a julgar os políticos quando os próprios bispos se mostraram tão inefectivos
a lidar com a crise dos abusos sexuais. A prudência exige que compreendamos que
o exercício da autoridade legal está fortemente ligado à autoridade moral e
aqueles a quem esta escasseia devem ter cautela em parecer ter demasiada
vontade em exercer aquela.
Pondo de lado os detalhes particulares do caso de Biden,
os pastores que agem com grande solicitude por causa de um só pecador podem às
vezes não dar atenção suficiente aos que foram prejudicados por esse mesmo
pecador, nem à comunidade eclesial como um todo. (Há aqui um paralelo com a
forma como alguns bispos reagiram à situação de padres abusadores com grande
solicitude para com o pecador mas sem preocupação suficiente para com quem
sofreu diretamente com os seus crimes, ou pelo bem da comunidade no seu todo).
Em nenhum lado a tendência individualista do catolicismo
americano se revela mais profundamente do que na crença de que a recepção da
Santa Eucaristia é um assunto privado entre mim e Deus. A recepção da Comunhão
é um assunto profundamente pessoal, mas é um acto fundamentalmente eclesial, e
não privado. Este facto informa todos os debates correntes sobre políticos
católicos e comunhão, e explica porque é que os argumentos antecedem longamente
a eleição de Joe Biden e vão certamente continuar muito depois de ele ter
abandonado o cargo.
Mais, não é difícil perceber porque é que tratar actos eclesiais pela lente dos actos privados tem implicações que vão muito além da disciplina dos sacramentos.
A Igreja fala frequentemente e consistentemente sobre a
ideia de pecado social e estrutural. Como escrevi em 2020, “a noção de
responsabilidade coletiva – de ‘pecado social’, para usar um termo muito
criticado – não deve ser estranha a ninguém que esteja familiarizado com as
escrituras. Deus julga-nos como indivíduos, sim, mas também como membros de
povos, atribuindo culpa e julgando agravos tanto pessoal como
corporativamente”.
Mas aqui nos Estados Unidos o ensinamento da Igreja sobre
o “pecado social” costuma ser (erradamente) descartado como um esquema político
de esquerda. Porquê? Uma das razões é porque, durante décadas, políticos
católicos têm defendido e expandido o direito ao aborto, subsidiando-o tanto
internamente como no estrangeiro, com quase total impunidade. Entretanto o
leigo e a leiga comuns são chamados a sentirem-se pessoalmente responsáveis por
todo um leque de assuntos estruturais – das mudanças climáticas ao racismo e o
alojamento de refugiados – que estão muito para além do seu controlo direto.
Fica-se claramente com a impressão de que existe um
padrão de expetativa e de comportamento para os católicos comuns e outro para
católicos influentes e bem relacionados: que a nossa fé deve ter consequências
para a nossa política, mas que a nossa política não tem qualquer influência na
nossa fé. Se os bispos querem mesmo lidar com a questão do pecado social, então
porque é que continuam a tolerar – sem quaisquer consequências eclesiais – o
apoio direto e claro da expansão de uma injustiça sistémica (o aborto) que
custa milhões de vidas?
Se os bispos não conseguem agir como se o apoio direto de
alguém a um mal tão grave tivesse consequências eclesiais diretas, então porque
é que alguém há de levar a sério a suposta urgência de assuntos sobre os quais
os católicos individuais têm muito, muito menos influência? O desafio pastoral
em causa vai muito para além da comunhão e do aborto. Estende-se à
credibilidade do testemunho público da Igreja.
Já disse muitas vezes antes que nada é mais contrário a
uma ética consistente da vida do que o apoio à erradicação em escala industrial
de vidas inocentes através do aborto. É precisamente por isso que os bispos
afirmaram que o aborto é a sua principal preocupação política. E é precisamente
por isso que os bispos formaram uma comissão para coordenar a sua resposta aos
desafios colocados por terem agora um Presidente católico pró-aborto.
A linha de acção que melhor serve o bem da Igreja e das almas é matéria sobre a qual bons homens podem discordar. Não invejo aos bispos essa tarefa. Rezemos pelos nossos bispos e pela Igreja.
Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no
Centro de Ética e de Política Pública em Washington.
(Publicado em The
Catholic Thing na Quinta-feira, 10 de Dezembro de 2020)
© 2021
The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de
reprodução contacte: info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica
inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus
autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com
o consentimento de The Catholic Thing.
O Papa Francisco já o afirmou, a Igreja apenas tem que cumprir. Só os nomes do ex-cardeal McCarrick e do Cardeal Wuerl são suficientes para saber que a Igreja tem a obrigação de cumprir a sua doutrina de negar a comunhão a pecadores impenitentes, sobretudo quando estão empenhados em campanhas anticatólicas e na promoção de uma cultura de morte. A posição oficial da Igreja está bem definida, até pelo próprio Papa Francisco. É incompreensível porque o actual papa, com a frontalidade que lhe é reconhecida ainda não obrigou toda a Conferência de Bispos Católicos dos Estados Unidos a cumprir as suas directrizes. Esperemos que o Papa Francisco não tenha esmorecido nesta questão. Foi isto que o Papa Francisco afirmou: "[As pessoas] não podem receber a Sagrada Comunhão e, ao mesmo tempo, agir com actos ou palavras contra os mandamentos, particularmente quando o aborto, a eutanásia e outros crimes graves contra a vida e a família são encorajados. Esta responsabilidade pesa particularmente em relação aos legisladores, chefes de governo e profissionais de saúde."/ "Estas são as directrizes de que precisamos para este tempo na história." https://www.lifenews.com/2013/05/07/pope-francis-pro-abortion-politicians-ineligible-for-communion/?fbclid=IwAR0pbWqMP_1DG7qC-o9ikj45TgSjtth2MSCeIezx0TmXUQvmDJ0SDJtKVv4
ReplyDelete