Wednesday 31 October 2018

Quando o Clero faz Coisas Más

Filip Mazurczak
Claramente o ano de 2018 não tem sido bom para a Igreja Católica. Com o caso do cardeal McCarrick, o relatório na Pensilvânia e escândalos em curso na Austrália, Chile, Alemanha e noutros lugares, controvérsias sobre homossexualidade e o Sínodo da Juventude, a cobertura na imprensa sobre a Igreja Católica tem focado sobretudo o abuso sexual por padres e o seu encobrimento por bispos.

Em vez de nos desencorajar na nossa fé, porém, estas revelações de maus condutos de homens e de mulheres na Igreja devem ser uma oportunidade para a nossa conversão pessoal, e um apelo ao testemunho cristão.

Quando lemos sobre os crimes cometidos contra jovens pelos padres, devemos manter as coisas em perspectiva. No seu estudo “Padres e Pedófilos”, o historiador e especialista em justiça criminal Philip Jenkins (um anglicano que abandonou a Igreja Católica há décadas e que, por isso, não pode ser acusado de preconceito a favor do Catolicismo), estimou que entre 1,5 e 3,5% de todos os padres nos Estados Unidos possam ter abusado sexualmente de menores.

Não faço ideia quais os dados correspondentes para clero de outras denominações, padres, treinadores, médicos ou outros que trabalham com jovens. Mas calculo que esses e outros grupos não se importariam de ter um número assim tão baixo.

Ao longo do ano passado aprendemos uma coisa que para muitos já era evidente, que Hollywood está repleta de predadores. As altas figuras de “Tinseltown” gostam de pensar que são muito superiores a nós, mas responderam aos crimes sexuais de Harvey Weinstein – olhando para o outro lado diante dos encobrimentos – de forma pouco diferente de alguns dos piores bispos em relação aos abusos sexuais praticados por padres.

Quando falamos destes escândalos com os nossos amigos não católicos, devemos informá-los destes factos, recordando-nos que uma das bem-aventuranças de Jesus é instruir os ignorantes. Ao mesmo tempo, porém, é compreensível que o mundo espere mais da Igreja Católica, que afirma ter sido fundada por Jesus Cristo. Ainda que todas as conferências episcopais do mundo adoptem procedimentos que evitem que cada homem com tendências malévolas tenha acesso ao seminário, e ainda que as autoridades civis e eclesiásticas respondam de forma imediata e severa às acusações de abuso – e espero que assim seja – continuará a haver maldade entre o clero.

A razão simples para isto está na nossa própria natureza. Por causa do pecado original, todos somos capazes de fazer mal ao nosso próximo. Os padres são homens e ao longo da história não há falta de casos escandalosos entre eles. Depois das Cruzadas, os Cavaleiros Teutónicos, uma ordem militar, utilizaram a espada para converter ao Cristianismo as últimas tribos pagãs dos Bálticos.

Durante a II Guerra Mundial um padre eslovaco, o demoníaco Monsenhor Jozef Tiso, chefiou um dos piores estados fantoche dos nazis. Apesar de frequentemente utilizarmos os termos “santo” e “pecador” como opostos, os santos também pecam. O que faz deles santos é o facto de terem consciência da sua natureza decaída e se confessarem muito mais frequentemente que a maioria de nós (São João Paulo II, por exemplo, confessava-se todas as semanas), e se esforçam por ser melhores.

Monsenhor Jozef Tiso
Devemos rezar pela conversão dos padres que espalham o escândalo, recordando-nos que mesmo os casos aparentemente mais graves são capazes de dar a volta às suas vidas e dar testemunho. Há um exemplo muito bonito no romance “O Poder e a Glória” de Graham Greene, sobre um padre que não tem levado a sério os seus votos de celibato e que tem um problema de álcool, mas que acaba por escolher o martírio no México da década de 1920.

Acima de tudo, quando ouvimos histórias de padres que dão mau nome à Igreja, devemos ser nós próprios a dar testemunho cristão a nível local, nas nossas famílias e no nosso trabalho, nas nossas universidades, entre amigos e onde quer que seja possível.

Quando a maior parte das pessoas ouve falar na Igreja pensam vem-lhes à cabeça imagens de bispos com mitras, a Basílica de São Pedro, ou possivelmente o pároco local. Mas os leigos também são Igreja. Para além dos generais em Roma e dos Coronéis que lideram as nossas dioceses, a Igreja é composta por mais de mil milhões de soldados rasos de Deus. Por isso, quando ouvimos dizer que há pessoas que estão a abandonar a fé por causa dos pecados dos membros da Igreja, em vez de nos limitarmos a criticar “os padres” ou “os bispos”, devemos perguntar se as nossas acções não feriram também os nossos vizinhos. Seremos nós bons mensageiros do ensinamento de Cristo nas nossas vidas diárias?

Se o mal feito por pessoas que afirmam ser católicas pode afastar as pessoas, então segue-se logicamente que o testemunho de católicos santos os pode atrair. O jornalista britânico Malcolm Muggeridge foi criado numa família ateia. Em 1969 viajou a Calcutá para fazer um documentário e escrever um livro sobre Madre Teresa e o seu trabalho entre os mais pobres. Muggeridge ficou de tal forma impressionado pelo seu testemunho que quando regressou a Inglaterra se converteu ao Cristianismo e, eventualmente, ao Catolicismo.

A maior parte de nós não somos capazes da caridade heroica de Madre Teresa, mas podemo-nos esforçar mais para viver melhor os Evangelhos no nosso dia-a-dia. Devemos examinar os nossos próprios pecados, confessar-nos e pensar no que fazer para sermos melhores católicos.

Quando ouvirmos falar de bispos ou cardeais que fazem coisas terríveis, esse pode ser o sinal para nos oferecermos para trabalhar num banco alimentar, ou num centro para deficientes. Se temos família ou amigos que lutam contra diversos problemas, mas com quem não falamos há algum tempo, então este é o momento para ligar. Se estamos de relações cortadas com alguém que nos é próximo, devemo-nos reconciliar. Mesmo as coisas mais pequenas, feitas com o espírito certo, são caridade católica em ação.

Para além de rezar, a maioria dos católicos leigos pouco pode fazer no sentido de influenciar a conduta da hierarquia e do clero (à excepção, porventura, daqueles que conhecemos pessoalmente). Mas nós somos parte da Igreja tal como eles e podemos, sem dúvida, afectar a percepção que algumas pessoas têm do catolicismo e talvez até, pelos desígnios insondáveis de Deus, contribuir para algumas conversões.


Filip Mazurczak contribui regularmente para o  Katolicki Miesięcznik “LIST”. Os seus textos já apareceram também no First ThingsThe European Conservative e Tygodnik Powszechny.

(Publicado pela primeira vez no domingo, 28 de Outubro de 2018 em The Catholic Thing)

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