James V. Schall S.J. |
Certo dia o Joseph Wood perguntou-me porque é que eu
gostava tanto do Samuel
Johnson. No fundo, penso que quem o lê não pode se não gostar dele. Ao ver
o Papa Francisco a relacionar-se com as pessoas surge-me uma questão que
Johnson já abordou. O Papa, tal como muitos políticos, passa muito tempo a
cumprimentar pessoas, a tocá-las, a fazê-las sentirem-se próximas. O Papa João
Paulo II era um génio neste domínio. Para desespero dos polícias e dos que se
encarregam da sua agenda, figuras como estas insistem em conversar com
praticamente toda a gente.
É-nos pedido que amemos o nosso próximo como a nós
mesmos. Mas sempre que o tentamos fazer damos de caras com o alerta
aristoteliano de que “aquele que é amigo de todos não é amigo de ninguém”. É
por esta razão, entre outras, que suspeitamos que os papas e os políticos são
pessoas bastante solitárias. Cada vez mais ouvimos dizer que o Presidente, tão
dado no palco, parece não ter amigos. Diz-se que os reis não têm amigos que não
outros reis.
Este assunto é abordado numa transcrição feita por
Boswell, a 15 de Abril de 1778, de uma conversa entre Johnson e uma quaker
chamada Srª Knowles,
por quem Johnson parece ter-se deixado encantar. Um tal Soame Jenyns tinha escrito
um livro “View
of the Internal Evidence of the Christian Religion”, no qual afirmava que
“a amizade não é uma virtude cristã”, uma posição a que a Srª Knowles se opunha
com vigor.
Mas Johnson concordava com Jenyns: “Minha senhora, em bom
rigor, ele tem razão. Toda a amizade é a preferência pelos interesses de um
amigo, negligenciando, se não mesmo opondo-se aos interesses de outros…. O
Cristianismo recomenda benevolência universal, que consideremos todos os homens
como nossos irmãos, o que é contrário à virtude da amizade.” De seguida Johnson
recorda o nome classicamente atribuído aos Quakers e diz: “Certamente, Senhora,
a sua seita deve aprovar isto, pois chamam a todos os homens ‘amigos’”.
A Srª Knowles responde a Johnson que somos “ordenados” a
chamar a todos os homens amigos, sobretudo os que partilham a mesma fé. Johnson
replica que esta definição é muito abrangente, pelo que tal amizade deve ser
uma coisa muito difusa. A isto a Srª Knowles observa que Cristo tinha doze apóstolos,
mas amava um mais que os outros. Johnson responde: “Com um brilho benigno nos
olhos, ‘muito bem, é verdade, senhora. Disse muito bem’”.
Esta passagem faz-me sempre pensar no curioso impacto que
a revelação cristã tem nas relações humanas. Aristóteles conhecia os diferentes
tipos de amizade – de utilidade, de prazer e aqueles baseados na mais alta
forma de virtude. Devemos considerar-nos afortunados se, no decurso de uma
vida, conseguirmos ter um ou dois bons amigos. Sabemos que leva toda uma vida a
conhecer bem uma pessoa. O Cristianismo nega-o? Como a Srª Knowles deixa
implícito, os Cristãos querem o melhor dos dois mundos, amar a todos como
amigos, mas manter a intimidade de um grupo mais restrito. Isto significa que
devemos ser claros.
Faz algum sentido pensar que possamos ser amigos de toda
a gente, ou sequer de todas as pessoas que partilham a nossa fé? Muitos dos
problemas que esta questão levanta já foram vistas por Platão. Em “A República”
ele propõe destruir a família porque as suas relações internas são exclusivas,
tendem a separar toda a gente em pequenos grupos.
Mas a separação de pessoas em pequenos grupos é a própria
essência da mais alta forma de amizade em que vivemos juntos em vida e em
conversa. Platão também queria que todos fossem amigos, foi precisamente neste
ponto que chegou Aristóteles para avisar dos perigos de pensar que todos possam
ser amigos neste mundo. Platão e o Cristianismo tinham o mesmo objectivo: que
todos sejam amigos.
Diz-se que no Paraíso nem se casam nem serão dados em
casamento, sendo este o exemplo mais óbvio e exclusivo de amizade permanente.
Isto significa que não há amizades maritais no Céu? Significa que não há procriação
quando for atingido o número de eleitos. Mas estaria Johnson correcto nas suas
afirmações iniciais sobre o Cristianismo? Isto pulveriza os elos de amizade?
Este desejo que vemos nos papas de
querer conhecer e cumprimentar toda a gente, a incentivar-nos a sermos amigos
de todos, é uma ilusão?
O Cristianismo ensina que qualquer pessoa pode ser nossa
amiga, não apenas os da nossa cidade ou da nossa religião. Depois, há a pequena
questão de amar os nossos inimigos e aqueles que nos odeiam. Mas ninguém nos
pede que sejamos ingénuos. O Cristianismo não revoga Aristóteles. O que faz é
pedir-nos que encontremos algo a amar em cada pessoa, a reconhecer que todos
somos amados por Deus. Toda a nossa vida é apenas uma introdução, uma antevisão
daquela vida eterna em que, finalmente, teremos a presença permanente para
conhecer e amar aqueles que respondem ao chamamento que Deus faz a todos para
que se aproximem dele.
James V. Schall, S.J., é professor na Universidade de
Georgetown e um dos autores católicos mais prolíficos da América. O seu mais
recente livro chama-se The
Mind That Is Catholic.
(Publicado pela primeira vez na Terça-feira, 20 de Agosto
2013 em The
Catholic Thing)
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