Wednesday, 21 August 2013

Amar a Todos – e a Ninguém

James V. Schall S.J.
Certo dia o Joseph Wood perguntou-me porque é que eu gostava tanto do Samuel Johnson. No fundo, penso que quem o lê não pode se não gostar dele. Ao ver o Papa Francisco a relacionar-se com as pessoas surge-me uma questão que Johnson já abordou. O Papa, tal como muitos políticos, passa muito tempo a cumprimentar pessoas, a tocá-las, a fazê-las sentirem-se próximas. O Papa João Paulo II era um génio neste domínio. Para desespero dos polícias e dos que se encarregam da sua agenda, figuras como estas insistem em conversar com praticamente toda a gente.

É-nos pedido que amemos o nosso próximo como a nós mesmos. Mas sempre que o tentamos fazer damos de caras com o alerta aristoteliano de que “aquele que é amigo de todos não é amigo de ninguém”. É por esta razão, entre outras, que suspeitamos que os papas e os políticos são pessoas bastante solitárias. Cada vez mais ouvimos dizer que o Presidente, tão dado no palco, parece não ter amigos. Diz-se que os reis não têm amigos que não outros reis.

Este assunto é abordado numa transcrição feita por Boswell, a 15 de Abril de 1778, de uma conversa entre Johnson e uma quaker chamada Srª Knowles, por quem Johnson parece ter-se deixado encantar. Um tal Soame Jenyns tinha escrito um livro “View of the Internal Evidence of the Christian Religion”, no qual afirmava que “a amizade não é uma virtude cristã”, uma posição a que a Srª Knowles se opunha com vigor.

Mas Johnson concordava com Jenyns: “Minha senhora, em bom rigor, ele tem razão. Toda a amizade é a preferência pelos interesses de um amigo, negligenciando, se não mesmo opondo-se aos interesses de outros…. O Cristianismo recomenda benevolência universal, que consideremos todos os homens como nossos irmãos, o que é contrário à virtude da amizade.” De seguida Johnson recorda o nome classicamente atribuído aos Quakers e diz: “Certamente, Senhora, a sua seita deve aprovar isto, pois chamam a todos os homens ‘amigos’”.

A Srª Knowles responde a Johnson que somos “ordenados” a chamar a todos os homens amigos, sobretudo os que partilham a mesma fé. Johnson replica que esta definição é muito abrangente, pelo que tal amizade deve ser uma coisa muito difusa. A isto a Srª Knowles observa que Cristo tinha doze apóstolos, mas amava um mais que os outros. Johnson responde: “Com um brilho benigno nos olhos, ‘muito bem, é verdade, senhora. Disse muito bem’”.
 
Mary Knowles
Esta passagem faz-me sempre pensar no curioso impacto que a revelação cristã tem nas relações humanas. Aristóteles conhecia os diferentes tipos de amizade – de utilidade, de prazer e aqueles baseados na mais alta forma de virtude. Devemos considerar-nos afortunados se, no decurso de uma vida, conseguirmos ter um ou dois bons amigos. Sabemos que leva toda uma vida a conhecer bem uma pessoa. O Cristianismo nega-o? Como a Srª Knowles deixa implícito, os Cristãos querem o melhor dos dois mundos, amar a todos como amigos, mas manter a intimidade de um grupo mais restrito. Isto significa que devemos ser claros.

Faz algum sentido pensar que possamos ser amigos de toda a gente, ou sequer de todas as pessoas que partilham a nossa fé? Muitos dos problemas que esta questão levanta já foram vistas por Platão. Em “A República” ele propõe destruir a família porque as suas relações internas são exclusivas, tendem a separar toda a gente em pequenos grupos.

Mas a separação de pessoas em pequenos grupos é a própria essência da mais alta forma de amizade em que vivemos juntos em vida e em conversa. Platão também queria que todos fossem amigos, foi precisamente neste ponto que chegou Aristóteles para avisar dos perigos de pensar que todos possam ser amigos neste mundo. Platão e o Cristianismo tinham o mesmo objectivo: que todos sejam amigos.

Diz-se que no Paraíso nem se casam nem serão dados em casamento, sendo este o exemplo mais óbvio e exclusivo de amizade permanente. Isto significa que não há amizades maritais no Céu? Significa que não há procriação quando for atingido o número de eleitos. Mas estaria Johnson correcto nas suas afirmações iniciais sobre o Cristianismo? Isto pulveriza os elos de amizade? Este desejo que vemos  nos papas de querer conhecer e cumprimentar toda a gente, a incentivar-nos a sermos amigos de todos, é uma ilusão?

O Cristianismo ensina que qualquer pessoa pode ser nossa amiga, não apenas os da nossa cidade ou da nossa religião. Depois, há a pequena questão de amar os nossos inimigos e aqueles que nos odeiam. Mas ninguém nos pede que sejamos ingénuos. O Cristianismo não revoga Aristóteles. O que faz é pedir-nos que encontremos algo a amar em cada pessoa, a reconhecer que todos somos amados por Deus. Toda a nossa vida é apenas uma introdução, uma antevisão daquela vida eterna em que, finalmente, teremos a presença permanente para conhecer e amar aqueles que respondem ao chamamento que Deus faz a todos para que se aproximem dele.


James V. Schall, S.J., é professor na Universidade de Georgetown e um dos autores católicos mais prolíficos da América. O seu mais recente livro chama-se The Mind That Is Catholic.

(Publicado pela primeira vez na Terça-feira, 20 de Agosto 2013 em The Catholic Thing)

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