Friday, 28 April 2023

"Quer vivamos, quer morramos, somos do Senhor"

Foi ontem apresentado o Grupo Vita, que tem por objectivo trabalhar na prevenção de abusos na Igreja e no acompanhamento de vítimas e, caso solicitem, de abusadores ou pessoas acusadas de abuso. É uma iniciativa da Conferência Episcopal e pretende ser um projecto temporário que tem por missão essencialmente dotar as Comissões Diocesanas dos conhecimentos e capacidades técnicas para depois serem elas a continuar o trabalho. Eu estive na SIC Notícias para comentar a apresentação (quarta-feira, entre as 14h20 e as 15h10, mais coisa menos coisa, para quem tiver muita vontade de ir ver), mas encontram aqui a informação essencial sobre este novo órgão. Da minha parte renovo o meu apelo a todos os que tenham informação sobre abusos, ou que sejam elas mesmas vítimas: denunciem. É a melhor forma de ajudar a implementar a reforma que a Igreja pretende.

O Papa visita a Hungria a partir de amanhã. Vai ser uma visita interessante. A Hungri
a e o seu governo têm feito um trabalho notável em áreas como a promoção da natalidade e da família, bem como no respeito pela liberdade religiosa e apoio às minorias cristãs perseguidas no mundo, mas ao mesmo tempo defendem abertamente uma política em relação aos refugiados que choca com as minhas próprias posições e também com as do Papa Francisco. Aqui podem ler uma entrevista com o embaixador da Hungria em Portugal precisamente sobre este tema.

Todas as semanas tento ter pelo menos um texto próprio, de análise, para vos apresentar. Nos últimos meses tem sido quase sempre sobre os abusos, e tem havido muito para dizer, mas há alturas em que falha a inspiração. Felizmente, hoje tive uma ajuda do PAN, que ao contrário do que todos pensávamos, afinal até defende a extinção de algumas populações de animais, nomeadamente os seres humanos que têm a ousadia de ter mais do que três filhos e que pratiquem a monogamia. Fica aqui a minha resposta – e a da minha família – a esta posição do PAN.

E a propósito de famílias e monogamia, o artigo desta semana do The Catholic Thing é uma daquelas pérolas que gostaria muito de poder dizer que fui eu a escrever. Mas não fui. Peter Laffin conta-nos como se sentiu envolto por uma sensação de verdadeira liberdade no dia do seu casamento e reflecte, a partir daí, sobre como os cristãos e o mundo têm diferentes entendimentos daquilo que significa liberdade, entre outras coisas. Vale mesmo a pena ler e partilhar, sobretudo com jovens que estejam numa idade de tomar decisões que vão definir o seu futuro.

Morreu esta quinta-feira o Pe. João Aguiar. O Pe. João era presidente do Conselho de Gerência da Renascença quando eu fui para lá trabalhar e embora não nos tenhamos mantido em contacto desde que ele voltou para Terras do Bouro, de onde era natural, era um amigo por quem eu tinha muita estima. Deixa saudades entre todos os que o conheceram e esperemos que esteja a descansar agora nos braços de Deus.

Quando abri o obituário da Renascença fiquei surpreendido ao ver que tinham pedido a um jornalista novo para o escrever. Porquê, se ainda há lá tantos que o conheceram? Devia ter guardado a minha reacção para depois de ler este belo texto do Diogo Camilo. Logo eu, que sempre adorei escrever obituários, e escrevi tantos sobre pessoas de quem nada sabia antes de me ser lançado o desafio.

No campo das notícias internacionais, aconselho este testemunho de um padre do Burkina Faso, que explica como os católicos – acossados de todos os lados – usam as suas Kalashnikov para se defenderem (não é o que parece, obviamente). A simpática história da Irmã Selestina, que percorre centenas de quilómetros sozinha, de carro, para combater a solidão e o isolamento dos poucos católicos que vivem na Islândia, e ainda o testemunho dos dois sucessores de bispos ortodoxos que foram raptados há dez anos na Síria e de quem nada se sabe. Quer vivamos, quer morramos, somos do Senhor, dizem. E que bem dito!

Thursday, 27 April 2023

Afinal a única coisa natural que o PAN quer ver extinta somos nós


Ainda pensei tentar rebater alguns dos pontos neste vídeo, mas não vale a pena.

Começo por dizer que o recebi num grupo do WhatsApp, e não faço ideia se a tal proposta que está a ser discutida é boa ou não. Mas a razão pela qual não vale a pena rebater os argumentos expostos é porque o deputado municipal do PAN tem razão. 

Atenção, não é que eu concorde com ele! Mas ele tem razão porque está a operar dentro de um paradigma em que tudo o que diz faz todo o sentido. Logo tem razão, dentro da realidade que subscreve. O que não implica que tenha razão à luz da verdade, porque eu sou daqueles antiquados que para além de defender que a família "convencional" é uma coisa porreira que faz sentido preservar - tipo lince de Malcata, mas para melhor - acredita também que existe uma verdade, e não muitas, ao sabor das ideologias de cada um. 

Porque o problema aqui é ideológico mesmo, daí ter falado de paradigma. O problema não é a lógica que o deputado municipal usa, é a ideologia que está por detrás e essa, é bom que entendamos, é incompatível com a minha, e a de muitos. Não é apenas diferente, é incompatível.

Eu acredito num mundo em que o ser humano tem a responsabilidade de cuidar da criação. Toda. A sua e a do reino natural. Não o fazemos bem, e até eu falho muitas vezes nesse aspecto, mas temos essa responsabilidade. Ele acredita num mundo em que o humano está a mais. Muito a mais, pelos vistos. 

Eu compreendo que os animais, fazendo parte da criação infinitamente sábia e bela de Deus, estão num plano diferente da do ser humano, que é dotado de razão e, acima de tudo, de capacidade de se relacionar e de amar, não apenas para preservação da espécie, mas por total altruísmo. Ele acredita num mundo em que o animal e o homem estão exactamente ao mesmo nível, pese embora eu tenha muita dificuldade em acreditar que se os leões pudessem formar um partido as suas preocupações fossem as mesmas que as do PAN. 

Eu acho que os casais devem poder ter os filhos que desejam ter e que o Estado, que tem por função zelar pelo bem-estar e pelos interesses das pessoas, deve fazer o que estiver ao seu alcance para permitir que elas se concretizem dessa forma. Ele acha que a função do Estado é dar às pessoas os meios para não terem filhos, e que se ainda assim insistirem em os ter, então o problema é deles e não merecem qualquer ajuda ou apoio. 

Eu acho que uma família composta por um casal estável, mãe e pai, é o melhor ambiente para se criarem filhos saudáveis, realizados e equilibrados, o que por sua vez é um bem social. Ele nota com satisfação que as famílias "convencionais" já são minoria, estão em vias de extinção, e "assim esperemos que fiquem", que isto da monogamia é só para os pinguins, pelos vistos, e afinal há coisas naturais que o PAN até defende que se extingam. 

Eu acho que submeter os animais, quaisquer que sejam, a tratamentos hormonais é uma violência pouco saudável que desrespeita o equilibrio biológico. Ele concorda, desde que esses animais não sejam as nossas mulheres.

Eu acho que devemos evitar o uso do plástico a nível social, ele considera que todos os homens heterossexuais que tenham relações sexuais devem plastificar determinada parte do seu corpo, para evitar essa doença sexualmente transmissível que é a gravidez. 

Tenho, contudo, uma dúvida. Eu acho que este senhor tem direito a ter as suas opiniões anti-natalidade, anti-humanas e anti-família. Acho, porque considero que o direito à liberdade de consciência é uma coisa sagrada. Discordo, e espero que ele mude as suas opiniões nefastas, mas respeito a liberdade de as ter. Será que ele acha o mesmo em relação às minhas?

Quando o PAN apareceu notei com frustração que muitas pessoas iam votar no partido dos "animais" porque achavam giro e fofo que estivessem representados no Parlamento. Pois bem, é nisto que acreditam? É isto que defendem? Porque é isto que o PAN é. E não é coisa boa. Um partido que diz às famílias numerosas: "Demo-vos contracepção e aborto. Se ainda assim quiserem poluir a terra com a vossa prole, problema vosso", não é uma coisa boa. 

E para quem assim pensa nada tenho a argumentar. Só posso responder que temos visões diferentes do mundo e da realidade, e que eu e a minha casa escolhemos a vida, e escolhemos acreditar que a família - tenha ela o tamanho que tiver - é uma coisa boa. 

Por isso para vocês e para a vossa cultura da morte, não faço mais do que responder com uma fotografia da minha família orgulhosamente numerosa. 



Wednesday, 26 April 2023

Os Votos da Minha Liberdade

Peter Laffin

Cerca de uma hora antes do meu casamento aconteceu uma coisa impressionante. Um dos meus padrinhos levou-me a mim e a outro padrinho para uma sala vazia da casa onde nos estávamos a arranjar. Depois, estendeu as mãos, inclinou a cabeça e conduziu-nos em oração. Era, e é, um grande amigo, mas era a primeira vez que eu o via a rezar. A voz deste evangélico não praticante tremeu com doce incerteza enquanto invocou sobre nós a bênção de Deus. Foi um momento inesquecível.

Rezámos o Pai Nosso e fomos para o carro que nos levaria até à Igreja. Sentei-me no lugar do passageiro e observei as quintas e os campos a passar debaixo de um céu prateado. A enormidade dessa viagem – a última da minha vida de solteiro – incendiou as cores desta zona rural de Nova Inglaterra.

Ocorreu-me então que eu era total e completamente livre. Foi uma sensação peculiar e estranha, uma vez que se tratava do oposto daquilo que a cultura me tinha condicionado a esperar deste momento. Como noivo a caminho do altar, era suposto estar apreensivo com a perspectiva de perder a minha “liberdade”. Mas enquanto estava a ser conduzido rumo à ocasião do meu cativeiro matrimonial – no qual me seria colocada a “corda ao pescoço” – tudo o que sentia era a mais pura das libertações.

Tendo sido criado na América nos finais do século XX, tinha sido sobretudo influenciado pela interpretação secular-liberal da palavra “liberdade”, que mais do que ser diferente do entendimento católico, é mesmo antitético. Costumamos brincar, dizendo que os nossos irmãos seculares e liberais falam uma língua diferente da nossa. Mas olhando mais de perto, vemos que é mesmo isso que acontece, até quando usamos exactamente as mesmas palavras.

Há um exemplo famoso deste fenómeno perto do final do maior dos romances de Evelyn Waugh, Reviver o Passado em Brideshead. O narrador, um artista agnóstico chamado Charles Ryder, escarnece da ideia de se ter chamado um padre para visitar o Lord Marchmain, que está moribundo. “Não o podem sequer deixar morrer em paz?”. Julia, a filha de Marchmain, com quem Ryder tem estado a ter um caso adúltero, responde de forma triste: “Eles querem dizer algo tão diferente com a palavra paz”. A visão secular de “paz”, expressada por Ryder, significa pouco mais do que não ser maçado. Mas, para os católicos, “paz” é um estado objectivo, e não uma emoção fugaz.

Há muitos outros exemplos. Mas talvez a maior das divisões seja precisamente sobre o significado da palavra “liberdade”. De acordo com a interpretação secular-liberal, ser livre significa ter o máximo de opções e mínimo de responsabilidade pessoal. Assim, a liberdade conquista-se escapando dos confins da vida normal imposta pela necessidade de ganhar dinheiro para suportar uma família. Só aí é que se torna possível dedicar tempo e energia a objectivos ostensivamente mais satisfatórios.

Esta é a visão firmemente proposta pela comediante progressista Chelsea Handler num vídeo recentemente lançado e que se tornou viral nas redes sociais. O sketch de cerca de dois minutos detalha um dia na vida de uma mulher sem filhos cuja “liberdade” assenta em não ter miúdos para levar para a escola, ou para controlar no supermercado. Assim, a personagem de Handler é “livre” de dormir até ao meio-dia, drogar-se, ter sexo com estranhos e “meditar”.

Seria difícil, ou mesmo impossível, exprimir de forma mais concisa o contrário daquilo que é o entendimento católico de liberdade.

Isso é porque, ao contrário do que pensa a mente moderna, o conceito católico de liberdade consiste em assumir cada vez mais responsabilidade, e não em fugir dela. Na visão secular, a liberdade perfeita encontra-se algures numa ilha tropical remota onde pessoas “livres” bebem cocktails chiques até ao final dos tempos.

Em contraste, para os católicos, a verdadeira liberdade encontra-se nas ruas de Calcutá, onde Missionárias da Caridade dão-se inteira e livremente às almas mais pobres da terra. Escusado será dizer que a diferença é significativa.

Não é que haja qualquer problema em um católico apreciar cocktails numa ilha deserta, mas isso podem ser férias católicas, nunca uma vida católica. E não é porque os católicos são uns chatos, mas porque eles ficariam aborrecidos até à morte com esse tipo de vida. Onde não existe responsabilidade não existe liberdade para perseguir os aspectos mais significativos da vida.

A vida interior de um católico comprometido – um que se submeteu heroicamente à aventura da santificação – é uma montanha russa para a alma.

A vida hedonística, pelo contrário, em que não existe outro propósito para além da satisfação própria, parece-nos triste e vazia. Mais uma ilusão do que uma vida.

Em retrospectiva, a razão pela qual me senti tão livre a caminho do meu casamento é evidente: Ao escolher dar-me completamente (e de forma impensada), estava a experimentar as emoções próprias de uma grande aventura. A viagem seria desafiadora – o meu director espiritual, o padre Peter Mussett, de Boulder, Colorado, assegurou-me várias vezes de que o casamento exigiria tudo de mim.

Mas isso só tornou a perspectiva mais atraente. Eu queria dar tudo para algo maior do que eu, porque queria ser livre. Talvez o desejo mais natural do ser humano seja o de se doar totalmente em amor. Qualquer coisa menos que isso é uma frustração para a alma.

Eis a grande verdade da Cruz, que, em tempos modernos, se tornou um segredo tragicamente escondido: que a nossa liberdade está directamente relacionada com o quanto nos oferecemos.

A qualquer jovem que esteja em busca da verdadeira liberdade e que tenha ouvidos para ouvir, que os vossos anciãos católicos falem com uma só voz: Para ser livre, encontrem alguém a quem possam amar com todo o coração e que seja capaz de vos amar de volta. E quando o tiverem feito, esvaziem-se de forma impensada, dêem tudo o que tiverem pelo casamento e pela família, ou pela vocação, e verão que miraculosamente a vossa taça transbordará para sempre.

Não faz qualquer sentido, mas não é suposto. É só suposto ser verdade. E é. E libertar-vos-á.


Peter Laffin escreve de New England. O seu trabalho mais recente encontra-se no The Catholic Thing, The Washington Examiner, e The National Catholic Register.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Quarta-feira, 19 de Abril de 2023)

© 2023 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.



Friday, 21 April 2023

A Igreja não pode voltar atrás neste caminho

Os bispos portugueses voltaram esta quinta-feira a pedir perdão pelos abusos na Igreja, com D. José Ornelas a dizer que “a nossa Igreja não pode voltar atrás neste caminho”.

Não voltar atrás significa contribuir activamente para construir um novo paradigma para lidar com estas questões, o que por sua vez implica haver sistemas transparentes em que todos podem confiar, nomeadamente as vítimas. Paradoxalmente, quem mais pode fazer nesse sentido agora são as próprias vítimas, dando os seus testemunhos para que as Comissões Diocesanas possam fazer o seu trabalho. Neste texto apelo a essas vítimas para fazer mais um sacrifício, para bem de toda a Igreja e sobretudo da prevenção. Mesmo que não seja vítima, leia e partilhe, nunca se sabe quem do seu círculo social precisa de ouvir esta mensagem.

Ainda no tópico dos abusos, a Opus Dei publicou um comunicado em que dá conta de cinco casos de abusos envolvendo de alguma forma a prelatura, apurados pela Comissão Independente. Já foram acrescentados, com os detalhes conhecidos, aqui.

Reunidos em Fátima para o plenário da Conferência Episcopal, os bispos portugueses reelegeram D. José Ornelas para presidente da organização, apostando assim na continuidade. O bispo de Leiria-Fátima terá muito trabalho pela frente, rezemos para que tudo lhe corra bem.

Num mundo onde existe tanta violência inter-religiosa, é sempre bom ouvir bons exemplos. Este chega-nos da República Centro-Africana. Outro exemplo bonito, mas de missão, vem do Brasil. Leiam a história deste missionário que mais do que uma vez ia perdendo a vida para tentar levar o Evangelho ao coração da Amazónia.

Faltam quase 100 dias para a Jornada Mundial da Juventude. Se ainda não se inscreveu como voluntário, mas gostava, saiba que abriram bolsas de 750 euros pagas pela Fundação Santander, destinadas a jovens a partir dos 18 anos.

Já poucos falam da Guerra na Ucrânia, mas é urgente não perder de vista a importância deste conflito a muitos níveis. Um desses níveis é a sobrevivência da Igreja Católica de rito bizantino na Europa de Leste. Leia o artigo desta semana do The Catholic Thing para perceber porquê.

Wednesday, 19 April 2023

O Catolicismo Bizantino e a Luta pela Ucrânia

Robert W. Shaffen

O apoio dos americanos à resistência ucraniana à invasão de 24 de Fevereiro de 2022 parece estar a esmorecer. Embora a Administração de Biden não tenha feito qualquer promessa de envio de soldados americanos para a Ucrânia, muitos comentadores e candidatos políticos supostamente conservadores têm criticado o que consideram ser um compromisso aberto para com a causa ucraniana e o envio continuado de carregamentos de sistemas de armas americanos e munições para o exército ucraniano. Entretanto há factores tácticos, estratégicos e espirituais em jogo, como a existência do Catolicismo Oriental.

Os críticos dão muitas razões para descontinuar o apoio militar americano. Em primeiro lugar, argumentam, a Ucrânia não é uma democracia comparável à dos Estados Unidos. O seu Governo é corrupto, e por isso não merecedor do apoio americano. Em segundo lugar, as contribuições de armas e de munições enfraquecem a capacidade dos Estados Unidos se defenderem em caso de um ataque inimigo. Em terceiro lugar, alguns comentadores, como Sohrab Ahmari, acreditam que o preço do apoio americano será a introdução na Ucrânia do liberalismo ocidental, com a consequente corrupção moral e cultural da sociedade.

Outras personalidades, como Michael Brendan Dougherty, da National Review, temem que a América seja arrastada para o conflito nuclear que conseguiu, com tanto esforço, evitar durante a Guerra Fria do século XX. Outro grupo preocupa-se com o facto de o envio de armas estar a encorajar a China a tomar de assalto o Taiwan e, finalmente, há aqueles que, como J. D. Vance e Matt Walsh, simplesmente acham que os americanos não têm nada que se meter na guerra entre a Rússia e a Ucrânia.

Do lado contrário, os defensores do apoio à Ucrânia invocam a contenção da Rússia, que voltou a revelar a brutalidade pela qual tem sido responsável incontáveis vezes ao longo da história. O compromisso americano para com os direitos humanos exige que o poder dos Estados Unidos seja colocado ao dispor daqueles que resistem a agressões injustas – algo semelhante ao programa Lend-Lease de FDR para um Reino Unido isolado durante a II Guerra Mundial. Desta perspectiva os Estados Unidos devem procurar estar activamente do lado da conduta civilizada.

Mas há outro factor que devemos ter em consideração. É que o combate ucraniano também envolve a segurança da Igreja Católica na Europa de Leste. O destino das Igrejas Católicas de rito latino e oriental dependem do resultado da guerra. Por um lado, se a Ucrânia colapsar completamente, a história sugere que a Rússia voltará a suprimir a Igreja Católica Bizantina, que forma a maioria nas zonas ocidentais da Ucrânia (tendo Lviv como sua “capital”).

A Ucrânia foi originalmente evangelizada por gregos, pelo que os ucranianos adoptaram a teologia e a liturgia do Cristianismo oriental no século X. A queda de Constantinopla para os turcos em 1453 minou a influência e a autoridade do respectivo patriarca, e as subsequentes negociações entre os papas e os ucranianos conduziram à reunificação das igrejas. Os ucranianos mantiveram as suas tradições, mas submeteram-se à autoridade do Papa.

Ratificada a União de Brest-Litovsk, em 1596, passou a existir a Igreja Greco-Católica Ucraniana, ao abrigo do Reino Unido da Polónia e da Lituânia. Desde então os ucranianos formam a maior das igrejas católicas de rito oriental.

Historicamente a Rússia sempre alimentou o ódio ao Catolicismo Bizantino e a sua perseguição. Os russos desprezavam a obediência bizantina a Roma, que associavam ao inimigo Católico Romano Polaco. Os moscovitas consideravam os católicos bizantinos traidores. Quando a Rússia imperial avançou para ocidente e para sul, no século XVIII, as igrejas greco-católicas foram destruídas ou expropriadas e os seus padres enviados para as prisões do Czar, na Sibéria.

Quando Catarina a Grande estendeu as fronteiras imperais da Rússia através da conquista e da repartição, pressionou os católicos bizantinos a submeterem-se à Ortodoxia. Os padres católicos que desafiassem a Czarina eram deportados e substituídos por clero Ortodoxo Russo. O Catolicismo foi forçado à clandestinidade no Império Russo, embora a Igreja tenha sobrevivido e prosperado nos territórios mais pequenos da Ucrânia ocidental que ficaram sob o domínio da Áustria dos Habsburgos, que eram católicos.

Mas o pior estava para vir com o restabelecimento do controlo da martirizada República da Ucrânia por parte da União Soviética, depois do fim da Guerra Civil da Rússia, em 1922. Os bolcheviques perseguiram impiedosamente o Catolicismo Bizantino, levando-o novamente à clandestinidade, e enviaram muitos padres para os gulags. 

Não se pode esperar que seja o antigo agente da KGB, Vladimir Putin, a estender a mão aos católicos bizantinos da Ucrânia. Ele já está a deportar os ucranianos de leste e jamais reconheceria uma religião cujos fiéis aceitam a autoridade do bispo de Roma. O domínio russo da Ucrânia seria catastrófico para o catolicismo bizantino.

Essa ameaça foi sublinhada no início da guerra pelos mais importantes hierarcas da Igreja Greco-Católica da Ucrânia. O Arcebispo Maior Sviatoslav Shevchuk, líder da Igreja, expressou o seu medo pelo futuro da mesma. Fez notar que alguns padres católicos já foram submetidos a torturas e afirmou que concessões territoriais à Rússia enfraqueceriam fatalmente o seu país.

Mais ou menos ao mesmo tempo o Arcebispo Metropolita da Arquieparquia Greco-Católica Ucraniana de Filadélfia afirmou que “esta batalha é, simplesmente, sobre se a Ucrânia aceita ser uma colónia e se os ucranianos aceitam ser submetidos”. Depois de mais um ano de guerra o povo ucraniano – católicos e ortodoxos – já deram uma resposta convincente.

O sucesso militar da Rússia também constitui uma ameaça para a segurança do Catolicismo de rito latino. Uma Ucrânia dominada pela Rússia aumentaria a fronteira entre a Polónia e o seu antigo inimigo. A ameaça à Lituânia também cresceria muito. Uma vez que ambos estes países são aliados formais dos Estados Unidos (ao contrário da Ucrânia) as Forças Armadas americanas estão obrigadas por tratado a socorrê-los em caso de guerra.

A Administração de Biden descartou a possibilidade de uma invasão russa até que esta aconteceu. A equipa de Biden disse que seria uma loucura Putin iniciar uma grande guerra na Europa, como se não houvesse contributos históricos de loucos para aquilo a que Churchill chamou “o longo e lamentável catálogo de crime humano”.

Mas a Rússia invadiu na mesma. Um ataque contra a Polónia ou a Lituânia seria uma loucura ainda maior. Mas alguém se atreve a contar com a racionalidade de Putin?


Robert W. Shaffern é professor de história medieval na Universidade de Scranton. Também lecciona cursos de civilizações antigas e bizantinas, bem como sobre o Renascimento Italiano e a Reforma. É autor de The Penitents’ Treasury: Indulgences in Latin Christendom, 1175-1375.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quinta-feira, 13 de Abril de 2023)

© 2023 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

Monday, 17 April 2023

Abusos na Igreja – O tempo das vítimas

Um dos resultados mais inesperados do meu envolvimento na cobertura desta questão dos abusos na Igreja, sobretudo desde que foi apresentado o relatório da Comissão Independente, é o facto de ter sido procurado por algumas vítimas, ou pessoas próximas, para exporem as suas histórias.

Note-se que não o têm feito para que eu torne essas histórias públicas, mas sim para desabafar, nalguns casos, ou para me ajudar a compreender melhor a realidade de que estamos a falar.

Contudo, em quase todas essas situações tenho sentido relutância por parte das pessoas em causa de exporem os seus casos a quem realmente pode fazer alguma coisa sobre o assunto: as autoridades, sejam elas civis, nos casos em que possa haver a possibilidade de os crimes não terem prescrito, ou as dioceses, mais especificamente através das comissões diocesanas.

Eu sei que o que estou a pedir não é fácil, e é sobretudo extraordinariamente ingrato.

Para muitos já basta o que sofreram, e sentem que ter de passar por um processo, com interrogatórios e tudo o resto, vai reavivar toda essa dor. E se calhar até vai.

E no final de contas existe sempre a possibilidade de verem tudo cair em saco roto, especialmente em casos que já se passaram há muitos anos, sem que exista qualquer prova documental ou física, em que tudo se resumirá à palavra de um clérigo contra as memórias de alguém que na altura se calhar ainda era criança.

Tenho noção de que estou a pedir aquilo que ninguém vos devia pedir. Mas peço na mesma.

Peço, porque o vosso testemunho, em sede própria, é, em muitos casos, a única coisa que pode de facto levar a que se faça justiça e se reponha a verdade, mas sobretudo porque é crucial como parte do esforço colectivo de prevenção que todos temos de fazer enquanto Igreja.

Estou convencido de que neste momento haverá muita gente a observar cuidadosamente o que se vai passar nos casos de padres que estão sob investigação. Naturalmente, espero que só sejam condenados os que são de facto culpados por alguma coisa, mas se todos forem absolvidos ou virem os seus casos arquivados por falta de matéria, a maioria dos que estão a observar concluirá que não vale a pena fazer nada, porque o resultado é sempre o mesmo.

Eu, que acompanho isto com alguma atenção há muitos anos, sei que não é assim. Tem havido casos de padres condenados, afastados do sacerdócio e do contacto com pessoas vulneráveis. Existe, estou convencido disso, da parte da maioria das dioceses uma vontade sincera de agir, e agir bem, em favor dos mais fracos.

Mas também existe, felizmente, a certeza de que essas condenações têm de assentar em provas e não em insinuações ou diz-que-disse. E para haver provas, numa matéria destas, tem de haver testemunhos, tem de haver pessoas com coragem para fazer o impensável e avançar, contar as suas histórias e enfrentar tudo o que isso implica. O mal que passaram não ficará desfeito, talvez tenham de reviver partes do trauma, mas se isso vos servir de consolo, saibam que pelo menos estarão a contribuir para tornar a Igreja segura para outros, agora e no futuro, e a encorajar quem está ainda na expectativa a vir contar também a sua história.

Como fazê-lo? Neste momento todas as dioceses têm uma Comissão diocesana que acolhe e trata estas situações. Os contactos devem ser fáceis de encontrar. Sei que em muitos existirá desconfiança, por serem órgãos da Igreja, mas podem confiar nestas instituições. Caso não o queiram fazer, podem tentar contactar-me directamente para actualidadereligiosa@gmail.com que eu posso tentar ajudar a encontrar pessoas da minha confiança para fazer essa ponte.

Se estão dispostos a dar cara, nesta fase é sempre melhor. Mesmo que já o tenham feito com a Comissão Independente, lembrem-se que essa assumiu a obrigação de não identificar as vítimas, por isso não terá passado os vossos dados ou contactos para as dioceses.

Mas mesmo que sintam que não estão ainda preparados para dar a cara, escrevam. Qualquer informação sobre um caso em particular que possa reforçar ou confirmar dados que já tenham incluído, e que a Comissão Independente poderá ter feito chegar às Comissões Diocesanas, é já uma ajuda preciosa e pode até ser a peça que falta para que o processo tenha um desfecho mais verdadeiro.

Fica aqui feito este apelo. Caso ele não se aplique a si, caro leitor, mas se se identificar com os objectivos, peço que o partilhe, porque a realidade é que nunca sabemos se o nosso irmão, primo ou amigo não será um dos que sofre em silêncio.

Mas fica também um aviso: neste momento temos em Portugal cerca de 14 padres preventivamente afastados de funções e outros nove sobre os quais supostamente se aguardavam mais informação. Se defendemos – como eu defendo – que é preciso respeitar as regras dos processos, com tudo o que isso implica, então temos também de respeitar os seus desfechos. Se todos estes homens forem absolvidos ou virem os seus casos arquivados, então em coerência temos de os respeitar como inocentes e trata-los como tal.

Se foi vítima de um deles, se sabe que ele é culpado, então por favor fale agora e conte a verdade, pois a verdade nos libertará a todos.

Friday, 14 April 2023

Quando pensamos que Deus está a dormir, afinal está no Ruanda

Espero que tenham tido uma Santa Páscoa! Para mim, o ponto alto foi poder ouvir de novo o Precónio Pascal cantado durante a vigília de Sábado.

O mail da semana passada tinha como título “Para alguns cristãos toda a vida é uma Sexta-feira Santa”. Na altura ainda não sabia que na Nigéria, em plena Sexta-feira Santa, um novo ataque a um campo de deslocados de maioria cristã fez dezenas de mortos. É uma situação de desespero a que se vive naquele país, sem fim à vista.

Onde está Deus nestes momentos de horror? A resposta, por vezes, só é compreensível anos mais tarde. Leiam esta entrevista feita a um padre ruandês que acompanha e ajuda a reintegrar na sociedade reclusos que foram condenados por participar no genocídio contra os tutsis. No Ruanda existe um ditado: “Deus passa os dias noutros países, e vem passar a noite ao Ruanda”, mas este sacerdote garante que hoje pode dizer que “Deus estava com os seus filhos sofredores, com os justos perseguidos, sinal da vitória da vida sobre a morte, sinal da esperança num futuro melhor em Jesus Cristo”.

Como já devem ter percebido, o podcast Hospital de Campanha está em hibernação. Em larga medida por falta de tempo, não temos gravado novos episódios. Mas a Renascença acaba de anunciar um novo podcast de assuntos religiosos que estreia amanhã. Fiquem atentos.

A questão dos abusos parece ter caído da agenda mediática, mas isso não significa que tenha perdido importância, e tenciono ir acompanhando o assunto. Entretanto no final do mês será entregue a lista de alegados abusadores dos institutos e ordens religiosas, portanto podemos esperar novo interesse dos meios de comunicação. Vale a pena ler esta entrevista ao padre Pedro Fernandes, provincial dos Espiritanos e vice-presidente da Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal sobre este assunto.

A semana passada chamei atenção para uma série de reportagens de José Pedro Frazão sobre a fé na linha da frente na Ucrânia. Entretanto foi acrescentada uma importante entrevista com o responsável da Cáritas da igreja latina na Ucrânia, mais reportagens de Zhaporizhzhia e de Kharkiv. Está tudo aqui.

Uma simpática leitora chamou-me atenção a semana passada por não ter feito referência à homilia do Patriarca D. Manuel na missa crismal, em que ele assume que foi a última vez que presidia à celebração na qualidade de Patriarca. Foi de facto um lapso da minha parte. Não só a homilia é bonita, como a referência, não surpreendente, é importante. Deduz-se que para D. Manuel ter dito tal coisa é porque já recebeu alguma garantia de que a sua renúncia vai ser aceite, provavelmente logo a seguir à JMJ. Já no Domingo de Páscoa o Patriarca assumiu também que a crise dos abusos foi a mais difícil dos seus dez anos no cargo.

E para terminar, não percam o artigo desta semana do The Catholic Thing. Randall Smith questiona movimentos como o “Caminho Sinodal” da Alemanha, que considera existirem apenas como caprichos de uma elite aburguesada, com a agravante de minarem as próprias fundações daquilo que pretendem avançar, a justiça social.

Wednesday, 12 April 2023

Alimentando os caprichos de uma elite burguesa

Randall Smith
Tenho o privilégio de leccionar a cadeira de Justiça Social Católica. Agradeço que não me escrevam para se queixar.

Lamentavelmente, há quem tenha reduzido a visão alargada e abrangente da tradição de justiça social da Igreja a pouco mais do que uma preocupação com “sistemas”, “estruturas” e “acção governamental”. Mas eu não tenho culpa disso, e a Igreja certamente também não. Esta reductio ad absurdum é uma triste corrupção da majestosa visão moral desenvolvida ao longo de séculos por algumas das maiores mentes da Igreja.

E note-se que a reflexão da Igreja sobre os princípios e requisitos da “justiça natural” não começou apenas com o Papa Leão XIII e a Rerum Novarum. A preocupação com o bem comum, sobretudo com as necessidades dos pobres, sempre marcou a Igreja. Dizer o contrário implica desconhecer – e contradizer – séculos de pensamento político cristão. 

Dito isso, há duas confusões que infelizmente costumam marcar as conversas sobre a “justiça social” católica. Em primeiro lugar, para além de associar “justiça social” apenas a “sistemas” e “estruturas”, os activistas de justiça social tendem a esquecer-se que não existe justiça “social” se não formarmos uma massa crítica de cidadãos nas virtudes da justiça e da preocupação com o bem comum. O “sistema” é composto por pessoas, e se as pessoas não têm virtude, então não existe forma de o “sistema” ser justo.

Por isso, por exemplo, todas as universidades que se consideram centros de “justiça social” deviam ser avisadas de que se aquilo que as anima são os princípios modernos de autodeterminação e individualismo, então estão a falhar com o compromisso de preparar os alunos para um compromisso com a justiça social e o bem comum. Se pensam o contrário, estão a enganar-se a si mesmos.

Infelizmente, muitas das universidades católicas de “topo”, com as suas propinas altíssimas, gabinetes de direcção forrados a madeiras caras, associações de ex-alunos de luxo e complexos desportivos milionários estão a deixar-se levar por esta mentira: de que podem treinar os seus alunos a serem individualistas mas, ao mesmo tempo, manter viva a sua devoção morna à “justiça social” e “preocupação pelos pobres”. 

O segundo erro, igualmente lamentável, está em não perceber que na base de qualquer possibilidade de “justiça social” têm de estar famílias fortes e estáveis, que possam ser viveiros de virtude. Este erro é particularmente grave na medida em que a família ocupa um lugar proeminente em todos os grandes documentos sobre justiça social.

Na Constituição Pastoral do Concílio Vaticano Segundo sobre a Igreja no Mundo Moderno (Gaudium et Spes), o primeiríssimo “problema mais urgente” que é abordado é a “Promoção da Dignidade do Matrimónio e da Família”. No Compendio da Doutrina Social da Igreja, depois de elencar alguns princípios gerais (“dignidade da pessoa humana”, “bem comum” e “subsidiariedade”), a primeira secção, antes ainda do “Trabalho”, “Vida Económica” e “A Comunidade Política” é “A Família, Célula Vital da Sociedade”.

Como se vê nestes documentos, e como João Paulo II repetiu incessantemente, é na família que aprendemos a fé e desenvolvemos as virtudes. É na família que aprendemos a cuidar de outros, e não apenas de nós mesmos. Sem famílias fortes não conseguimos ter comunidades fortes caracterizadas por preocupação mútua pelo bem comum, tal como não podemos ter um corpo saudável quando as nossas células estão cheias de químicos tóxicos.

E é por esta razão que me faz tanta confusão ouvir pessoas como o cardeal McElroy e os bispos dedicados ao “Caminho Sinodal” alemão. Quem é que imagina que se pode minar os ensinamentos centrais e fundacionais da Igreja sobre o casamento e a família e, ao mesmo tempo, apoiar a “justiça social Católica”?

Será que pensam que nos podemos submeter ao zeitgeist (o espírito do tempo) individualista e, ainda assim, preservar a preocupação social pelos pobres e pelo bem comum? Será que quando jogam Jenga também puxam as peças da base sem esperar que a coluna inteira se desmorone?

No mínimo, seria de esperar que um clero que está farto de levar porrada por causa de um escândalo de abusos sexuais que já dura há décadas, quereria dedicar-se a qualquer outro assunto do que a promoção de atitudes menos restritivas para com a sexualidade. É um pouco como ver o Jeffrey Epstein a fazer campanha para baixar a idade de consentimento para sexo com raparigas para tentar evitar uma condenação. É mesmo este o caminho que querem seguir?

Talvez se aplique a estes funcionários eclesiásticos um termo que era muito popular entre socialistas do Século XVIII: são completamente burgueses. Quem é que passa muito tempo a preocupar-se com a sua psicologia sexual? Ou com a ordenação de mulheres? Ou pensando, num exercício de umbiguismo, nas “estruturas de Governo” na Igreja?

Não são os pobres. Esses estão demasiado preocupados a tentar alimentar corpo e alma, e a ganhar dinheiro para suportar as suas famílias por mais um dia. Não, estas são obsessões típicas de intelectuais burgueses que acotovelam toda a gente para tentar maximizar os seus próprios interesses e para apoiar as identidades autocriadas de pessoas que partilham o seu estilo de vida. Acham que governam por direito divino e não são particularmente tolerantes de quem os desafia.

É verdade que o episcopado alemão tem uma longa tradição de, salvo algumas honrosas excepções, alinhar e conviver com as forças dominantes da sociedade e política alemã.  Mas como será com a Igreja americana? Qual quer a nossa resposta? Escolas para as famílias dos operários pobres? Ou escolas para pais burgueses de classe média-alta cuja principal preocupação são casas de banho para transgéneros?

Esforços incansáveis para apoiar casamentos e famílias com crianças, sobretudo crianças com deficiências, que a cultura preferia que fossem abortadas? Ou uma fuga envergonhada a todos esses assuntos “impopulares”, preferindo os que interessam mais à elite burguesa que detém o dinheiro e o poder?

Já sabemos para que lado pendem a maioria das universidades católicas. São poucas as que estão dispostas a ofender quem tem dinheiro, poder ou prestígio, em favor do operariado pobre. Mas, e o resto da Igreja? Sobretudo aqueles que devem ser os sucessores de Pedro? Como será? Cristo ou o zeitgeist?



Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 21 de Março de 2023)

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Friday, 7 April 2023

Para alguns cristãos toda a vida é uma Sexta-feira Santa

Sexta-feira Santa é amanhã, mas para alguns cristãos parece que todos os dias são uma longa Via Sacra. Falo por exemplo dos cristãos da Ucrânia, que se preparam para viver a sua segunda Semana Santa desde a invasão de Fevereiro de 2021. Juntei aqui links para uma série de reportagens feitas no terreno por um excelente jornalista português. A minha sugestão é lerem uma por dia durante o tríduo pascal.

Na Nicarágua a vida também parece estar parada na Sexta-feira Santa, mas Vias Sacras não as há, porque o Governo não deixa. Isso não impede os fiéis de encontrarem esperança e sustento na Eucaristia. Não deixem de ler também esta fascinante entrevista a um dos padres que acompanhou o arcebispo Rolando Álvarez na prisão durante meses e que acabou por ser exilado para os Estados Unidos. Ele explica como era a vida na prisão e como os detidos animavam os outros presos e buscavam forças na oração do terço. É um testemunho de fé impressionante, publicado no The Pillar.

Por cá a nossa Quaresma tem sido marcada pela questão dos abusos. No Porto um grupo de fiéis organizou-se e está a pressionar o bispo para tomar decisões mais firmes, frustrados por D. Manuel Linda não ter afastado preventivamente quatro dos padres que constavam da lista que recebeu da Comissão Independente, apesar de pelos vistos ter enviado os seus processos directamente para o Dicastério para a Doutrina da Fé, em Roma. Já em Lisboa, como sabemos, houve grande revolta entre fiéis e clero pelo Patriarcado ter afastado preventivamente o padre Mário Rui Pedras. Duas posições antagónicas, críticas semelhantes. Escrevi sobre isso para o The Tablet.

Aproveitando que esta questão dos abusos tem estado um pouco mais calma por cá, passei vários dias a actualizar esta lista completa e detalhada dos casos que existem em Portugal, e o que sabemos sobre cada um deles, com estatísticas e informação organizada por diocese. A par disto vou mantendo também a cronologia de casos, actualizada agora com a notícia de um padre suspeito de abusos em Braga que foi apanhado com uma arma ilegal em casa.

Há dias estive no “Explicador” da Rádio Observador para falar sobre o Caminho Sinodal alemão. Podem ouvir e ler as minhas ideias sobre o assunto aqui.

Há milénios que os filósofos tentam produzir provas para a existência de Deus. Mas Randall Smith argumenta que provar a existência de um Deus é secundário. Importante é saber que Deus é amor. Mas como é que se fala de Deus a quem nem no amor acredita?

E com isto termino, pedindo-vos que tenham sempre presente que aquilo que celebramos nesta Semana Santa não é o sofrimento, nem é apenas o milagre da Ressurreição, mas sobretudo o amor. O amor que foi até ao fim na fidelidade, o amor que sofreu, porque amar custa, e o amor que triunfou sobre a morte, porque o amor supera o ódio e o pecado.

Thursday, 6 April 2023

A Fé na linha da frente na Ucrânia - Reportagens de José Pedro Frazão

O meu bom amigo e colega dos tempos da Renascença tem estado na Ucrânia, onde fez uma série de reportagens sobre a fé vivida na linha da frente. 

Mandou-me algumas destas reportagens há várias semanas, mas foi no auge do caso dos abusos, e por isso não lhes pude ler nem dar a atenção que merecem. Agora publicou mais algumas.

Agora junto-os aqui para poderem ler. Leiam mesmo, nem que seja um por dia, durante estes dias do Tríduo Pascal. E rezem por estas pessoas que estão a viver uma Via Sacra que dura há vários anos, mas com maior intensidade desde Fevereiro do ano passado. 

E que Deus lhes dê a sua paz. 

A última missão do padre Viktor em Bakhmut - O testemunho de um padre católico de rito latino que já esteve preso por forças pró-russas e que é o pároco da cidade que tem acolhido as piores batalhas dos últimos meses no Leste da Ucrânia. 

Conheçam o Serguii, sacristão da Igreja Católica de rito latino em Kherson, que não tem medo das bombas. "Pego no meu terço e vou onde tenho de ir". 

E leiam aqui as palavras de um bispo ucraniano católico que fala da importância de não deixar que o ódio tome conta dos corações dos fiéis.

Aqui podem ler uma entrevista com um conselheiro do Presidente Zelensky, que explica que a Ucrânia conta muito com a "sabedoria" do Papa Francisco neste conflito. 

Zhaporizhzhia tem uma imagem de Nossa Senhora de Fátima e um receio, de tornar-se uma nova Mariupol.

Kharkiv, onde o pão se reparte no intervalo das bombas.

Guerra não se resolve apenas com perdão, e não será fácil para nós nem para os russos. Entrevista com o responsável da Cáritas na Ucrânia

Wednesday, 5 April 2023

Provas para a Existência de Deus

Randall Smith

Já por algumas vezes apresentei aos meus alunos as famosas provas para a existência de Deus. Muitos ficam surpreendidos por saber que é possível abordar a questão de Deus com a razão e com pensamento sério, e não apenas com “sentimentos” ou sacrificando todo o pensamento racional em favor de acreditar “em seis coisas impossíveis antes do pequeno-almoço, todas as manhãs”, como a Rainha Branca diz a Alice no País das Maravilhas.

Muitos jovens adultos na nossa sociedade são essencialmente fideístas. Pensam que basta “aceitar as coisas pela fé”, o que nas suas cabeças significa sem razão ou raciocínio inteligente. Lendo São Tomás de Aquino, sobretudo as suas provas para a existência de Deus, percebem rapidamente – e nalguns casos pela primeira vez – que se pode abordar as questões teológicas com a razão e o intelecto.

Mas devo admitir que mesmo os alunos que aceitam a validade destes argumentos nem sempre os acham convincentes. Para alguns deles, o problema está no facto de não acreditarem na lógica. A lógica, pensam eles, não passa de jogos de palavras, ou então acham que é um jogo de poder patriarcal. Mas para alguns há ainda outra razão para não acharem as provas convincentes, e é importante compreender porquê.

O problema com as “provas” não está naquilo que comprovam, mas no que fica por provar. Porque quando os meus excelentes e interessados alunos perguntam sobre “Deus” não estão a perguntar sobre o “primeiro motor imóvel” ou sobre a “Fonte de Todo o Ser”. O que querem mesmo saber é se alguém se interessa; se existe alguém que olha por eles e que estará presente se tudo o resto falhar; se existe uma base última para o sentido. E o “primeiro motor imóvel” simplesmente não satisfaz essas dúvidas. 

Como se vê pelo argumento de Aristóteles do Motor Imóvel, pode haver um Motor Imóvel que não nos ama, nem se preocupa connosco. O Deus cristão, por outro lado, é a fonte do ser de tudo, e não apenas uma outra “coisa” ou “pessoa” poderosa no mundo, como Zeus ou Apollo, mas é também pessoal e capaz de amar, como Zeus e Apollo, mas ao contrário do Motor Imóvel de Aristóteles.

Ainda que os antigos tivessem razão ao dizer que o mundo é um cosmos ordenado, isso não significa que nele exista amor altruísta. Os antigos, aliás, pensavam que não existia. É por isso que eu digo sempre aos meus alunos que a pergunta que devem colocar não é se acreditam em “Deus”, mas se acreditam no amor. Porque se não forem capazes de acreditar no amor altruísta e providencial, jamais serão capazes de acreditar no “Deus” judaico-cristão, que tem como característica central o amor e o cuidado providencial.

O problema é este: como é que se comprova a existência do amor – que existe, que tem sentido e que vale a pena – a pessoas que não acreditam nele?

Recentemente estava eu na missa a ouvir uma daquelas estranhas histórias do Antigo Testamento e a pensar se alguma pessoa sensata poderia acreditar em todas estas coisas de Deus, quando reparei num pai a fazer caretas para o seu filho bebé.

Há algo de maravilhoso em ver pais com os seus filhos na missa. Mães e pais seguram nos seus bebés e beijam-nos docemente, fazem-lhes festinhas no cabelo e olham-nos directamente nos olhos com amor. Os pais levam os seus filhos consigo para a Comunhão e ensinam-nos a ajoelharem-se respeitosamente e a receber uma bênção do padre, às vezes com orgulho, outras com timidez.

Isto é amor. De onde vem esse amor? Como é que existe? É verdadeiro, mas ao mesmo tempo misterioso.

E não é apenas na Missa. Há pelo menos uma passagem no filme “O Amor Acontece” que traduz uma grande verdade: quando vemos pessoas a cumprimentar amigos e familiares no aeroporto e isso leva-nos a acreditar que o amor existe mesmo e que está mesmo em todo o lado. E se por um instante nos pudermos convencer de que o amor existe, então pode ser que algum dia pensemos: como? Porque na concepção que os ateus modernos têm do universo, não parece haver espaço para ele.

Sempre que um ateu comprometido pratica um acto de amor altruísta está, por assim dizer, a assumir que também ele acredita que o universo é mais do que apenas átomos a chocar uns contra os outros e que uma vida plena e com sentido implica mais do que apenas a vontade do poder e a maximização das preferências.

Não são apenas os cristãos que pensam que o amor é a força mais essencial e com sentido do universo. Muitos outros acreditam no mesmo. A questão é que muitos abraçam visões do universo em que esse amor não encaixa, enquanto o Cristianismo defende uma narrativa do mundo em que faz sentido.

O que é estranho naquilo a que chamamos o “Mistério Pascal” – o que o torna de facto misterioso – é a afirmação de que o Deus-Criador nos amou de tal forma que se fez carne, morreu por nós e ressuscitou dos mortos. Se, nas palavras de Hans Urs von Balthasar, “só o amor é digno de fé”, então como é que Deus se nos poderia revelar – não como um outro Zeus ou outra espécie de Motor Imóvel, mas como o Deus do amor altruísta – se não dando-se totalmente em amor altruísta?

Sem os eventos da Semana Santa, poderíamos acreditar num “deus”, mas não no Deus que, como escreveu Bento XVI, “criou o universo para poder entrar numa história de amor com a humanidade”. E sem esse amor, como saberíamos, como suspeitaríamos, sequer, que “o universo não é o produto da escuridão e da irracionalidade”?

Porque, como escreve ainda Bento XVI, “só se for verdade que o universo deriva da liberdade, do amor e da razão, e que são estes os verdadeiros poderes que estão na sua base, é que podemos confiar uns nos outros, avançar para o futuro e viver como seres humanos”.

É bastante fácil acreditar num “deus” – um deus de poder –, mas num Deus-Criador de amor altruísta? É, sem dúvida, “misterioso”. Mas talvez, no final de contas, essa seja a única coisa que possa dar sentido a um mundo em que o amor existe.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 4 de Abril de 2023)

© 2023 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

Monday, 3 April 2023

O Caminho Sinodal Alemão

Participei hoje no programa "O Explicador", da Rádio Observador, para falar sobre o Caminho Sinodal alemão. 

Durante a minha participação tentei passar os seguintes pontos importantes: 

1. O caminho que a Igreja alemã está a trilhar é tirado a papel químico do caminho percorrido pela Igreja Anglicana ao longo das últimas décadas. O fim, se as coisas continuarem assim, prevê-se idêntico: uma divisão quiçá insanável na Igreja Universal.

2. A importância do dinheiro. Na Alemanha continua a existir uma relação promíscua entre a Igreja e o Estado. Quem é católico paga um excedente de impostos que são depois enviados para a Igreja. Quem não tem religião declarada fica com esse dinheiro no bolso. Isso dá aos alemães um incentivo para se desvincularem da Igreja e quanto mais esta está distante dos valores mainstream da sociedade, mais estes se desvinculam, resultando numa perda de receitas para os cofres da Igreja. Existe assim um incentivo particular para os bispos estarem "em sintonia" com os valores da sociedade, pois o contrário sai-lhes do pêlo, ou do bolso. 

3. A Igreja alemã está claramente a avançar a este ritmo para criar factos no terreno para depois, quando os assuntos forem discutidos num sínodo da Igreja Universal, poderem dizer que as coisas já estão feitas e não há nada a fazer sobre o assunto. 

Podem ouvir o programa completo aqui.


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