Note-se que não o têm feito
para que eu torne essas histórias públicas, mas sim para desabafar, nalguns
casos, ou para me ajudar a compreender melhor a realidade de que estamos a
falar.
Contudo, em quase todas essas
situações tenho sentido relutância por parte das pessoas em causa de exporem os
seus casos a quem realmente pode fazer alguma coisa sobre o assunto: as
autoridades, sejam elas civis, nos casos em que possa haver a possibilidade de os
crimes não terem prescrito, ou as dioceses, mais especificamente através das
comissões diocesanas.
Eu sei que o que estou a pedir
não é fácil, e é sobretudo extraordinariamente ingrato.
Para muitos já basta o que
sofreram, e sentem que ter de passar por um processo, com interrogatórios e
tudo o resto, vai reavivar toda essa dor. E se calhar até vai.
E no final de contas existe
sempre a possibilidade de verem tudo cair em saco roto, especialmente em casos
que já se passaram há muitos anos, sem que exista qualquer prova documental ou
física, em que tudo se resumirá à palavra de um clérigo contra as memórias de
alguém que na altura se calhar ainda era criança.
Tenho noção de que estou a
pedir aquilo que ninguém vos devia pedir. Mas peço na mesma.
Peço, porque o vosso
testemunho, em sede própria, é, em muitos casos, a única coisa que pode de
facto levar a que se faça justiça e se reponha a verdade, mas sobretudo porque
é crucial como parte do esforço colectivo de prevenção que todos temos de fazer
enquanto Igreja.
Estou convencido de que neste
momento haverá muita gente a observar cuidadosamente o que se vai passar nos
casos de padres que estão sob investigação. Naturalmente, espero que só sejam
condenados os que são de facto culpados por alguma coisa, mas se todos forem
absolvidos ou virem os seus casos arquivados por falta de matéria, a maioria
dos que estão a observar concluirá que não vale a pena fazer nada, porque o
resultado é sempre o mesmo.
Eu, que acompanho isto com
alguma atenção há muitos anos, sei que não é assim. Tem havido casos de padres
condenados, afastados do sacerdócio e do contacto com pessoas vulneráveis. Existe,
estou convencido disso, da parte da maioria das dioceses uma vontade sincera de
agir, e agir bem, em favor dos mais fracos.
Mas também existe, felizmente,
a certeza de que essas condenações têm de assentar em provas e não em insinuações
ou diz-que-disse. E para haver provas, numa matéria destas, tem de haver
testemunhos, tem de haver pessoas com coragem para fazer o impensável e
avançar, contar as suas histórias e enfrentar tudo o que isso implica. O mal
que passaram não ficará desfeito, talvez tenham de reviver partes do trauma,
mas se isso vos servir de consolo, saibam que pelo menos estarão a contribuir
para tornar a Igreja segura para outros, agora e no futuro, e a encorajar quem
está ainda na expectativa a vir contar também a sua história.
Como fazê-lo? Neste momento todas
as dioceses têm uma Comissão diocesana que acolhe e trata estas situações.
Os contactos devem ser fáceis de encontrar. Sei que em muitos existirá desconfiança,
por serem órgãos da Igreja, mas podem confiar nestas instituições. Caso não o
queiram fazer, podem tentar contactar-me directamente para actualidadereligiosa@gmail.com
que eu posso tentar ajudar a encontrar pessoas da minha confiança para fazer
essa ponte.
Se estão dispostos a dar cara,
nesta fase é sempre melhor. Mesmo que já o tenham feito com a Comissão Independente,
lembrem-se que essa assumiu a obrigação de não identificar as vítimas, por isso
não terá passado os vossos dados ou contactos para as dioceses.
Mas mesmo que sintam que não
estão ainda preparados para dar a cara, escrevam. Qualquer informação sobre um
caso em particular que possa reforçar ou confirmar dados que já tenham incluído,
e que a Comissão Independente poderá ter feito chegar às Comissões Diocesanas,
é já uma ajuda preciosa e pode até ser a peça que falta para que o processo
tenha um desfecho mais verdadeiro.
Fica aqui feito este apelo. Caso
ele não se aplique a si, caro leitor, mas se se identificar com os objectivos,
peço que o partilhe, porque a realidade é que nunca sabemos se o nosso irmão, primo
ou amigo não será um dos que sofre em silêncio.
Mas fica também um aviso: neste
momento temos em Portugal cerca de 14 padres preventivamente afastados de
funções e outros nove sobre os quais supostamente se aguardavam mais
informação. Se defendemos – como eu defendo – que é preciso respeitar as regras
dos processos, com tudo o que isso implica, então temos também de respeitar os
seus desfechos. Se todos estes homens forem absolvidos ou virem os seus casos
arquivados, então em coerência temos de os respeitar como inocentes e trata-los
como tal.
Se foi vítima de um deles, se
sabe que ele é culpado, então por favor fale agora e conte a verdade, pois a
verdade nos libertará a todos.
Obrigado por este serviço eclesial e cívico, Filipe.
ReplyDeleteDesta vez não te acompanho nest post.
ReplyDeleteSe o foco são as vítimas, então comecemos por respeitar a sua vontade. Se o foco é ajuda-las, dê-se-lhes todo o apoio. Mas sobretudo: RESPEITE-SE A SUA VONTADE! Têm todo o direito a fazer a sua queixa como a não querer fazê-la! Não está provado que a punição do abusador resolva o problema traumático do abusado. Este teu post, ao pressionar as vítimas a fazer uma queixa não está a respeitar a sua liberdade.
É também pena que quando dizes que: "temos em Portugal cerca de 14 padres preventivamente afastados de funções e outros nove sobre os quais supostamente se aguardavam mais informação" não digas quantos já foram objecto de sentença e punição. Como bem sabes, a Igreja não começou a actuar sobre estes casos depois do Relatório da CI.
Em síntese e para que fique claro:
1º o abuso sexual de menores é hediondo, repugnante e revoltante;
2º fala-se de mais dos alegados abusadores e de menos sobre as vítimas;
3º assegure-se a cada vítima que o pedir, todo o apoio, psicológico, solidário, clínico e social;
4º respeite-se intransigentemente a liberdade das vítimas, hoje esmagadoramente maiores de idade, de decidir se querem denunciar, promover acções judiciais ou guardar o seu anonimato.
Olá.
DeleteMuito brevemente:
O objectivo de as vítimas se chegarem à frente não é punir os abusadores ou resolver o problema do trauma. Digo, aliás, claramente, que isso pode não acontecer.
O objectivo é prevenir futuros abusos e contribuir para um sistema em que as pessoas sentem que vale a pena denunciar, porque as coisas acontecem.
Em relação aos 14, nenhum deles foi já objecto de sentença e punição. Mas tenho esses dados todos discriminados neste artigo: http://actualidadereligiosa.blogspot.com/2023/02/abusos-em-portugal-o-que-ja-sabemos-o.html
De resto, quem quiser não denunciar, obviamente respeita-se. Mas isso terá consequências. É para isso que estou a chamar atenção.
Cumprimentos,
Filipe
Filipe
DeleteMais do que novas vítimas denunciem novos casos, é a pressão mediática e da opinião pública que neste momento que ganha particular eficácia sobre novas tentações de abuso.
Sabemos que em relação a estes 14 padres ainda não há decisões conhecidas nem do MP nem do Dicastério. Não é desses que eu falo, mas de todos os outros que a Igreja sancionou, antes dos denunciados no Relatório, e não são poucos.
Como referi "a Igreja não começou a actuar sobre estes casos depois do Relatório da CI", já antes o fazia.
Abraço
Rui
Olá Rui,
DeleteA pressão mediática e da opinião pública é uma coisa muito fugaz. É preciso criar um ambiente de confiança. Predadores haverá sempre, por mais que se melhore os sistemas de vigilância, despiste e formação. É preciso que esses predadores saibam que estão - ou estão a tentar entrar - numa Igreja que tem mecanismos rápidos e eficazes para lidar com abusos, para que pensem duas vezes antes de o fazer. Para isso é preciso que as pessoas percebam que o sistema funciona. Se pensarem que não funciona, não farão denúncias.
Quanto aos que já foram suspensos, todos os que são de conhecimento público, dos últimos 12 anos, mais ou menos, estão no artigo que partilhei no meu comentário acima. Eu também não comecei a acompanhar isto apenas com a criação da CI.