Anda por aí uma grande discussão por causa da Igreja na Alemanha
e os impostos que recebe de cada contribuinte católico. Aqui vou tentar
explicar o que se passa e dar também alguma análise.
A Alemanha tem um sistema particular no que diz respeito ao
financiamento das religiões, que apenas é partilhada pela Áustria. Basicamente,
o Estado financia as confissões religiosas com parte dos impostos pagos pelos
cidadãos. Todos os anos os cidadãos indicam a que religião pertencem e é-lhes
descontado um valor de cerca de 9% em imposto para a respectiva Igreja.
Assim, esse valor de um católico vai para a Igreja Católica,
de um judeu vai para a organização judaica e de um protestante vai para a
Igreja Luterana. Os muçulmanos tentaram aderir ao sistema, mas a falta de uma
organização central foi um impedimento.
O problema que tem surgido nos últimos anos é que as pessoas
perceberam que podiam não pagar qualquer imposto se declarassem simplesmente
que não pertencem a qualquer dessas confissões religiosas. Para o fazer têm
apenas de declarar ao Estado que abandonaram a respectiva Igreja ou religião. A
vantagem é evidente, uma vez que passam a não ter de pagar o valor, e à medida
que largas partes da população se foram desligando de qualquer prática
religiosa o incentivo para pagar foi decrescendo.
Mas isto levanta outro problema, é que a declaração a dizer
que se abandonou a Igreja tem, no meio eclesial, outro nome: apostasia. E um apóstata
está, à partida, impedido de receber os sacramentos na Igreja Católica. Por
isso, durante muito tempo, a Igreja decretava que quem deixava de pagar o
imposto para a Igreja incorria em excomunhão, com a consequência de que não
podia ter um funeral católico, nem casar pela Igreja ou trabalhar para qualquer
instituição católica, etc.
Em 2006, contudo, o Vaticano disse que uma simples declaração
ao Estado não chegava para incorrer em excomunhão. Seria necessário a declaração
ser feita também a um sacerdote católico. Isso motivou Hartmut Zapp, um
advogado especializado em direito canónico, a processar a Igreja alemã dizendo
que esta não tinha qualquer base legal, quer à luz da lei alemã, quer da lei
canónica, para o excluir dos sacramentos se ele optasse por não pagar o
imposto.
Os tribunais de primeira e segunda instância tiveram decisões
contraditórias e na quarta-feira o caso de Zapp será ouvido pelo Tribunal
Federal Administrativo.
Mas o que motivou o debate actual foi um documento publicado
pelos bispos alemães na passada sexta-feira reafirmando as consequências de
deixar de pagar o imposto. Contudo, crucialmente, o novo documento não fala de
excomunhão e diz que as pessoas nesta situação ainda têm direito à extrema unção,
ou unção dos doentes, se estiverem em perigo de vida.
Coincidência? Parece que não. Tudo indica que o decreto,
evitando falar de excomunhão, tem por intenção esvaziar as eventuais consequências
do processo de Zapp, caso lhe seja dada razão. Os bispos dirão apenas que não
se trata de excomunhão de qualquer maneira.
Aquilo que a maioria de nós pergunta, contudo, é... como é
que isto é sequer possível no nosso tempo? O dinheiro recebido do imposto é uma
fonte de rendimento segura, muito mais segura que as colectas dos ofertórios,
certamente. Por isso compreende-se, do ponto de vista financeiro, que a Igreja
esteja interessada em manter o sistema. Tudo bem, não fosse o facto de que a
Igreja não se deve reger por interesses financeiros.
"Ora bem, 9% disso é meu ouviram!" |
Todos já ouvimos dizer que um católico não praticante é como
um ciclista que não pedala. Há aqui uma boa dose de verdade, mas também todos
conheceremos casos de pessoas que se afastaram da prática religiosa durante
algum tempo e que acabaram por regressar mais tarde, sem nunca terem renunciado
à sua fé. Esse afastamento, que pode bem implicar não contribuir para o
sustento da Igreja e das suas obras, não é o mesmo que apostasia. O peso do
termo em si, e tudo o que acarreta, é totalmente diferente. Por mais que a
intenção seja curativa, a verdade é que um decreto de excomunhão, ou de exclusão
dos sacramentos, pode muito bem ser o suficiente para afastar alguém
irremediavelmente da fé. É isso que se pretende?
Se a Igreja em Portugal consegue sobreviver com base nos
ofertórios, generosidade dos seus fiéis e acordos com o Estado para certas áreas
como a prestação de cuidados de saúde e de educação, então duvido que os padres
alemães morram à fome se acabarem com o imposto para a Igreja. Seria certamente
um sinal mais positivo que dariam à sociedade do que estes decretos e
documentos que ainda por cima, pelo timing, tresandam a oportunismo e
calculismo.
É pelo menos esse o meu entender, se discordarem façam o
favor de o dizer nos comentários.
Filipe d’Avillez
Não é uma discordância mas sendo a Igreja necessária e útil para um Estado não vejo razões para não receber dinheiro dos impostos
ReplyDeleteQuem não tem religião pode doar para alguma Instituição ou deixar ao Estado, mas nunca deixar de contribuir. Isto em Portugal já se passa, opcionalmente, mas em muito menor percentagem.
Rodrigo
Concordo plenamente contigo.
ReplyDelete"Nunca deixar de contribuir..." Estas posições a mim são absurdas! O estado que cobre imposto igual de todo mundo. Religião é uma coisa de foro íntimo. Se vc é católico e deseja pagar 10% para a sua religião, problema é seu. A igreja agradece (e muito). O Estado tem suas obrigações sociais, que por sinal são iguais para qualquer cidadão, sem distinção, independente de religião. Agora dizer que a igreja é necessária para o Estado? Obviamente que não é, a não ser pelo lado da utilidade, como forma de dominação. Estado e religião é algo que não deveria ser misturado. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
ReplyDelete