Transcrição integral da entrevista ao padre Abel Bandeira sobre os Direitos Humanos de uma perspectiva católica e missionária. A notícia está aqui.
Pode dar-nos uma
ideia do seu percurso nos jesuítas? Por onde já andou e em que missões esteve?
Eu comecei como sacerdote a trabalhar no Monte da Caparica,
num bairro de inserção social, depois também passei pelo ensino no Colégio São
João de Brito, como professor de religião. Ultimamente tenho estado em
Moçambique como pároco responsável pela paróquia de São João Baptista na
arquidiocese da Beira. Este é o meu percurso durante 15 anos como sacerdote.
Tanto na Caparica
como agora, na Beira, lida com pessoas em estado de pobreza…
Exactamente. No monte da Caparica, juntamente com outro
jesuíta, vivemos numa casa de um bairro social. Estávamos com as pessoas que
tinham sido inseridas quando vieram das antigas colónias, e outras famílias,
estávamos num meio pobre. Agora aqui na paróquia de São João Baptista também é
uma paróquia que apanha pessoas da periferia da cidade da Beira e tocamos a
pobreza de uma forma muito directa.
As pessoas com quem
trabalha gozam em pleno dos seus direitos humanos?
Sinceramente não. Aqui na paróquia praticamente todos os
dias vêm pessoas pedir comida, outras que dormem ao relento e pedem dinheiro
para voltar à sua terra natal, porque vieram para a Beira iludidos com
pensamentos de que podiam arranjar trabalhar e acabam por ficar desalojados.
Aqui na paróquia temos essa experiência de, por um lado, ajudar pessoas que
precisam de comida e por outro ajudar pessoas a voltar para as suas terras para
poderem voltar a ter uma ligação às suas raízes.
De que forma é que a
igreja, no seu entender, ajuda a garantir os direitos humanos destas pessoas?
A Igreja, pela graça de Jesus, impele-nos à caridade. Somos
convidados por Jesus a ajudar aquele que tem fome, que tem sede, daquele que
precisa de roupa, do que está doente, do que está preso. O imperativo da
caridade é urgente, está sempre a acontecer, temos de o actualizar permanentemente,
e a Igreja só se realiza quando executa esse mandamento.
Graças a esse mandamento a Igreja está presente nos lugares
mais pobres do mundo. Não é por acaso que encontramos a Igreja em bairros
sociais, a fundar as escolas e hospitais em países pobres que precisam de
educação e de melhoramentos de saúde. A Igreja no seu todo, e de modo especial
nas periferias, marca presença para ser uma presença de Jesus Cristo através de
cada um de nós que somos baptizados.
É possível separar a
assistência humanitária da evangelização?
A Igreja não pode separar as duas coisas. Temos de ajudar as
pessoas e também levar-lhes a Boa Nova. A Boa Nova leva-se através de obras,
porque as obras falam mais alto que as palavras. A Igreja, por exemplo, acolhe
refugiados de todo o mundo e muitos deles não são católicos, não são cristãos.
Mas o exemplo de acolher o irmão que está numa situação de guerra e precisa de
apoio. Por isso a Igreja anuncia o Evangelho com obras e também o deve fazer
com palavras. Como dizia São Francisco, primeiro anunciem o Evangelho com obras
e depois, se for preciso, com palavras.
Os jesuítas trabalham
muito na área da educação. Até que ponto o direito à educação, que também é um
direito humano, no meio dos outros direitos?
O direito à educação é uma base muito importante para o
desenvolvimento da personalidade de qualquer pessoa humana. Se a pessoa tiver
educação facilmente terá acesso a outros direitos, à dignidade pessoal, à
defesa do bom nome, todos os direitos que estão consignados na carta dos direitos
humanos. A educação é de facto uma arma muito poderosa, se conseguirmos através
da educação incutir os valores do Evangelho, estamos a semear com muita força e
estamos a preparar um futuro com mais êxito e sucesso.
O Papa tem também
palavras muito duras nesta exortação em relação ao sistema económico
internacional. Vivendo aí nas periferias, sente que essas críticas são justas?
E acredita que há alternativas ao sistema actual?
O Papa tem falado concretamente do fetichismo do dinheiro. O
dinheiro é uma coisa que enfeitiça as pessoas, as pessoas levantam-se da cama
por dinheiro, perdem energias por dinheiro, separam-se dos irmãos do sangue. De
certa maneira o Papa tem razão ao dizer que é preciso por o dinheiro ao serviço
da pessoa humana e não o contrário. Não deixar que as bolsas sejam mais
importantes que as pessoas que morrem todos os dias nas cidades das grandes
metrópoles mundiais.
É possível uma alternativa económica, não podemos ser
escravos desta conjuntura económica que é oferecida, nos grandes mercados, da
banca internacional. É preciso uma alternativa que seja mais humana, mais
solidária com os mais pobres, neste caso com os mais pobres do hemisfério sul.
Vivendo em África,
como encara as queixas de alguns portugueses que dizem que as medidas estão a
pôr em causa a dignidade dos portugueses e a empobrecer o país?
Eu tive o privilégio de passar aí 45 dias em Portugal e ver
a diferença entre Moçambique e Portugal. Evidentemente as pessoas têm os seus
direitos, têm direito a uma boa reforma, a cuidados de saúde, essas coisas são
importantes. Mas para mim foi claro ver que Portugal tem muita coisa boa, por
exemplo estradas sem buracos. Entrar numa auto-estrada e fazer 200 km, sem um
buraco, é uma riqueza muito grande. Aqui em Moçambique é impossível pensar
nisso. Outra coisa que se vê é que mesmo os hospitais portugueses estão muito
bem apetrechados.
Como as pessoas vivem no seu ambiente e não têm a capacidade
de comparar com outros ambientes é difícil relativizar. Quem chega de fora a
Portugal vê que o país, apesar da forte crise que está a viver, de certa
maneira está a fazer um caminho de purificação. Porque muitos portugueses
criaram a ilusão de que poderiam ter um nível de vida mais elevado, mas essa
ilusão desmoronou-se e agora é preciso enfrentar uma realidade, uma realidade
que é dura, mas temos de lidar com o real porque o real é que nos cura. Não
vamos viver na ilusão. Entre o real e a ilusão temos de viver com o real.
Agora, acho que a Igreja portuguesa, nomeadamente a Conferência Episcopal, e os
sacerdotes, vão chamando atenção para as situações de carência que existem em
certas zonas do país, é preciso estar atento, a Igreja precisa de estar
solidária, não deve deixar esses irmãos bater no fundo ou entrar em becos sem
saída onde o desespero toma posse e deixa de haver esperança.
No comments:
Post a Comment