[Nota prévia: O The
Catholic Thing é uma organização não-lucrativa que depende unicamente de
donativos dos seus leitores e benfeitores. Todos os anos, por esta altura,
faz-se uma angariação de dinheiro. Qualquer valor é bem-vindo para poder ajudar
o site a publicar um artigo novo, todos os dias do ano, em várias línguas diferentes.
O Actualidade Religiosa tem um acordo com o The Catholic Thing e publica um desses
artigos por semana. Contudo, como já referi várias vezes, os vossos donativos
irão directos para o The Catholic Thing e não passam por aqui. Para fazer uma
contribuição basta
clicar aqui]
Anthony Esolen |
“Não há por aí ninguém”,
clama um Charlie Brown desconsolado, “que me possa dizer qual é o verdadeiro
sentido do Natal?”
“Claro, Charlie Brown”,
responde o Linus. Ele é um pequeno teólogo, apesar da mantinha. “Eu posso-te
dizer qual é o verdadeiro sentido do Natal”. Então, com um foco centrado nele,
o mesmo rapaz que nunca consegue memorizar as duas ou três linhas para a festa
de Natal recita, palavra por palavra, estes versículos da Bíblia de King James*:
Nas proximidades havia pastores que estavam nos
campos e que durante a noite cuidavam dos seus rebanhos. E aconteceu que um
anjo do Senhor apareceu a eles e a glória do Senhor reluzindo os envolveu; e ficaram
feridos de medo.
Todavia o anjo lhes revelou: “Não temais; eis que
vos trago boas notícias de grande alegria, e que são para todas as pessoas:
Hoje, na cidade de David, vos nasceu o Salvador,
que é o Messias, o Senhor! Isto vos servirá de sinal: encontrareis um
recém-nascido envolto em panos e deitado sobre uma manjedoura”.
E no mesmo instante, surgiu uma grande multidão do
exército celestial que se juntou ao anjo e louvavam a Deus entoando:
“Glória a Deus nos mais altos céus, e paz na terra
às pessoas que recebem a sua graça!”
“E esse, Charlie Brown, é
o verdadeiro significado do Natal”, diz o Linus.
Sim, eu sei que é apenas
uma banda desenhada, mas o rapaz que nunca faz nada bem, que é gozado por
todos, incluindo os seus colegas e até mesmo o seu cão, grita do fundo da sua
angústia e da sua solidão. É noite. Para o pecador, é sempre anoitecer, ou
noite, ou luz dura e metálica, acompanhada do som das suas tentativas
desesperadas para tentar manter a noite afastada.
Porque é que partimos do
princípio que alguém ficaria contente por vislumbrar a glória do Senhor? Os
pastores não ficaram contentes. A sua noite calma e ordeira foi destroçada.
Temeram com grande temor, diz São Lucas, que falava fluentemente grego, mas que
aqui usou uma frase de origem semítica, como se tivesse a traduzir algo que um
falante de aramaico, ainda atónito, lhe tivesse relatado.
As novas traduções retiram
a duplicação e mudam a frase para “E tiveram muito medo”. Os tradutores da
versão King James, que normalmente tinham cuidado para preservar o som e a cor
do original, aqui forçam um bocadinho a linguagem à procura de algo que dê ideia
não só do grau do medo, mas do tipo de medo. Por isso, de forma
incaracterística, transformam um verbo no seu adjectivo e adicionam um
modificador raro: “They were sore afraid” [não tendo encontrado qualquer versão
satisfatória em português, penso que a expressão “Ficaram feridos de medo”
melhor traduz o espírito e o sentido desta expressão].
Os pastores não são os
primeiros nas Sagradas Escrituras a sentir medo. Zacarias fica perturbado de
medo quando lhe aparece o anjo Gabriel, trazendo-lhe a boa notícia de que iria
ter um filho, João, que seria grande aos olhos do Senhor. Maria também se sentiu
perturbada quando Gabriel lhe apareceu para dar a boa notícia de que iria ter
um filho, Jesus, que seria chamado Santo, o Filho de Deus.
Agora estes homens
simples, no meio das tarefas comuns de uma vida dura, acordados debaixo das
estrelas ou a dormir aconchegados contra o frio, ouvem uma Boa Nova destinada à
humanidade e também eles sentem medo. É como se este primeiro encontro com a
Glória de Deus trouxesse consigo a dor – a dor da primeira e humilde tentativa
do homem pecador e finito que convida Deus Santo e Todo-Poderoso a entrar no
seu covil.
Já ouvi dizer que palavra
“sore” na versão antiga, era usada como um intensificador, como a sua prima
alemã “sehr”, que significa “muito”. Mas não é o caso; no Inglês Antigo, “sar”
significava “sore”, tanto a ferida como a dor, e ganhou a sua força adverbial
desse significado fundamental; alguém que é “sorely” desejada não é
simplesmente alguém que é muito desejada; aquele que deseja, deseja de forma
sofrida. E quem foi, ou é, mais desejado que Jesus?
Os pastores, então,
estavam de facto “feridos de medo”: como estaria qualquer pessoa com um mínimo
de reverência. Quando Isaías viu os anjos a servir ao altar de Deus, clamou que
certamente deveria morrer, pois ninguém pode contemplar O Santo e viver.
Maria contemplaria a face
do menino Jesus, sabendo de uma forma que dificilmente conseguiria explicar,
que estava a contemplar a divindade. O seu medo surgiu antes do momento da
concepção, mal viu o anjo. O nosso medo, o medo sofrido da humanidade, vem
depois, quando ouvimos as notícias que abalam o mundo.
Nós, católicos, temos
como dogma que Nossa Senhora não sentiu dores de parto. Somos nós que devemos sofrer
para o receber e então, com a ajuda de Nossa Senhora das Dores, aguardar a sua
vinda consumada, pois a mulher que está a
dar à luz sofre dores e tem medo, porque chegou a sua hora; mas, quando o bebé
nasce, ela já não mais se lembra da angústia, por causa da alegria de ter vindo
ao mundo o seu filho.
Mas este não é um medo
que paralisa. Longe disso. O medo é sofrido, mas traz de volta o sentido aos
nossos membros, faz fluir sangue para corações de pedra, obriga os olhos e os
ouvidos a abrirem-se.
Conduz os pastores primeiro
a Belém e depois a toda a terra envolvente, louvando a Deus. Conduz os
apóstolos a todas as nações do mundo, para dar testemunho da única coisa
verdadeiramente nova que aconteceu neste velho mundo; leva-os ao machado e à
Cruz. É a primeira e assustadora luz da alegria.
“No mundo tereis
tribulações”, diz Jesus, na noite antes da sua morte, “mas não temais; eu venci
o mundo”.
*A Bíblia King James é considerada
uma referência para as traduções inglesas da Bíblia, completada em 1611, para
uso da Igreja Anglicana.
Anthony Esolen é
tradutor, autor e professor no Providence College. Os seus mais recentes livros são: Reflections on the Christian Life:
How Our Story Is God’s Story e Ten
Ways to Destroy the Imagination of Your Child.
(Publicado pela
primeira vez na Quarta-feira, 18 de Dezembro de 2013 em The
Catholic Thing)
© 2013 The Catholic Thing.
Direitos reservados. Para os
direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
No comments:
Post a Comment