Esta é uma das áreas mais importantes, a meu ver. O que é
que Bergoglio vai fazer do Papado?
A mim, isto interessa-me sobretudo do ponto de vista
ecuménico, na perspectiva em que uma reforma do papel do Papa na Igreja pode,
ou não, contribuir para a unidade dos cristãos, sobretudo com as Igrejas
Ortodoxas.
Mas este é um tema muito sensível. Tradicionalmente,
qualquer pessoa que questione o poder e a autoridade do Papa é imediatamente
classificado como perigoso fanático progressista. De facto, a única pessoa que
o pode fazer sem ser acusado de odiar o Papa e a Igreja é o próprio Papa.
Veremos no que isto dá.
João Paulo II já tinha levantado esta lebre, precisamente
com esta intenção ecuménica, mas pouco ou nada mudou, como aliás recorda
Francisco:
Dado que sou chamado a viver aquilo que peço aos outros, devo pensar
também numa conversão do papado. Compete-me, como Bispo de Roma, permanecer
aberto às sugestões tendentes a um exercício do meu ministério que o torne mais
fiel ao significado que Jesus Cristo pretendeu dar-lhe e às necessidades
actuais da evangelização. O Papa João Paulo II pediu que o ajudassem a
encontrar «uma forma de exercício do primado que, sem renunciar de modo algum
ao que é essencial da sua missão, se abra a uma situação nova». Pouco temos
avançado neste sentido. (#32)
Esta mudança teria de passar por algo que assegure os
líderes ortodoxos de que a sua autonomia não será posta em perigo com uma união
com Roma. Um primeiro gesto neste sentido, mais até do que proceder a grandes
reformas das funções do Papa, seria dar total autonomia às Igrejas Católicas de
Rito Oriental.
Actualmente estas igrejas estão limitadas de uma maneira
ridícula e anacrónica. Houve oportunidade para mudar isso depois do sínodo para
os bispos do Médio Oriente, em 2010, mas foi desperdiçada. Por exemplo, os
católicos orientais continuam oficialmente proibidos de ordenar homens casados
nas diásporas “tradicionalmente” latinas e os seus patriarcas não têm
autoridade directa sobre os seus fiéis a viver fora dos seus territórios
tradicionais.
É evidente que os ortodoxos olham para os seus irmãos
católicos orientais e vêem-nos limitados na sua acção pastoral e até
evangélica. É isso que dá a união com Roma? Então bem podem esperar sentados,
pensam.
Antes, precisamente sobre a questão da descentralização, o
Papa já tinha escrito:
Penso, aliás, que não se deve esperar do magistério papal uma palavra
definitiva ou completa sobre todas as questões que dizem respeito à Igreja e ao
mundo. Não convém que o Papa substitua os episcopados locais no discernimento
de todas as problemáticas que sobressaem nos seus territórios. Neste sentido,
sinto a necessidade de proceder a uma salutar «descentralização». (#16)
Esta é uma velha discussão na Igreja. O Concílio pediu esta descentralização,
mas desde então o Vaticano resistiu. Olhando para a qualidade de alguns dos
bispos no mundo latino, não se pode se não compreender esta posição, mas por
outro lado, o responsável essas nomeações é precisamente o Papa, por isso é uma
pescadinha de rabo na boca.
Não vejo com maus olhos esta descentralização, mas ela deve
ser acompanhada de uma reforma na nomeação de bispos. Precisamos de bispos mais
evangélicos, mais pastorais, mais intelectuais. Bispos à imagem dos apóstolos
no Pentecostes. Se os tivermos, então venha toda a descentralização que
quiserem, que nada haverá a temer.
No meio disto teria de ficar assegurado, claro, o papel do Papa
enquanto sucessor de Pedro com a responsabilidade de confirmar os seus irmãos
na fé. Mas como digo sempre quando discuto esta questão, o Papa nem sempre teve
o papel que tem agora. Este papel foi-se consolidando num contexto de separação
com a esmagadora maioria das outras igrejas tradicionais e por isso não podemos
esperar que eles aceitem algo com o qual nunca tiveram de conviver durante os
mil anos em que a Igreja esteve unida.
Que o Espírito Santo inspire o Papa Francisco neste seu
esforço de reforma do seu próprio cargo, que seja para o bem da própria Igreja.
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