Wednesday, 25 December 2013

Despertai humanidade!

James V. Schall S.J.
A sequência – Trindade, Logos, criação, a queda, a promessa, o povo escolhido, as profecias, a Imaculada Conceição, a Anunciação, a Palavra encarnada e a Natividade – explicam-nos aquilo que aconteceu no Natal. Não se tratou de um evento isolado, apesar de ter acontecido num local inconsequente, num canto obscuro do mundo. Tudo se encaixa num plano cujos contornos são claros. Devemos debruçar-nos sobre “plano”, como São Paulo lhe chamava.

A segunda leitura no breviário para a véspera de Natal é de um sermão de Santo Agostinho. Começa assim: “Despertai, humanidade! Por vós Deus se fez homem (…) teríeis sofrido a morte eterna se Ele não tivesse nascido no tempo.” Agostinho parte do princípio de que não estamos a prestar atenção ao que é mais importante. Por isso grita: “Despertai!”. E quem é que procura acordar? “Humanidade”, todos nós, cada um de nós.

O que se passou que, adormecidos, não tenhamos notado? “Deus se fez homem”. Porque é que o fez? Admira-nos não só que o possa fazer mas também que o tenha feito. Mas foi isso que aconteceu. Onde? “Na história”, dizem-nos. Sabemos o local: Belém. Sabemos o tempo: Quando César Augusto era imperador de Roma e publicou um édito, que levou um casal peculiar da casa de David a voltar à sua origem.

Em Belém a mãe, Maria, deu à luz um rapaz, a quem devia chamar Emmanuel, “Deus connosco”. Porque é que Deus precisa de estar “connosco” desta forma? Evidentemente, a humanidade tem um problema. Sem o seu nascimento “no tempo” a humanidade, deixada à sua sorte, teria “sofrido a morte eterna”. Não é um destino muito simpático.

Porque é que a humanidade estava sujeita à “morte eterna”? É aqui que entra o “plano”. A maior parte da humanidade, ao longo do tempo, reconheceu que há algo de desordenado que paira sobre a nossa espécie. Somos tentados a pensar que podemos lidar com o assunto sozinhos. As provas, contudo, mostram que estamos basicamente na mesma situação que qualquer outra geração desde o princípio do tempo. A verdade é que não conseguimos lidar com este assunto sem ajuda.

Para resolver este problema, “Deus fez-se homem”. “Despertai!” Não poderia ter encontrado uma forma mais simples? Bom, foi isto que se passou. Lidou com o problema directamente, tornando-se homem. A vida interior de Deus é Trinitária. A Segunda Pessoa, o Logos, a Pessoa que reflecte por inteiro o ser do Pai, fez-se homem. Depois de nascer, os pais levaram o menino ao Templo. Lá, encontraram um idoso a quem tinha sido prometido que não morreria sem contemplar a “salvação” de Israel. Quando ele viu o menino sabia que estava a olhar para o Senhor. Simeão disse a Maria, contudo, que o seu coração seria trespassado pelo sofrimento. Ela meditou sobre estas palavras.



Mas agora esta Criança nasceu “no tempo”. No momento do seu nascimento as coisas não ficam na mesma. Nos campos os pastores estão acordados, mas vêm ver o que se passa. Este nascimento não saiu nos jornais de Jerusalém, Atenas ou Roma, mas chegou-nos de fonte segura. As testemunhas e aqueles que ouviram falar relataram o que viram. Algo mudou no mundo. O que é que foi?

Nos limites do mundo já não se encontrava apenas o mundo. Agora, o mundo continha, do lado da humanidade, um recém-nascido que era também o Logos feito carne. Ele “viveu entre nós”. Esta vinda não se destinou apenas a reparar a desordem das nossas almas, mas a trazer-nos o propósito para o qual fomos criados em primeiro lugar. Não existimos apenas por razões humanas, mesmo quando existimos enquanto seres humanos.

“Despertai!” Agostinho pergunta: “Que graça maior poderia Deus ter feito nascer sobre nós do que fazer o seu filho unigénito tornar-se filho do homem, para que um filho do homem pudesse, por sua vez, tornar-se filho de Deus?” É claro, não há graça maior que esta. Este é o plano. Mas depende de estarmos despertos. Podemos rejeitar o plano, como se fosse tonto ou inferior a nós. A Natividade do Filho de Deus, nascido entre nós, não nos obriga. Apenas nos oferece um dom, um dom que explica o que somos, porque sentimos aquilo que sentimos.

As últimas palavras de Agostinho são estas: “Pergunta se este plano foi merecido; pergunta pela sua razão, pela sua justificação e vê se encontras outra resposta para além da mera Graça”.

Neste tempo de Natal estas são as únicas palavras que ouvimos. É tudo Graça, é tudo dado.


James V. Schall, S.J., é professor na Universidade de Georgetown e um dos autores católicos mais prolíficos da América. O seu mais recente livro chama-se The Mind That Is Catholic.

(Publicado pela primeira vez na Terça-feira, 24 de Dezembro de 2013 em The Catholic Thing)

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