Alguns órgãos de informação citaram uma nota da CEP que
dizia o seguinte:
Por via do relatório da Comissão Independente foram
afastados oito membros do Clero, tendo regressado ao exercício do ministério
seis sacerdotes, mantendo-se dois afastados.
Para além do número anteriormente apresentado foram
afastados nove membros do clero e um leigo com responsabilidades paroquiais,
tendo dois sacerdotes regressado ao exercício do ministério, mantendo-se os
demais afastados, bem como o citado leigo.
Como vamos ver de seguida, estes números estão
completamente errados.
Na verdade, o número de padres que foram afastados por via
do relatório da Comissão Independente foram 15, dos quais continuam afastados nove.
O número de padres afastados por via das comissões diocesanas, já depois do
relatório, é três, e não nove, mais dois leigos, e não um.
Como é que isto aconteceu?
Ao que apurei, surgiu um pedido da comunicação social
sobre o assunto. Perante esse pedido, a Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas
de Protecção de Menores e Adultos Vulneráveis, pediu um levantamento a todas as
comissões diocesanas. Essa informação foi sistematizada e enviada para a CEP,
que emitiu o comunicado.
O que se passou foi que a informação que veio das
comissões diocesanas continha erros, e esses erros não foram detectados, tendo
chegado ao comunicado final. Já vamos ver quais são os erros, mas para quem não
tem paciência para ler os detalhes todos, deixo primeiro as conclusões.
Nojo e dados confusos
E a primeira conclusão é que isto é difícil. É difícil para
já porque é uma matéria que impressiona e mete nojo. Ninguém mergulha nestas
histórias por gosto, e por isso mesmo poucos são os que se dedicam a analisar
dados e cruzar números.
Depois há o problema dos próprios números e das
discrepâncias naturais que podem surgir quando falamos de casos que
frequentemente são muito diferentes. Por exemplo, quando saíram as listas da
Comissão Independente várias dioceses referiram que tinham nas suas listas
nomes de padres sem nomeação. O que é que significa estar sem nomeação? O
problema é esse, pode significar muita coisa. Pode significar que o padre está
velho, incapacitado e num lar; mas também pode querer dizer que o padre fugiu
do país e está em parte incerta; ou que está a estudar; ou que o bispo o deixou
“na prateleira” por uma ou outra razão. Uma mesma resposta pode cobrir muitas
realidades diferentes.
Também houve casos em que as dioceses receberam na lista nomes
de padres que já estavam com processos abertos, ou até já estavam cautelarmente
afastados. Nesses casos as dioceses contabilizam esse afastamento como sendo
por via da Comissão Independente, ou não? Se calhar uns até fazem de uma forma
e outros de outra, mas há espaço para se criarem aqui discrepâncias.
Uma coisa posso assegurar, pelo menos daquilo que tenho
conseguido perceber com as pessoas com quem vou falando. Cometem-se erros, sim –
e aqui estamos a falar de erros de tratamento de dados, e não na forma como se
lidam com os próprios casos de abuso – mas isso não significa que as pessoas
estão a agir de má vontade ou a tentar esconder alguma coisa.
Mas é preciso muito cuidado a tratar estes números,
porque com tantos casos que surgem, por vezes com detalhes, outras sem; de 21
dioceses diferentes, e ainda de mais não sei quantas ordens religiosas; às
vezes com informação duplicada, ou mal identificada, é facílimo perdermo-nos. Eu
passo muito, mas mesmo muito tempo a manter as minhas bases de dados sobre esta
matéria o mais completas possível. Mas a maioria dos jornalistas não tem tempo
nem conhecimentos para ir esquartejar os números em detalhe para ver se estão
correctos ou não.
O problema é que quando os números errados entram em
circulação nos media, facilmente esse erro se torna um “factoid” que é
replicado vezes sem conta.
Os detalhes
Dito isto, passemos então ao esquartejamento dos dados.
Sobre os padres que foram suspensos por via do relatório
da Comissão Independente, ou mais precisamente das listas que foram entregues,
a nota da CEP falava em oito membros do clero afastados, dos quais seis já
regressaram ao activo e dois mantêm-se afastados.
Não vou explicar quais as respostas das comissões
diocesanas que induziram em erro a Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas,
limito-me a indicar quais são os números correctos:
Lisboa – Foram afastados quatro padres, dos
quais três já foram reintegrados e um tem o processo ainda a decorrer.
Porto – Foram afastados três padres, todos
os processos ainda decorrem. Decorrem ainda processos de quatro padres que
nunca foram afastados, embora nunca tenha sido explicado porquê.
Évora – Foi afastado um padre, cujo
processo ainda decorre.
Braga – Foi afastado um padre, cujo
processo ainda decorre.
Angra – Foram afastados dois padres, cujos
processos ainda decorrem.
Guarda – Foi afastado um padre, que já
foi reintegrado. Este processo, se bem se recordam, não foi linear. O bispo
começou por dizer que não o iria afastar, mas mais tarde acabou por fazê-lo.
Vila Real – Foi afastado um padre, que já
foi reintegrado. Este processo também não foi linear, uma vez que o padre
foi imediatamente afastado, mas por ser originário da diocese de Setúbal
demorou algum tempo até se decidir que seria julgado por Vila Real.
Viseu – A lista da comissão independente incluía o
nome de um padre que já estava afastado na altura. Compreende-se assim
que a Comissão Diocesana diga que este sacerdote não foi afastado por via do
relatório da Comissão Independente, mas de facto é um padre que constava da
lista e que se mantém afastado.
Assim, temos um total de 14 padres afastados, dos
quais cinco foram reintegrados e nove continuam afastados. Acresce a este total
um padre capuchinho que foi afastado e posteriormente reintegrado, o que eleva
o número para 15. É natural, contudo, que os dados da CEP, que tinham por
base os das Comissões Diocesanas, não incluíssem este membro de uma ordem
religiosa.
Como se pode ver, a discrepância ainda é significativa.
Não foram oito os padres afastados, foram 15, foram de facto seis os
reintegrados, mas só se incluirmos o capuchinho, pelo que o número apresentado
pela CEP estava errado, e não são dois os que se mantêm afastados, são seis. Ou
seja, em três valores, nenhum está correcto.
Passemos então aos números dos que foram afastados por
via de processos posteriores à publicação do Relatório Independente e entrega
das listas às dioceses e às ordens religiosas.
A CEP indica que são nove membros do clero e um leigo com responsabilidades paroquiais, para um total de 10 pessoas. Também aqui os números estão mal, mas por dois erros mais simples. Num caso a diocese indicou como membro do clero um suspeito de abusos que, afinal, é leigo, o que muda o número para oito clérigos e dois leigos. Contudo, o número de clérigos também está errado, uma vez que uma das dioceses, que tinha indicado cinco padres afastados por via das listas, depois duplicou por engano este valor quando respondia sobre afastamentos por via das Comissões Independentes, pelo que é necessário retirar esses cinco aos oito, para um total de três clérigos. (O valor de cinco padres afastados por via das listas também estava errado, entretanto…) Destes três, dois já terão sido reintegrados.
Resumindo, nesta categoria houve um total de três padres
e dois leigos afastados, dos quais se mantêm afastados um padre e dois leigos.
E são estes os números. Como disse, não é fácil nem é simples
ter isto tudo sistematizado e organizado. É precisamente para ajudar que eu
mantenho no meu blog três posts que são ferramentas fundamentais para analisar
esta questão. Consultem-nos à vontade, e não deixem de me apontar eventuais
erros que encontrem, ou informações em falta.
Cronologia dos casos de abusos sexuais na Igreja em Portugal
O que sabemos das listas dos abusadores compostas pela Comissão Independente