Pe. Bevil Bramwell, OMI |
Mas uma razão cultural é de que a obediência a um superior
terreno, como um padre ou um bispo, é visto como humilhante. Contudo, a lógica
não faz sentido. Apenas se deve obediência a um superior (outra palavra
politicamente incorrecta) que nos pede para fazer algo que seja moralmente bom.
Como é que isso pode ser humilhante?
Estamos aqui para fazer o bem, mas nem sempre sabemos ao
certo que bem é esse. Não há maior bem que seguir a Cristo. Os pastores,
superiores religiosos e bispos apenas querem ajudar as pessoas a seguir a
Cristo.
É interessante que as pessoas que têm dificuldades em
obedecer à igreja não deixam de obedecer ao patrão, ao meteorologista, ou ao polícia,
e não notam qualquer inconsistência. Seguir a Cristo e à sua Igreja é o maior
de todos os bens.
Outra razão invocada para a desobediência é de que obedecer
a uma autoridade eclesial dá demasiado poder à Igreja, algo que é simplesmente
inaceitável na era do material. Sim, fazer o bem tem, de facto, o seu próprio e
extraordinário poder na cultura.
Veja-se a Igreja na Polónia debaixo dos nazis e dos
comunistas. Veja-se a Igreja nos Estados Unidos onde tantas paróquias e
institutos de solidariedade social trabalham no silêncio, ajudando os
sem-abrigo, os doentes e os moribundos, para falar de apenas uma grande área de
serviço.
O tipo de poder que despertou a objecção original à obediência
data do Iluminismo, quando o poder da Igreja estava demasiado próximo das
elites políticas e económicas em vários países. Mas essa aliança há muito que
foi desfeita, por exemplo nos Estados Unidos. E é bom que assim seja, porque
essa separação permite à Igreja ser Igreja, em vez de um mero passatempo das
elites.
A obediência devia ser um conceito popular, porque apenas
crescemos quando algo nos chega do exterior. Pode ser tão simples como comida
ou tão fundamental como o mandamento de amar e seguir a verdade. Estamos
vinculados a realidades maiores: em bebés, aos nossos pais; enquanto
estudantes, às universidades; enquanto trabalhadores, às fábricas; enquanto
católicos, à Igreja, e por aí fora.
Um sacerdote a prometer obediência ao seu bispos |
A lista é interminável. Não podemos viver sem esta
quantidade de coisas que todos os dias nos chegam. O amor, a comida, a
informação, o exercício dos nossos direitos económicos e políticos, tudo isto
abre a nossa vida a algo maior. Por isso mesmo num sentido puramente natural:
“De facto, nenhum de nós vive para si mesmo e nenhum morre para si mesmo.
(Romanos 14,7).
Mas na verdade, nessa passagem, Paulo estava a escrever
sobre pessoas no exercício da fé. A obediência – a entrega de nós mesmos – faz
parte da estrutura da fé. Não há outra forma de o exprimir: “não há outra
possibilidade para possuir certezas em relação à nossa vida se não pelo
abandono de si, em crescendo contínuo, nas mãos de um amor que parece aumentar
constantemente, porque tem a sua origem em Deus.” (Bento XVI). Trata-se de um
abandono nas mãos de Cristo, que nos chega pela Igreja. É por isso que a Igreja
é apelidada de “nossa mãe”.
Falando de apenas uma vertente deste abandono: entregamo-nos
aos documentos do Vaticano II e podemos dizer, com Bento XVI: “Devem ser lidos
correctamente, conhecidos por muitos e entendidos pelo coração como sendo
textos importantes e normativos do Magistério, no contexto da Tradição da
Igreja... Sinto cada vez mais que é meu dever apontar para o Concílio como sendo
a Graça dada à Igreja no Século XX: é lá que encontramos uma bússola segura
para nos orientar neste século que agora se inicia.”
E continua:
“Gostaria de sublinhar aquilo que tive ocasião de dizer
sobre o Concílio alguns meses depois da minha eleição como Sucessor de Pedro:
‘se formos guiados por uma hermenêutica correcta na sua interpretação e
implementação, ele pode-se tornar um instrumento cada vez mais poderoso e
necessário para a renovação da Igreja.”
A nossa obediência consiste, portanto, numa complexa leitura
e interpretação de documentos da Igreja. Ela abre-nos para a Graça e leva à
conversão e à renovação!
Termino com um pensamento de Henri de Lubac S.J.: “Uma
aprendizagem deste género nunca termina; é dura para a nossa natureza e os homens
que se acham mais iluminados são os que têm maior necessidade (é por isso que é
particularmente útil para eles), de modo a que sejam esvaziados da sua falsa
riqueza, ‘para humilhar os seus espíritos sob uma autoridade visível’
(Fénelon)”.
(Publicado pela primeira vez no Domingo, 6 de Maio 2012 em www.thecatholicthing.org)
Bevil Brawwell é sacerdote dos Oblatos de Maria Imaculada e
professor de Teologia na Catholic Distance University. Recebeu um doutoramento
de Boston College e trabalha no campo da Eclesiologia.
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consentimento de The Catholic Thing.
Como texto devocional sobre a obediência, parece-me muito bem. Mas infelizmente não aprofunda o tema até onde ele merece, ou seja, onde ele se torna problemático.
ReplyDeleteAssim que se vamos um pouco mais fundo, cedo percebemos que a obediência pura e simples é suficiente para as crianças mas não para os adultos. Por exemplo: este artigo não considera que existem diferentes níveis de obrigação em relação ao que a hierarquia diz ou escreve; não considera que a hierarquia da Igreja possa cometer erros (e devemos ser humildes e prontos a reconhecê-los); não considera assuntos difíceis em que as respostas não são óbvias e o discernimento se torna necessário.
Também seria especialmente cauteloso ao afirmar: "apenas crescemos quando algo nos chega do exterior": parece-me perigoso! Parece que só temos mal (ou vazio) em nós. Que antropologia é essa? Se Deus vive em nós - como eu acredito - a verdadeira obediência deve vir (também) do nosso íntimo mais íntimo!
Obrigado por me fazer reflectir sobre este tema.
O meu principal obstáculo é esta frase: "Os pastores, superiores religiosos e bispos apenas querem ajudar as pessoas a seguir a Cristo"
ReplyDeleteNum mundo ideal isso é verdade. Mas infelizmente não faltam casos na história recente da Igreja de pastores, superiores religiosos e bispos que se preocuparam mais em proteger reputações do que em ajudar as pessoas a seguir a Cristo.
Quanto ao "apenas crescemos quando algo nos chega do exterior", compreendo o que diz o autor. Não é que apenas tenhamos mal ou vazio dentro de nós, mas o bem que temos tem de ser estimulado para crescer. É assim que entendo a ideia da fé ser um dom que recebemos, sozinhos não vamos lá, e devo essa ideia a um seu colega jesuíta.
Por fim, não obstante as questões que levantou, não esqueçamos o contexto: o tal "apelo `desobediência" que o autor refere, que se me afigura chocante.
Sim, quem acredita em Cristo e na «Sua» Igreja, sujeita-se a Cristo e à «Sua» Igreja, que é assistida pelo Espírito Santo. Mas... Jacques Maritain distinguiu muito bem entre «a pessoa da Igreja» e «o pessoal da Igreja».
ReplyDeleteV. o livro: «De l'Église du Christ. La personne de l'Église et son personnel», Desclée de Brouwer, 1970. Vale a pena voltar a esse livro magnífico, que coloca bem a questão e aprecia casos históricos, mas não resolve os nossos casos concretos.
Muito obrigado, Filipe, pelo seu blog.
Fernando Católico