Randall Smith |
Inicialmente pensei que era apenas porque estava a conhecer
pessoas que não eram casadas, até que uma simpática professora católica me
explicou que, pelo menos no seu meio, nunca se fazia referência ao “marido” ou
à “mulher”, mas sempre ao “parceiro”. O contrário poderia ser considerado
mal-educado ou, pior ainda, “discriminatório”.
Recorrer a estas palavras proibidas poderia sugerir que se
acredita que há uma diferença entre duas pessoas que estão “sexualmente
envolvidas” e duas pessoas que, diante de Deus e de todos os seus amigos, se
comprometeram publicamente a viver uma vida em conjunto na aliança sacramental
do casamento.
Por isso, para evitar que os outros se sintam discriminados,
é simplesmente vedado aos casados usar vocabulário que sugira que o são.
Sejam quais forem os benefícios destas medidas de
austeridade linguística, levantam problemas. Um consiste em saber se o “parceiro”
é um homem ou uma mulher [Na língua inglesa
não existem géneros, pelo que “partner” se refere tanto ao masculino como ao
feminino]. Não é raro ter de esperar ansiosamente até que o nosso
interlocutor use o pronome respectivo (ele ou ela), antes de poder fazer as
perguntas simpáticas do costume: “Há quanto tempo a conhece?”, “Onde é que o
conheceu?”, mas calculo que a falta de claridade sobre o sexo é um dos
objectivos: tais distinções são precisamente o tipo de discriminações que se
querem evitar.
Mas outro problema com a palavra “parceiro” é que é tão
fungível. Não é fácil perceber de que tipo de relação é que o interlocutor está
a falar. Afinal de contas, na nossa vida temos uma grande variedade de
“parceiros”: parceiros de negócios, parceiros de ténis, parceiros de ginástica,
parceiros de dança.
Quando um homem me diz “A minha parceira está agora em
França”, o que é que é suposto eu pensar? Que sofre de privação de ténis? Que
está a fechar um negócio bestial em Paris? Ou que está interessado em ter um
caso? É muito pouco claro. Mas nada disso interessa; o importante é que ninguém
se sinta discriminado.
Talvez eu seja malandro, ou talvez seja porque vivo no Texas
há tanto tempo, mas sempre que alguém me apresenta o seu “parceiro” ou
“parceira”, apetece-me cumprimenta-lo com o meu sotaque texano mais cerrado:
“Howdy par’dner” [Olá parceiro].
Mesmo quando consigo evitar essa tentação há outras questões
que surgem naturalmente, dada a natureza tão flexível de tais “parcerias”.
Há quanto tempo é que está com o seu parceiro?
Trabalha no mesmo escritório que o seu parceiro?
Vive na mesma casa que o seu parceiro?
Vive no mesmo país que o seu parceiro?
Há quanto tempo é que não vê o seu parceiro?
O seu parceiro tem muitos outros parceiros?
É tudo muito confuso, mas suponho que o objectivo seja mesmo
esse.
A pressão para acabar com a distinção de “casamento” surge,
curiosamente, numa altura em que os “casais homossexuais” querem ser
reconhecidos como “casados”. É de admirar que os homossexuais se preocupem
tanto em poder “casar”, quando os heterossexuais fizeram tanto para
desvalorizar e esvaziar o conceito.
Parceiros, ou parceiros? |
Será que os homossexuais, tendo conseguido o estatuto de
“casados” passarão a recusar-se, como todos os outros, a referir-se aos
“esposos” (seja marido ou mulher), e falar simplesmente dos seus “parceiros”?
Seja como for, a raiz do problema não são os “casais homossexuais”, é a
confusão que foi criada pelos heterossexuais em relação àquilo a que se
costumava chamar “casamento”.
Deus escreve direito por linhas tortas. Seria interessante
se a pressão a favor do “casamento homossexual” levasse as pessoas a pensar
mais a sério sobre a verdadeira natureza do casamento e o que distingue aqueles
que são “casados” daqueles que são apenas “parceiros”.
Se não existe mesmo diferença, então porque é que alguns
lutam tanto para conseguir o estatuto de “casados”? O que é que eles
compreendem, mesmo que apenas implicitamente, que tantas pessoas no resto da
sociedade insistem em esquecer?
Será porque de facto uma “parceria” indefinida não é nada?
Parece que sofremos da ilusão de que podemos definir as nossas relações da
mesma maneira que pensamos que nos podemos definir a nós próprios: de acordo
com as nossas vontades e manias. A realidade, porém, é que não se pode ter os
benefícios de um compromisso sem o compromisso.
No seu ensaio “O poder dos Sem-poder”, Vaclav Havel falou de
forma eloquente sobre os regimes autoritários, tudo se torna uma mentira, mesmo
as coisas mais simples. Um dos grandes gestos de revolta que um sem-poder pode
praticar, nestas circunstâncias, é falar e agir de forma a “viver na verdade”.
Ele imagina o caso de um merceeiro que coloca um cartaz na
sua loja que diz: “Proletários de todo o mundo uni-vos!”, não porque pensou
dois segundos sequer sobre a frase, mas porque era esperado que o fizesse.
Havel pede-nos que imaginemos que “um dia, algo no merceeiro cede e ele deixa
de colocar cartazes só para entrar nas boas graças de alguém.”
“Nesta revolta”, diz Havel, “o merceeiro deixa de viver na
mentira. Ele rejeita o ritual e quebra as regras do jogo. Descobre novamente a
sua identidade e dignidade suprimidas. Dá à liberdade um significado concreto.
A sua revolta é uma tentativa de viver na verdade.”
Deixemos os outros referir-se aos seus “parceiros”. Não é
preciso sermos críticos. Eles que façam como quiserem. Os católicos, porém,
devem deixar claro que têm “maridos” e “mulheres”, não só pelo vocabulário, mas
pela forma como vivem em conjunto e como se tratam no casamento.
O objectivo devia ser de mostrar que pode haver algo melhor
do que aquilo com que tanta gente se contenta.
(Publicado pela primeira vez no Sábado, 19 de Maio 2012 em http://www.thecatholicthing.org)
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St.
Thomas, Houston.
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