por David G. Bonagura, Jr. |
O Papa Bento XVI, tendo tomado o leme no processo de
restaurar a comunhão jurídica da SSPX ao longo do último quarto de século,
tornou essa reconciliação uma prioridade do seu pontificado. Tudo indica que um
anúncio formal de reconhecimento está próximo.
A reconciliação com a SSPX ficará entre as grandes
conquistas do pontificado de Bento XVI, com implicações duradouras para a
Igreja. Mas na histeria que certamente se seguirá ao anúncio formal, aquilo que
é verdadeiramente importante ficará perdido por entre as polítiquices
partidárias internas da Igreja.
À direita, alguns católicos tradicionalistas rejubilarão,
declarando vitória: Roma modernista voltou a si e apoia o que resta da fé. À
esquerda, onde se prefere sentar à mesma mesa que Lutero a partilhar uma Igreja
com o líder da SSPX, Bernard Fellay, alguns acusarão Bento XVI de minar, ou
desfazer, as reformas do Vaticano II. Ambas as perspectivas são falsas.
Antes de vermos o que significa a reconciliação, vale a pena
analisar o que não significa.
Em primeiro lugar, Bento XVI não está a regredir em relação
ao Vaticano II. Todo o seu pontificado está dedicado a avançar o Concílio (ver
mais abaixo). De facto, como expliquei na altura em que o Papa revogou a
excomunhão dos quatro bispos da SSPX, ele está a bater os progressistas no seu
próprio terreno: está a fazer gestos concretos no sentido de reunir todos os
cristãos, tal como o Vaticano pede no Unitatis Redintegratio (o que é
duplamente irónico, pois é um dos documentos que a SSPX contesta). O que está a
ser desfeito não é o Concílio em si, mas a ideologia que se agarra a um falso
conceito de “espírito do concílio”.
Depois, alguns comentadores mais espertos poderão usar o
trunfo do género: o Vaticano retrógrado está a aceitar um grupo de bispos e
padres conservadores ao mesmo tempo que ataca as freiras indefesas da Leadership
Conference of Women Religious (LCWR). Mas essa dicotomia ou jogo de poder
misógeno não existe: Bento XVI está a trabalhar para trazer ambos os grupos
afastados – a SSPX de iure, a LCWR de facto – de volta à plena comunhão com a
Igreja; a abordagem diferente deve-se à diferença de estatuto de cada grupo.
Por fim, a reconciliação com a SSPX não significa a “vitória
da Tradição” no sentido em que a Sociedade e os seus apoiantes a entendem: que
o culto e a piedade tradicionais vão ser restaurados como sendo a expressão
mais legítima da fé. A teologia e a prática católica tradicional já está a
passar por um pequeno renascimento revitalizador um pouco por todo o mundo em
comunidades religiosas, paróquias e escolas que se mantém leais ao Papa. Uma
SSPX reconciliada trará mais crescimento e vigor a este movimento, mas não o criará
de novo nem lhe dará um estatuto mais elevado.
Um jovem Marcel Lefebvre |
Então o que significa a reconciliação com a SSPX?
Primeiro, o “Preâmbulo Doutrinário”, a declaração ainda
secreta das crenças doutrinárias que a SSPX deve aceitar para ser reconciliada,
deverá declarar – na forma mais oficial e autoritária até hoje – que todo o
Vaticano II deve ser lido e interpretado à luz da Tradição. Se assim for, então
não só moldará os futuros discursos da Sociedade sobre o Vaticano II, mas
também o discurso de quem advoga o “espírito do Concílio”.
Os arautos da “hermenêutica de descontinuidade e rupture” não
vão simplesmente baixar os braços, mas uma tal declaração retirará a pouca
credibilidade que ainda lhes resta entre os leitores e alunos.
Segundo, como já foi referido, uma SSPX em comunhão plena
como o Papa trará novo vigor para a prática e culto católico o que, por sua
vez, ajudará a restaurar a identidade católica em locais onde já desmoronou. Ao
que parece a prática religiosa nas capelas da Sociedade em França tem crescido
à medida que as Igrejas regulares se têm esvaziado quase por completo.
Com as graças que decorrem da plena comunhão com Roma – e
sem o tom que tem caracterizado muita da retórica contra Roma por parte da
Sociedade – a SSPX poderá tornar-se uma peça chave na Nova Evangelização e a
Igreja no seu todo deve valorizar o seu contributo.
Terceiro, a reconciliação diz muito sobre a natureza do
pontificado de Bento XVI e o carácter dele enquanto homem. Desde o seu almoço
em Castel Gandolfo com o bispo Fellay no primeiro Verão do seu pontificado até
ao levantamento das excomunhões em 2009, passando pelas discussões formais com
os teólogos da SSPX na Congregação para a Doutrina da Fé, e apesar de muitas
vozes contrárias na Cúria, Bento XVI está a tornar a reconciliação uma
realidade, ao seu ritmo e nas suas condições.
Como escreveu o próprio Fellay, “o Papa disse-nos que a
preocupação por remediar a nossa situação, para o bem da Igreja, estava no
coração do seu pontificado. Disse também que tinha noção de que tanto para ele
como para nós teria sido mais fácil manter o status quo”. Bento XVI, como
verdadeiro pastor, está mais que disposto a dar a sua própria vida e a sua
reputação pelo bem do seu rebanho.
Permanecem uma série de questões sobre o estatuto da
Sociedade; a sua organização futura, a possibilidade de haver uma cisão, com um
grupo que rejeita a reconciliação. Mas quando chegar a altura será o próprio
Bento XVI, não as facções da Igreja em guerra nem os media seculares, que
providenciará a lente interpretativa para este incrível feito.
David G.
Bonagura, Jr. é professor assistente de Teologia no Seminário da Imaculada
Conceição, em Huntington, Nova Iorque.
(Publicado pela primeira vez no Domingo, 10 de Junho de 2012
em http://www.thecatholicthing.org)
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Por um lado, a regularização da FSSPX irá começar uma nova "batalha" dentro da Igreja. As verdadeiras dificuldades irão começar uma vez que a FSSPX esteja "reconciliada".
ReplyDeleteMas sim, acredito que a reconciliação com a FSSPX trará um novo vigor à Igreja latina, assim como a liberalização do rito tradicional e o Ordinariato Anglicano.