Randall Smith |
Fez-me lembrar aquela cena de “O Sentido da Vida”, dos Monty
Python, em que um marido protestante comenta para a sua mulher, enquanto vê as
hordas de crianças católicas na casa do outro lado da rua:
“Olha-me só aqueles Católicos nojentos. A encher o mundo com
pessoas que não têm dinheiro para alimentar.”
“Nós somos o quê
querido?”
“Protestantes, com muito orgulho.”
“Porque é que eles
têm tantos filhos?”
“Porque cada vez que têm relações sexuais, têm de ter um
bebé.”
“Mas é o mesmo connosco, Harry.”
“O que é que queres dizer com isso?”
“Quero dizer, temos dois filhos e só tivemos relações
sexuais duas vezes.”
“Essa não é a questão… Podemos ter relações sempre que
quisermos.”
“A sério?”, pergunta a mulher, algo confusa.
“Sim”, responde o
marido, empertigado mas desafiador, enquanto continua a insistir com os benefícios
da contracepção: “Ser protestante é isso mesmo. É por isso que é a Igreja certa
para mim. É por isso que é a Igreja certa para todo aquele que respeita o
indivíduo e a seu direito de escolher livremente por si. Quando Martinho Lutero
pregou o seu protesto na porta da igreja em 1517, poderá não ter percebido a
significância do que estava a fazer, mas passados quatrocentos anos, graças a
ele querida, eu posso colocar o que bem entender no meu Zé Tomás.”
Passados 400 anos, às vezes parece que de facto é a isso que
se resume o Protestantismo – aliás, o ser americano: Contracepção. Não sei se
Lutero ficaria muito satisfeito.
Seja como for, não pude deixar de pensar que se tratava de
um pensamento estranho para uma mãe. Enquanto contemplava a sua filhota, a
brincar no berço, a olhar para ela com aqueles olhos grandes e redondos, a mãe
disse para si mesma exactamente o quê?:
“Não posso educar esta criança como católica, porque quero
garantir que possa ter relações sexuais com homens que não sentem qualquer
compromisso duradouro com ela?”
“Quero que a minha filha cresça para ser um objecto de
prazer sexual para homens sem ter de os maçar com preocupações sobre a sua
fertilidade?”
“Não suporto a ideia de que sejam negadas à minha filha os
prazeres da fornicação?”
Suponho que não foi nada disto, pelo menos não de forma explícita, embora esses sejam os objectivos que estava a desejar para a sua filha, independentemente das intenções.
Não, suponho que estava a pensar sobre “respeitar o
indivíduo e o seu direito a escolher”. Mas quem é que escolhe de facto? A
contracepção não é, tantas vezes, mais um argumento para levar as mulheres para
a cama? Não é por isso que os maiores defensores da contracepção são homens
entre os 14 e os 35?
Mas o que foi verdadeiramente interessante sobre esta
inglesa foi a sua reacção quando se falou do Islão. “Não, o Islão é uma
religião fantástica”, insistiu. “Tantas pessoas compreendem mal o Islão. Não me
importava nada que a minha filha se tornasse muçulmana”.
A sério? Véus? Burqas? Noivas menores? Divórcio para os
homens mas não para as mulheres? Não queria estragar as coisas, informando-a de
que os muçulmanos também não têm uma grande opinião sobre a contracepção. Ou
que os muçulmanos têm sido os principais aliados do Vaticano em tentar impedir
as Nações Unidas de importar contraceptivos e serviços abortivos em massa para
África.
Como esta simpática mãe inglesa, eu tenho um grande respeito
pelo Islão. Mas a sua visão do Islão pareceu estranha vinda de alguém que não
quer que a filha seja católica por causa da posição “restritiva” da Igreja no
que diz respeito ao sexo.
George Orwell, em O
Triunfo dos Porcos, inventou a expressão: “Todos os animais são iguais, mas
alguns são mais iguais que outros”. Na nossa era de respeito ostensivamente
pluralista pelo “outro”, parece que alguns “outros” são mais “outro” que
outros.
Quando um “outro” é suficientemente distante e diferente de
nós que parece exótico e estranho – veja-se o exemplo do Islão, mas poderia ser
o comunismo, o Hinduísmo ou o canibalismo – congratulamo-nos por termos a mente
suficientemente aberta para o acolher.
O outro tipo de “outro”, porém, está demasiado próximo, é
demasiado parecido connosco, para sentirmos a sua “alteridade”. É o mesmo tipo
de miopia que nos leva a considerar “adoráveis” e “coloridas” as disfunções das
famílias dos outros, enquanto os pequenos pecados das nossas parecem tão
irritantes. A familiaridade leva ao desprezo.
Tinha sido bom se a actual adoração multicultural do “outro”
tivesse entrado na moda uma geração mais cedo, quando os católicos estavam a
ser perseguidos na Inglaterra e na Irlanda. Se o timing tivesse sido melhor, os Católicos dessa geração poderiam ter
reclamado, orgulhosamente, o estatuto de “outro” vitimizado. Talvez o
Catolicismo fosse considerado “fixe”, em vez de ser simplesmente discriminado.
Por outro lado, provavelmente não. O Catolicismo é difícil –
traz exigências sérias – e isso nunca é popular. Ainda assim, talvez haja aqui
uma abertura para a Igreja hoje. Em vez de tentar convencer toda a gente de que
o Catolicismo não é de todo “estranho” ou “diferente” ou contracultura, talvez
devêssemos caminhar na direcção contrária e tentar convencer toda a gente de
que o Catolicismo é a coisa mais estranha, completamente “diferente” que existe
– que é, na verdade, a única forma de ser verdadeiramente “contracultura”,
verdadeiramente “outro” em relação ao que o mundo nos tenta obrigar a ser.
Esta abordagem não só teria melhor hipótese de sucesso que a
abordagem de “não-se-preocupem-connosco-somos-iguais-a-toda-a-gente”, teria
também, pelo menos, a virtude de ser honesta.
(Publicado pela primeira vez no Domingo, 24 de Junho 2012 em
http://www.thecatholicthing.org)
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St.
Thomas, Houston.
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