Transcrição integral da entrevista com D. Jorge Ortiga, a
propósito do congresso da ACEGE que começa hoje. A notícia
está aqui.
O tema do congresso é
“O amor ao próximo como critério de Gestão”. É esta a regra no meio empresarial?
E serão estes dois conceitos compatíveis?
Evidentemente nos tempos que correm, e não só, verificamos
que o mundo da economia envereda por outros parâmetros, uma vez que ele é
orientado para o lucro e para a vantagem pessoal. Cada um trabalha para
acumular o mais que pode e tantas vezes, infelizmente dos modos e maneiras não
mais adequados e oportunos.
O certo é que o Cristianismo, como mensagem que é, tem
sempre algo de novo e às vezes até escandaloso para propor. A norma do amor ao
próximo é uma norma que deve permear todas as realidades humanas. Com ousadia,
com algum atrevimento, mas sem dúvida também como critério para a resolução de
muitos problemas.
Há uma regra de ouro no Cristianismo, muitas vezes
esquecida, que consiste em amar aos outros como a nós mesmos, o que quiseres
que os outros façam, faz tu também. Isto, transportado para o mundo da economia,
com certeza que vai gerar comportamentos novos, talvez inéditos, mas que vai
impedir que alguns acumulem só para si e com certeza que vai proporcionar mais
justiça e mais igualdade.
Os empresários
cristãos são um exemplo a seguir nesta matéria?
Temos de tudo e hoje, no mundo dos empresários, temos várias
experiências. Existem aqueles que procuram naturalmente pensar neles próprios,
nas suas famílias e no futuro da empresa, mas que simultaneamente pensam nos
trabalhadores, considerando-os mais colaboradores do que trabalhadores.
Existem várias experiências no nosso país, algumas com algum
nome feito, por exemplo chamando-lhe economia de comunhão, em que a comunhão é
o que articula os diversos dinamismos da vida interna de uma empresa, e se
efectivamente há muitos que continuam apegados ao lucro e só ao interesse, há
outros que pensam no bem-estar dos seus trabalhadores, repartindo os lucros com
eles, criando condições de trabalho dignas, para que o rendimento seja o maior
possível e naturalmente haja vantagem também para todos.
Mas este congresso pretende dizer que não só é possível amar
o próximo também neste mundo complicado da economia e gestão, mas que é
absolutamente necessário. Será uma reflexão, uma interpelação a muitos
empresários, um pôr em comum de experiências concretas, não só teorias e
discursos, em que na verdade o amor ao próximo, vivido à letra, nas suas
exigências mais profundas, não só não prejudica a empresa como a pode
enriquecer e fazer com que quem trabalha sinta entusiasmo para trabalhar mais e
melhor.
Que mensagem é que
deixaria para os participantes no congresso?
Que efectivamente aceitassem a interpelação que apenas esta
pequena frase do Evangelho, do amor ao próximo, como um desafio, que a
acolhessem de alma e coração, que não tivessem receio das suas exigências, que
a tentassem pôr em prática, porque os resultados vão acontecer, e acontecendo
esses resultados tudo poderá ser uma alternativa a tantas outras iniciativas
que existem, alicerçadas mais num liberalismo exagerado, onde naturalmente cada
um olha somente para si e não é capaz de equacionar o bem-estar de todos. Isto
é uma mensagem que deve ecoar bem alto, e é uma responsabilidade, portanto eles
vão participar no congresso convencidos de que irão sair já como que reforçados
nas suas convicções, alguns, e outros que porventura poderiam ter dúvidas
estarão também como que orientados para concretizar esta regra de ouro que é
fundamental, não só na vida individual como também na vida das empresas e entre
empresas, como contributo que podem dar para a vida do país.
Os membros da ACEGE,
por se definirem como cristãos, têm responsabilidade acrescida nesta matéria?
A responsabilidade deveria ser idêntica para todo e qualquer
ser humano. Habitualmente fazemos dos cristãos uma categoria à parte, quando
hoje o que é importante é que o cristão seja capaz de mergulhar nas estruturas
da vida humana e mergulhando nessas estruturas vivam os problemas como todos
vivem os seus problemas, tenham uma vida idêntica nas suas interpelações, como
todas as outras profissões e com todas as exigências, mas que sem dúvida sejam
capazes de, nesta área dos negócios e da gestão, ser diferentes.
Serem iguais a todos os outros, mas também diferentes. Não
em termos de superioridade, não em termos de ser uma categoria à parte, mas com
os mesmos problemas e interpelações, os mesmos desafios, alguns dramas e
perdas, mas que efectivamente a palavra de Deus entre nestas coisas que parecem
ser demasiado terrenas, mas a palavra de Deus foi feita precisamente para isso,
para ser insculturada, para ser semeada, nestas realidades terrenas. Por isso
mesmo a diferença tem de acontecer.
Iguais em tudo, nos problemas, nas dificuldades, nas
conquistas, nas soluções, mas com uma marca diferente que terá de caracterizar
aqueles que se dizem cristãos.
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