Friday, 1 June 2012

"É possível amar o próximo neste mundo da economia e gestão"


Transcrição integral da entrevista com D. Jorge Ortiga, a propósito do congresso da ACEGE que começa hoje. A notícia está aqui.

O tema do congresso é “O amor ao próximo como critério de Gestão”. É esta a regra no meio empresarial? E serão estes dois conceitos compatíveis?
Evidentemente nos tempos que correm, e não só, verificamos que o mundo da economia envereda por outros parâmetros, uma vez que ele é orientado para o lucro e para a vantagem pessoal. Cada um trabalha para acumular o mais que pode e tantas vezes, infelizmente dos modos e maneiras não mais adequados e oportunos.

O certo é que o Cristianismo, como mensagem que é, tem sempre algo de novo e às vezes até escandaloso para propor. A norma do amor ao próximo é uma norma que deve permear todas as realidades humanas. Com ousadia, com algum atrevimento, mas sem dúvida também como critério para a resolução de muitos problemas.

Há uma regra de ouro no Cristianismo, muitas vezes esquecida, que consiste em amar aos outros como a nós mesmos, o que quiseres que os outros façam, faz tu também. Isto, transportado para o mundo da economia, com certeza que vai gerar comportamentos novos, talvez inéditos, mas que vai impedir que alguns acumulem só para si e com certeza que vai proporcionar mais justiça e mais igualdade.

Os empresários cristãos são um exemplo a seguir nesta matéria?
Temos de tudo e hoje, no mundo dos empresários, temos várias experiências. Existem aqueles que procuram naturalmente pensar neles próprios, nas suas famílias e no futuro da empresa, mas que simultaneamente pensam nos trabalhadores, considerando-os mais colaboradores do que trabalhadores.

Existem várias experiências no nosso país, algumas com algum nome feito, por exemplo chamando-lhe economia de comunhão, em que a comunhão é o que articula os diversos dinamismos da vida interna de uma empresa, e se efectivamente há muitos que continuam apegados ao lucro e só ao interesse, há outros que pensam no bem-estar dos seus trabalhadores, repartindo os lucros com eles, criando condições de trabalho dignas, para que o rendimento seja o maior possível e naturalmente haja vantagem também para todos.

Mas este congresso pretende dizer que não só é possível amar o próximo também neste mundo complicado da economia e gestão, mas que é absolutamente necessário. Será uma reflexão, uma interpelação a muitos empresários, um pôr em comum de experiências concretas, não só teorias e discursos, em que na verdade o amor ao próximo, vivido à letra, nas suas exigências mais profundas, não só não prejudica a empresa como a pode enriquecer e fazer com que quem trabalha sinta entusiasmo para trabalhar mais e melhor.

Que mensagem é que deixaria para os participantes no congresso?
Que efectivamente aceitassem a interpelação que apenas esta pequena frase do Evangelho, do amor ao próximo, como um desafio, que a acolhessem de alma e coração, que não tivessem receio das suas exigências, que a tentassem pôr em prática, porque os resultados vão acontecer, e acontecendo esses resultados tudo poderá ser uma alternativa a tantas outras iniciativas que existem, alicerçadas mais num liberalismo exagerado, onde naturalmente cada um olha somente para si e não é capaz de equacionar o bem-estar de todos. Isto é uma mensagem que deve ecoar bem alto, e é uma responsabilidade, portanto eles vão participar no congresso convencidos de que irão sair já como que reforçados nas suas convicções, alguns, e outros que porventura poderiam ter dúvidas estarão também como que orientados para concretizar esta regra de ouro que é fundamental, não só na vida individual como também na vida das empresas e entre empresas, como contributo que podem dar para a vida do país.

Os membros da ACEGE, por se definirem como cristãos, têm responsabilidade acrescida nesta matéria?
A responsabilidade deveria ser idêntica para todo e qualquer ser humano. Habitualmente fazemos dos cristãos uma categoria à parte, quando hoje o que é importante é que o cristão seja capaz de mergulhar nas estruturas da vida humana e mergulhando nessas estruturas vivam os problemas como todos vivem os seus problemas, tenham uma vida idêntica nas suas interpelações, como todas as outras profissões e com todas as exigências, mas que sem dúvida sejam capazes de, nesta área dos negócios e da gestão, ser diferentes.

Serem iguais a todos os outros, mas também diferentes. Não em termos de superioridade, não em termos de ser uma categoria à parte, mas com os mesmos problemas e interpelações, os mesmos desafios, alguns dramas e perdas, mas que efectivamente a palavra de Deus entre nestas coisas que parecem ser demasiado terrenas, mas a palavra de Deus foi feita precisamente para isso, para ser insculturada, para ser semeada, nestas realidades terrenas. Por isso mesmo a diferença tem de acontecer.

Iguais em tudo, nos problemas, nas dificuldades, nas conquistas, nas soluções, mas com uma marca diferente que terá de caracterizar aqueles que se dizem cristãos.

No comments:

Post a Comment

Partilhar