Pe. Paul Scalia |
Na verdade, esta expressão
encapsula a visão errada da história que a nossa cultura abraça. Nomeadamente,
a ideia de que se trata de uma evolução da humanidade em constante
melhoramento; de que toda a história se dirige rumo à perfeição. É evidente que
temos assistido a progresso em determinadas áreas. Quase que erradicámos certas
doenças. Temos formas extraordinárias de comunicação e de transporte. A câmara
do novo iPhone é incrível, etc..
O problema está em pensar que
o mesmo se aplica a nós mesmos e à nossa sociedade. Presumimos que, tal como a
nossa tecnologia, também nós estamos constantemente a melhorar, através dos
nossos próprios esforços e criatividade. Assim, a história não é mais do que
uma marcha rumo à perfeição humana. Quem discorda está do lado errado, não
apenas da discussão, mas da história.
Claro que todo o conceito é
terrivelmente ingénuo. Sim, temos conseguido grandes avanços no ramo da
ciência, da tecnologia e da medicina. Mas para que é que os usamos? Para o bem,
em alguns casos, e para o mal, noutros. Por mais que tenhamos avançado em
determinadas áreas, ainda temos a mesma capacidade para o mal que tinham os
nossos antepassados e esse mal não é algo do qual nos possamos libertar apenas
com os nossos esforços.
Outro problema é que os
líderes tendem a estar sempre com muita pressa para chegar ao lado certo da
história. E isso até faz sentido. Se é esse o objectivo final, porquê esperar?
Nada se deve meter no caminho. Assim vimos que durante a Revolução Francesa o
Reino do Terror guilhotinou todos aqueles velhacos que não prestavam culto à
República e ao Culto do Ser Supremo. Lenin e Stalin correram atrás do paraíso
dos trabalhadores, à custa de milhões de vidas dos seus próprios cidadãos. A
mortandade provocada por Mao Tsé Tung conseguiu ser ainda maior que o Grande
Salto em Frente. Chegar ao lado certo da história tem um grande custo em
sangue.
Esta visão da história também
escraviza espiritualmente e intelectualmente as pessoas. Uma vez que o lado
certo da história está sempre no futuro, nada do passado tem valor. Qualquer
apelo à história ou à tradição, à sabedoria do passado, é proibido. As estátuas
devem ser removidas, a história purificada, os nomes das ruas e das escolas
alterados.
Mas esse tal futuro nunca
chega. É sempre uma utopia, mesmo para lá do horizonte. Claro que os líderes
não têm qualquer interesse em que esse momento perfeito chegue, porque aí
perderiam os seus trunfos. Então as pessoas são roubadas quer do seu passado,
quer do seu futuro. Sem tradição que os alimente, nem futuro realístico por que
esperar, tornamo-nos órfãos do imediato.
E o que é que isto tem a ver
com o Primeiro Domingo do Advento?
O ponto de viragem da história |
Nem estamos propriamente à
espera que as coisas melhorem entretanto. Há incontáveis passagens das
escrituras que nos mostram que para o povo de Deus as coisas não melhoram,
antes pioram, à medida que o fim se aproxima. Então o Senhor aparecerá para salvar
o seu povo e retribuir a sua fidelidade.
É verdade que isto pode
parecer desencorajador e pessimista. Mas é também realístico e libertador: as
coisas não estão sempre a melhorar. Existe grande sabedoria no passado e haverá
grandes males no futuro. Isto ajuda-nos a colocar aquilo que vemos à nossa
volta em perspectiva. As confusões culturais, as guerras, a doença, a fome e
tudo o resto devem entristecer-nos. As injustiças devem deixar-nos zangados.
Mas nem umas nem outras nos devem surpreender ou desorientar. Porque não
esperamos a contínua perfeição do mundo nem procuramos a perfeição em todas as
coisas deste mundo.
Esta visão bíblica também
clarifica o nosso propósito. Devemos procurar construir uma sociedade melhor,
cuidar dos doentes e ajudar os pobres. E isso é precisamente o que os cristãos
têm feito ao longo da história, mais do que qualquer outro. Mas fazemos essas
coisas como expressão de fé, como obras de misericórdia, e não por pensarmos
que podemos aperfeiçoar o mundo. Não nos cabe a nós dobrar o arco da história.
Nós não procuramos a perfeição das coisas presentes, mas sim mantermo-nos fiéis
àquele grande evento do passado, enquanto esperamos o seu cumprimento no
futuro.
Assim, para o cristão, toda a
história tem sentido, e não apenas um momento fugaz no futuro. O momento
definidor da história está no passado, e por isso podemos olhar para o passado
em busca de sabedoria, verdade e sentido. O passado não nos está vedado. E
olhamos em frente também. O culminar da história está no futuro e por isso
devemos aguardar com esperança – não a perfeição deste mundo – mas a vinda de
Cristo em sua glória.
O Pe. Paul Scalia é sacerdote
na diocese de Arlington, pároco da Igreja de Saint James em Falls Church e
delegado do bispo para o clero.
(Publicado pela primeira vez
no domingo, 27 de Novembro de 2022 em The Catholic
Thing)
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