Stephen P. White |
A eleição levou a uma onda de
histerismo de alguns dos suspeitos do costume nos media católicos, que acusaram
os bispos de estarem a “repudiar” o Papa Francisco, ou de estarem a optar por
um “Catolicismo pós-episcopal”. Os argumentos em si não merecem ser rebatidos
neste espaço.
O que vale a pena fazer é
discutir a importância desproporcional que se tem atribuído nos últimos anos a
estas eleições, bem como à própria conferência episcopal.
A principal função da
conferência episcopal é ajudar os bispos no seu ministério. Muito, se não mesmo
a maior parte do trabalho da USCCB é feito por funcionários, que são na maioria
leigos. O que significa que o papel principal do presidente é sobretudo
administrativo, e não pastoral, embora seja verdade que o presidente pode
moldar (mas não ditar) o trabalho e as prioridades da conferência, e que representa
a Igreja americana em Roma.
Mas a USCCB não é, certamente,
a sede da Igreja Católica nos Estados Unidos. Nem sequer é o órgão que governa
o Catolicismo americano (embora os bispos, no seu conjunto, tenham alguma
capacidade para criar leis particulares). O presidente da conferência episcopal
não é um patriarca dos Estados Unidos, nem o pastor-mor da Igreja americana.
Nada disto significa que a
conferência, ou a sua liderança, não são importantes. São. Mas a sua importância
é sobretudo a de assistência aos bispos. Eles existem para ajudar os bispos no
seu ministério, e não para os substituir.
Desde o início do seu
pontificado o Papa Francisco tem enfatizado e elevado, de várias formas, o
papel das conferências episcopais nacionais e regionais. E não sem razão.
Em primeiro lugar, e mais
importante, o Concílio Vaticano II, em particular no Lumen Gentium e no Christus
Dominus, dá especial atenção ao ministério dos bispos e ao princípio da
colegialidade. Os bispos não são gerentes de sucursais na estrutura empresarial
do catolicismo, nem são apenas delegados da autoridade papal. Os bispos possuem
autoridade legítima própria.
Esta autoridade tem a sua
expressão máxima quando agem de forma colegial, sempre cum Petro et sub Petro
(com e sob Pedro). Daí a imensa importância dada aos concílios ecuménicos. Este
entendimento da autoridade episcopal tem raízes que remontam a muito antes do Vaticano
II, recuando até aos primeiros séculos da Igreja.
No Evangelii Gaudium o
Papa Francisco escreveu que a visão do Concílio Vaticano II para as
conferências episcopais ainda não foi plenamente cumprida, uma vez que “este
desejo não se realizou plenamente, porque ainda não foi suficientemente
explicitado um estatuto das conferências episcopais que as considere como
sujeitos de atribuições concretas, incluindo alguma autêntica autoridade
doutrinal”. O resultado, segundo Francisco tem sido uma excessiva centralização
e uma dependência indevida de Roma. “Uma centralização excessiva, em vez de
ajudar, complica a vida da Igreja e a sua dinâmica missionária.”
Arcebispo Timothy Broglio |
Esta afinidade por uma “descentralização
saudável”, como o Papa Francisco por vezes lhe chama, molda a sua compreensão
da sinodalidade, incluindo, aparentemente, a sua disposição para dar grande
margem de manobra a experiências erráticas de eclesiologia, prática pastoral e
disciplina sacramental como a que está a ocorrer agora na Alemanha.
Mas apesar de toda esta ênfase
na descentralização, este pontificado também foi marcado por alguns gestos
invulgarmente duros de centralização. A implementação da Traditiones
Custodes, por exemplo, limitou substancialmente a capacidade dos bispos
individuais de regulamentar questões litúrgicas nas suas próprias dioceses (em
especial no que diz respeito à Missa Tradicional), chegando ao ponto de ditar
que missas podem ou não ser publicadas nos boletins paroquiais.
O Papa Francisco também promulgou
muito mais legislação do que qualquer um dos seus antecessores. Essa
legislação, por sua vez, tem sido implementada e aplicada de forma algo
irregular e inconsistente (um exemplo são as regras do Vos estis lux mundi
sobre como lidar com casos de abusos sexuais). Frequentemente o estilo de governação
do Papa tem tido o efeito contrário ao pretendido, centralizando a autoridade
em Roma, diminuindo a autoridade individual dos bispos e tornando a pessoa do
Papa (e não a lei, nem o ensinamento magisterial) o ponto de referência
principal da vida católica.
O que nos traz a uma recente
entrevista que o Papa concedeu à América,
a revista dos jesuítas dos Estados Unidos, em que Francisco fez umas
declarações refrescantemente simples e clarificadoras sobre a importância da
autoridade pastoral dos bispos em relação às conferências episcopais:
Acho que é enganador falar
da relação entre os católicos e a conferência episcopal. A conferência
episcopal não é o pastor, o pastor é o bispo. Por isso corremos o risco de
diminuir a autoridade do bispo quando olhamos apenas para a conferência
episcopal. A conferência episcopal existe para juntar os bispos, para estes poderem
trabalhar juntos, discutir assuntos, fazer planos pastorais. Mas cada bispo é
um pastor. Não dissolvamos o poder do bispo, reduzindo-o ao poder da
conferência episcopal. Porque a esse nível as tendências concorrem, umas mais à
direita, outras mais à esquerda, mais aqui, mais ali, e seja como for a
conferência episcopal não tem uma responsabilidade de pele e osso, como o bispo
tem com o seu povo, um pastor com o seu povo.
As palavras do Papa podem ser
lidas como uma correcção de todos os que consideram as conferências episcopais,
e não os próprios bispos, como a principal fonte de autoridade episcopal na
Igreja. Se a “descentralização saudável” que o Papa deseja vai produzir unidade
em vez de divisão crónica, terá de depender menos da liderança desta ou daquela
conferência episcopal do que daquele bispo – o bispo de Roma – que é
verdadeiramente o primeiro de entre os seus irmãos.
Stephen P. White é
investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em
Washington.
(Publicado em The
Catholic Thing na Quinta-feira, 1 de Dezembro de 2022)
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