Elizabeth A. Mitchell |
Talvez já tenhamos lá estado. Deitados com o homem à beira do caminho, espancados pelo Acusador, feridos pelos nossos pecados, sentindo-nos inanimados e sós. Os espíritos da confusão, da discórdia, ira, insulto, dúvida e medo atacaram-nos quando menos esperávamos. Submetemo-nos a elas e deram cabo de nós. Roubando-nos a alegria e a paz, partiram e continuam a “passear pela terra, a patrulhá-la” (Job 1,7), em busca da próxima vítima.
Cristo identifica a nossa
condição na parábola do homem roubado por salteadores no caminho para Jericó –
a parábola do Bom Samaritano – explicando que “caiu nas mãos de assaltantes.
Estes lhe tiraram as roupas, espancaram-no e se foram, deixando-o quase morto”.
(Lucas 10,30)
O abandono do pecado é real.
Sentimo-nos isolados, incapazes de ser tocados pelo outro, entregues nas mãos
dos salteadores mentirosos. Os ladrões espirituais destroçaram as nossas almas
e partiram, deixando-nos a definhar.
E quando damos por nós nesta
condição, juntos ao homem deitado à beira do caminho, incapazes de nos
levantarmos e de restaurarmos a graça nas nossas almas, onde podemos procurar
ajuda? Que mão amorosa nos procurará? Como podemos ser restaurados quando
estamos já sem forças?
Recentemente estava à espera
de me confessar e percebi que todos nós que estávamos na fila estávamos à beira
daquele caminho. O caminho para Jericó. E que só uma pessoa é que iria parar,
com toda a sua compaixão, e aceitar tocar nas nossas feridas e ligá-las: o
padre, na confissão, agindo em nome de Cristo.
Com o seu vinho e óleo para os
nossos pecados, o Espírito Santo ministra-nos através do sacerdócio
sacramental. “Mas um samaritano, estando de viagem, chegou onde se encontrava o
homem e, quando o viu, teve piedade dele. Aproximou-se, enfaixou-lhe as
feridas, derramando nelas vinho e óleo. Depois colocou-o sobre o seu próprio
animal, levou-o para uma hospedaria e cuidou dele.” (Lucas 10, 33-34)
A única coisa que nos pode
sarar, que pode restaurar as nossas almas, é a graça de Deus. Ele vem ao nosso
encontro com profunda misericórdia, no meio da nossa exaustão e a incapacidade
de nos curarmos a nós mesmos, e unge-nos com compaixão. O Senhor Deus, no seu
poder e na sua misericórdia, levanta-nos da beira do caminho.
No seu Tratado Contra as
Heresias, Santo Ireneu descreve esta graça como o “orvalho divino”, explicando:
“Por isso necessitamos deste
orvalho divino para produzirmos fruto e para que não sejamos lançados ao fogo;
e já que temos quem nos acusa, tenhamos também um Advogado, pois que o Senhor
encomenda ao Espírito Santo o cuidado do homem, sua propriedade, que havia
caído em mãos de ladrões, compadecendo-se de suas feridas.”
Somos levantados do caminho, e
colocados no animal de carga do Senhor, levados para a hospedaria e
restaurados. Por pura compaixão. Pura misericórdia. Lucas continua: “No dia
seguinte, deu dois denários ao hospedeiro e lhe disse: 'Cuide dele. Quando eu
voltar, pagarei todas as despesas que tiver'”. (Lucas 10,35)
Juros para o Senhor.
Pelo nosso encontro com Deus e
com a Sua graça, somos restaurados. E somos restaurados para O servir. O facto
de termos estado deitados à beira do caminho teve um propósito. Estávamos lá
para podermos ser colocados mais plenamente e para sempre sob o comando de
Cristo, para sermos postos ao seu serviço uma vez restaurados para a vida e
para a força. Fomos marcados pela imagem e pela inscrição do Pai e do Filho,
que nos deram a cura e a salvação divina. Foi-nos dada uma missão e um
propósito.
Jesus termina o seu
ensinamento, dizendo “vá e faça o mesmo”. (Lucas 10,37)
Vá e faça o mesmo. Nós podemos
ser vasos de misericórdia, jorrando óleo e vinho sobre as almas feridas e
maltratadas que nos rodeiam. Estão em todo o lado. Não é preciso ir procurar
nos recantos. Enchem a autoestrada, estão na bomba de combustível, estão na sua
casa, sofrendo, a precisar de serem amados debaixo de um exterior duro. Estão
demasiadamente fracos para amar, mas precisam de ser amados. Precisam de
compaixão pura, unilateral. Tal como o Bom Samaritano confia a alma ferida ao
Espírito Santo, também nós devemos fazer o mesmo. Como recebemos, devemos dar.
E a nossa caminhada não
termina na hospedaria ou no caminho para Jericó. Presumivelmente estávamos a
viajar quando fomos assaltados. Recebemos misericórdia pura. Devemos continuar,
diferentes, a nossa caminhada. Com um coração purificado, penitente e
agradecido, partimos pelo nosso caminho no seu serviço, para ir e fazer o
mesmo. “Assim como recebestes Cristo Jesus como Senhor”, diz São Paulo, sob
inspiração do Espírito Santo, “continuai a caminhar nele… fortalecidos na fé
como vos foi ensinada e a transbordar de gratidão.” (Col. 2, 6-7)
Já não nos encontramos
prostrados à beira do caminho. Pela graça fomos renovados. Usando a moeda régia
que foi entregue para o nosso cuidado, confiando-nos ao Espírito Santo,
partimos de novo no caminho do amor misericordioso.
(Publicado pela primeira vez
no Domingo, 20 de Novembro de 2022 em The Catholic Thing)
Elizabeth A. Mitchell, é
doutorada em Comunicação Social Institucional pela Universidade Pontifícia da
Santa Cruz, em Roma, Itália, onde trabalhou como tradutora para a Sala de
Imprensa da Santa Sé e para o L’Osservatore Romano. É decana dos alunos na
Trinity Academy, um colégio católico privado no Wisconson. A sua tese “Artist
and Image: Artistic Creativity and Personal Formation in the Thought of Edith
Stein,” trata o papel da beleza na evangelização pela perspetiva de santa Edith
Stein. Mitchell faz ainda parte da direção do Santuário de Nossa Senhora de
Guadalupe em La Crosse, Wisconsin, e é conselheira do Centro Internacional St.
Gianna e Pietro Molla para a Família e para a Vida.
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