Randall Smith |
Poucas coisas desafiam a nossa tranquilidade e provocam em nós um sentido de temor existencial mais profundo do que a recordação da morte. Se tudo aquilo que procurámos alcançar – tudo o que aprendemos e experienciámos, toda a gente a quem amámos – se resume a nada, haverá, pensamos nós, algum sentido para a vida?
O Vaticano II observa, e bem,
que: “É em face da morte que o enigma da condição humana mais se adensa. Não é
só a dor e a progressiva dissolução do corpo que atormentam o homem, mas
também, e ainda mais, o temor de que tudo acabe para sempre” (Gaudium et Spes,
18).
Ao longo da história muitas
pessoas se convenceram de que deve haver uma vida depois da morte para que a
vida tenha algum sentido. E, porém, algumas das concepções da vida depois da morte
também tornam esta vida sem sentido.
Se o Céu é assim tão
maravilhoso, porquê perder o nosso tempo na terra? E o que é feito de tudo aquilo
pelo qual nos esforçámos? Todas as nossas relações, os nossos amores, a nossa
dedicação aos outros? As coisas que amamos são simplesmente abandonadas quando
morremos? Para muitos, mesmo aqueles que crêem na vida depois da morte, o maior
medo que existe é de perderem as ligações com aqueles que amam.
Assim, também, a ideia do tipo
de boa vida que devemos ter nesta vida não deve contradizer a vida abençoada no
Céu, e vice-versa. Se a “melhor vida para o homem” é uma vida de virtude, então
não podemos, sob risco de sermos culpados de grave inconsistência, afirmar que
a vida dos bem-aventurados no Céu envolve relações sexuais dissolutas com setenta
virgens.
De igual modo, se um cristão
crê que o Céu é um reino de amor abnegado de Deus e dos outros, mas vive a vida
presente em busca de riqueza, poder e estatuto, então essa pessoa não
compreendeu a relação essencial entre esta vida e a próxima.
Uma das coisas que a divina
Revelação nos mostra, e que se confirma de forma mais plena nas aparições de
Jesus Ressuscitado, é que a promessa de Cristo de vida eterna inclui a
ressurreição do corpo. Infelizmente, muitos cristãos parecem não ter noção
desta crença central da nossa fé. Apesar de repetirmos em cada recitação do
credo que cremos “na ressurreição da carne”, é raro o cristão que
verdadeiramente se apercebe deste ensinamento cristão.
Se um cristão afirma que a
morte implica a libertação da alma do corpo, como Sócrates parece ter
defendido, então estariam em contradição não apenas com o ensinamento de São
Paulo sobre a ressurreição da carne, mas também com o entendimento cristão da
unidade intrínseca entre corpo e alma. Mesmo os cristãos que sabem que a fé
implica acreditar na ressurreição da carne perguntarão o que é que isso
significa.
Esta é, obviamente, uma
questão muito importante, demasiado complexa para encaixar num curto artigo
como este, por isso o leitor perdoar-me-á se eu aproveitar para falar do meu
novo livro, From Here to
Eternity: Reflections on Death, Immortality, and the Resurrection of the Body
que acaba de ser publicado pela Emmaus Press. Deixem-me dar-vos só umas luzes,
para que decidam por vós se é o género de coisa que gostariam de ler (ou de
oferecer a muitos amigos – não que eu esteja a insinuar nada…).
Essa revelação assegura-nos que,
depois da morte, podemos, se respondermos às graças que Deus nos deu, partilhar
de forma plena no amor trino de Pai, Filho e Espírito Santo. Mas mostra também
que estaremos unidos a Deus de tal forma que não perdemos a nossa identidade ou
a nossa relação com aqueles que amamos. O Cristo ressuscitado que se revela a
si mesmo no Cenáculo continua a ser Jesus, aquele que eles conheciam, e não um
“espírito” gnóstico que se libertou depois da morte do seu corpo.
Maria e os Santos não foram
“absorvidos” por Deus como uma gota de água a regressar ao oceano. Permanecem
pessoas distintas, ainda ligadas a nós no amor, mas cada vez mais intimamente,
não só junto a nós, mas agora acima e dentro de nós, rezando por nós de uma
forma ainda mais potente a cada momento, unidos a nós precisamente porque
unidos ao Corpo Ressuscitado de Cristo.
A Ressurreição de Cristo e a
ressurreição geral dos fiéis dão-nos esperança – não apenas a esperança de uma
fuga desta vida, deixando para trás todos aqueles que amamos, mas sim uma
esperança na transformação e na redenção desta vida – uma caminhada que, ainda
que apenas encontre o seu destino na próxima vida, começa agora, hoje, nesta
vida.
“Fomos sepultados com ele na
morte por meio do batismo”, escreve São Paulo aos Romanos, “a fim de que, assim
como Cristo foi ressuscitado dos mortos mediante a glória do Pai, também nós
vivamos uma vida nova.”
Tal como a Igreja há muito que
ensina que a graça não viola a natureza, antes a aperfeiçoa, assim também a
noção cristã da vida depois da morte não nega o valor desta vida, mas
aperfeiçoa-a. A promessa cristã é de que, quando vivemos as nossas vidas em
continuidade com Cristo crucificado e ressuscitado, estamos a viver agora uma
antevisão da vida de que gozam os bem-aventurados – todos os santos que por
estes dias celebramos – no Céu.
Assim, a mensagem crista é
esta: Comecem a viver agora a vida do céu, que é a vida do Cristo crucificado e
ressuscitado, uma vida purgada do nosso falso eu e do seu egoísmo, abrindo
assim caminho para uma “vida eterna”, uma vida devotada ao amor abnegado por
Deus e pelo próximo. A “Boa Nova” é o conhecimento de que nenhum poder no
mundo, por maior que seja, nem mesmo a morte, pode separar-nos desse amor por
Deus e pelo próximo.
Randall Smith é professor de
teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez
em The
Catholic Thing na terça-feira, 1 de Novembro de 2022)
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