Anthony Esolen |
Recentemente fui repreendido
por uma mulher que defendia o direito ao aborto porque, dizia, “algumas pessoas
gostam de ter sexo recreativo” e não deviam ter de se preocupar com gravidezes
e partos no caso das hormonas sintéticas falharem, como tantas vezes acontece.
Pensei nessa expressão, “sexo
recreativo” e como é cansado, estagnado, chato e pouco rentável o fingimento de
que um homem e uma mulher se podem unir naquele acto singular sem que haja
qualquer outro significado, como se fossem apenas fitas de velcro presas uma à
outra por umas horas.
Os nossos corpos são mais sinceros.
Eles preparam-se de inúmeras formas que ainda estamos a descobrir para gerar a
criança que poderá ser o fruto dessa união. Mas nas mentes abstraídas de quem
apenas quer brincar não existe criança, não existirá criança, não há nada se não
“recreação”.
E essa tentativa de sintetizar
o acto é tão esforçada que a deixa desprovida de verdadeira humanidade.
Não faz sentido. De facto,
muitas coisas deixam de fazer sentido no preciso instante em que dizemos que
são recreativas. Pode-se rezar durante um jogo de futebol, ou durante um picnic.
Até devemos fazê-lo! Mas embora se esteja a rezar rodeado de divertimento e
pessoas a descontrair, a oração em si não é recreativa, nem poderia ser sem
deixar de ser oração. Se estou a brincar às orações, não estou a rezar.
A guerra pode fazer com que um
homem se sinta mais vivo do que alguma vez se sentiu em tempos de paz, como me admitiu
certa vez um velho sábio. Mas não se pode travar uma “guerra recreativa”. Se é
recreação, então não é guerra, e se é guerra, certamente não é recreação. A não
ser que se seja um mercenário insensível ou um monstro moral, não se parte para
a guerra a não ser que seja a valer.
Poderá conhecer o seu futuro cônjuge
num ginásio, num estádio, ou a subir uma montanha, e poderá gostar de
aproveitar o ar livre com ele, mas não existe tal coisa como “amor recreativo”,
sob risco de deixar de ser amor. O amor é refrescante, torna o nosso lazer mais
doce; o amor está para lá das coisas do dia-a-dia.
Mas se aquilo a que chama amor
é apenas algo que faz por ser divertido, então não há mesmo amor no que está a
fazer. Os sorrisos são todos oferecidos, custam pouco, mas o coração não se dá
de barato.
Porque o amor, como diz São
Paulo, tudo suporta, tudo crê, tudo espera, tudo aguenta, e não existe amor
maior do que a de um homem que dá a vida pelos seus amigos, diz Jesus.
E estes pensamentos trazem-nos
de volta à questão fundamental: “O que é que andas a fazer?” A resposta não
está numa manifestação de intenções, de motivos, de sentimentos ou de ideias,
que frequentemente são apenas autorizações que passamos a nós mesmos para manter
as consciências adormecidas.
Suponha que o João está a
preparar um prato de restos traçados com veneno. “Toma Bobby”, diz, enquanto
chama o cão do vizinho, “anda comer”. Queremos mesmo saber o que se passa na
cabeça do João? O que o levou a querer fazer aquilo? O que pretende alcançar?
As suas teorias pessoais sobre a alma dos caninos? Será que o deixaríamos dizer:
“Isto para mim é apenas recreação. Estou a vingar-me do António. É um jogo. Ele
está a ganhar por quatro pontos, mas com isto eu passo novamente para a frente”.
Isso não seria ainda pior?
Duas pessoas jovens e
apaixonadas cedem aos seus desejos, embora não estejam casadas. Aquilo que
estão a fazer não é um mal em si, mas apenas pelas circunstâncias. Se fossem
casados, seria uma coisa gloriosamente boa.
Isto nós compreendemos. Há algo
do coração neste pecado, não obstante ser pecado, e embora o pecado não possa
gerar nada de bom, os dois poderão, de uma forma confusa, estar a apontar para
o bem. Mas quando os dois não estão apaixonados de todo, sem um pingo sequer de
paixão, a fazer “desamor” por recreação? Isso já me custa mais a entender.
Uma das razões para isso, como
já sugeri, é que a Igreja voltou a minha atenção para aquilo que é real. O que
é que acontece quando os dois se fundem? Que ser poderão gerar? Que tipo de
criatura será essa criança? Qual será a sua relação com o tempo e a memória?
Porque é que é errado que um
ser que se recorda, que imagina, que providencia e que espera seja gerado por
recreação? Nascer com um pai e uma mãe que não estão comprometidos um com o
outro para a vida? Nascer sem uma família estável, numa longa linhagem de
famílias em iguais circunstâncias que se estende para o passado e para o
futuro?
Que ser é esse no útero? Não
sem organização, como uma verruga; não inerte, como uma bolota no passeio; não
inanimada, como um cristal; não morto, nem meramente vida em potência; nem
canino, nem felino, nem nada para além de humano, com todas as capacidades de
um homem, latentes, mas em desenvolvimento, com maravilhosa complexidade,
exactidão e rapidez; uma criança, nossa irmã.
Quão misteriosa e bela é esta
criança! A Igreja dirige-me os olhos e a alma para essa beleza objetiva.
O pecado mascara-se de “realismo”,
no sentido em que assenta sobre a forma habitual do homem se ausentar da
realidade. Mas as coisas que estão escondidas serão trazidas para a luz.
Algumas dessas coisas
escondidas estiveram todo este tempo diante dos nossos olhos. Nem poderemos
dizer ao nosso Juiz: “Se eu soubesse!”. Admitiremos a verdade. “Eu sabia,
Senhor, mas não queria saber. Tem misericórdia da minha alma.”
Anthony Esolen é tradutor,
autor e professor no Providence College. Escreveu, entre outros, Out of the Ashes: Rebuilding American Culture,
and Nostalgia: Going Home in a
Homeless World, e mais recentemente The Hundredfold: Songs for the Lord. É
professor e autor residente na Magdalen College of the Liberal Arts, em Warner,
New Hampshire. Pode visitor o seu site em: Word and Song.
(Publicado pela primeira vez no
sábado, 5 de Novembro de 2022 em The Catholic Thing)
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