Randall Smith |
Há várias semanas escrevi aqui uma coluna em que sugeria que um católico de consciência bem
formada não pode votar num candidato que é a favor do aborto quando existe outro
que se opõe, tal como no passado um católico de consciência bem formada não
poderia justificar votar num candidato pró-escravatura ou pró-nazi.
As respostas que recebi sugerem
que é fácil perder de vista o que é realmente importante, no meio de um mar de
temas secundários.
Alguns acusaram-me de ter
comparado Obama a Hitler, apesar de o nome do Presidente nunca ter aparecido no
artigo. Trata-se de uma incompreensão sobre analogias, que envolvem sempre a comparação
de coisas diferentes.
Se eu disser que o terço está
para o dominicano como a espada está para o soldado, não estou a equiparar os
dominicanos aos soldados. Antes, estou a contrastar a relação que o dominicano
tem com o seu terço com a que o soldado tem com a sua espada (ambos a usam à
cintura). A questão é que, tal como os
nossos antepassados, nós também temos de enfrentar desafios morais cruciais.
Outros responderam com o
argumento de que os cortes propostos para o sistema de saúde Medicare poderão trazer um aumento de
abortos, apesar de não haver quaisquer dados estatísticos que o sustentem. Isto
sem mesmo ter em conta que, por um lado, se agora não fizermos nada sobre o
Medicare terá de haver cortes muito mais preocupantes no futuro e, por outro,
que não podemos tomar decisões sólidas com base em consequências
imprevisíveis.
Hoje em dia não teríamos muita
paciência para alguém que, em 1858, argumentasse que ia votar em Douglas
porque, se a economia melhorasse, talvez diminuísse a pressão para alargar a
escravatura.
Que diríamos sobre um eleitor
desses se a economia acabasse por não melhorar – se, pelo contrário, piorasse
bastante – e ele continuasse a votar no Douglas? Começaríamos a pensar que as
preocupações expressas pelos escravos eram afinal uma mentira, para dar
cobertura aos seus verdadeiros interesses.
Também houve quem afirmasse que
certos candidatos actuais não são suficientemente pró-vida, ou que “não faz
qualquer diferença”. Na altura de Lincoln também se faziam argumentos do
género, de que não era suficientemente anti-escravatura (e na verdade não era),
ou de que não seria capaz de mudar nada. Mas isso não passa de sofismas.
Não vivemos num mundo de
candidatos perfeitos, mas pense no seguinte: No dia em que um presidente pró-vida assumir funções: A proibição de usar fundos públicos
para promover abortos no estrangeiro volta a aplicar-se; As leis contra a
experiências com células estaminais embrionárias também; Isto para não falar na
possibilidade de se poder nomear um juiz do Supremo Tribunal (ou dois), que
poderia votar contra o aborto em vez de a favor, o que seria certamente o
cenário contrário.
A única forma de refutar a
proposição de que um católico com consciência bem formada não pode votar a
favor de um candidato pró-aborto quando existe outro que seja pró-vida, da mesma
forma que não poderia votar a favor de um candidato que fosse pró-escravatura
ou pró-nazi, seria argumentar que: (A) Um católico de consciência
bem formada poderia ter votado a favor de um candidate pró-escravatura ou
pró-nazi (será que alguém acredita nisso?), ou (B) Que o aborto não é um mal tão grave como a
escravatura ou o genocídio Nazi.
É importante realçar que o
juízo sobre a gravidade moral do aborto não é meu, é da Igreja. Quem praticar,
ou cooperar formalmente na prática de um aborto incorre em excomunhão
automática à luz do direito canónico (cânone 1398).
A
declaração sobre aborto provocado, publicado pela Congregação para a
Doutrina da Fé em 1974 afirma: “O primeiro direito de uma pessoa humana é a sua
vida. Ela tem outros bens e alguns deles são mais preciosos; mas este — da vida
— é fundamental, condição de todos os demais.”
“Ora, a inviolabilidade da pessoa, reflexo da
inviolabilidade absoluta do próprio Deus, tem a sua primeira e fundamental
expressão na inviolabilidade da vida humanaÉ totalmente falsa e ilusória a
comum defesa, que aliás justamente se faz, dos direitos humanos — como por
exemplo o direito à saúde, à casa, ao trabalho, à família e à cultura, — se não
se defende com a máxima energia o direito à vida, como primeiro e fontal
direito, condição de todos os outros direitos da pessoa.”
Mais, no Evangelium Vitae, João Paulo II deixou claro que, embora haja uma vasta gama de questões ligadas à vida e ataques à dignidade humana sobre as quais nos devemos
preocupar, o aborto e a eutanásia são de “outra
categoria” e de “gravidade
extraordinária”.
Finalmente, em 1998, no
documento “Living the Gospel of Life: A Challenge to American
Catholics,” os bispos
americanos declararam:
“Introduzir o respeito pela dignidade humana na vida
política pode ser um tarefa assustadora. Há uma grande variedade de questões
que envolvem a protecção da vida e a
promoção da dignidade humana. É frequente pessoas boas discordarem sobre quais
os problemas a abordar, que políticas adoptar e a melhor maneira de as aplicar.
Mas tanto para cidadãos como para políticos o princípio base é simples: Devemos
começar com o compromisso de nunca matar intencionalmente, nem cooperar com a
morte de, qualquer vida humana inocente...”
Por outras palavras, há certas
escolhas de acção que são sempre incompatíveis com o amor de Deus e com a
dignidade da pessoa humana criada à sua imagem. O aborto directo nunca é uma
opção tolerável. É sempre um acto grave de violência contra uma mulher e o seu
filho por nascer.
A Igreja tem sido tudo menos
pouco clara sobre este assunto. A questão passa por saber se os católicos se
consideram obrigados a formar as suas consciências de acordo com os repetidos
ensinamentos da Igreja e depois agir conforme, ou se preferem tomar a atitude
equivalente a tapar as orelhas e gritar: “não
estou a ouvir, não estou a ouvir!”
Quem tem ouvidos que ouça. O
sangue dos nossos filhos clama do chão.
Randall Smith é professor de
teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.
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Eu não sou católico romano, mas sou cristão e pergunto: ok, não vou votar num candidato pró-aborto, mas será que vou votar num candidato que apoia a NRA e a sua política de expansão e liberalização de armas (que servem para destruir vidas, até duplas, se a vítima estiver grávida), será que vou votar num candidato que apoia multinacionais que não olham a meios para aumentar os seus lucros e expropriam terrenos e propriedades de indivíduos pobres, será que vou votar num candidato que acha que aqueles que criticam a utilização de combustíveis fósseis e a sua indústria altamente subsidiada são anormais de esquerda? é que para mim sempre me pareceu que esta polarização de escolha de um candidato só porque ele é pró-aborto ou pró-vida se torna redutora. E logo eu que sou anti-aborto.
ReplyDeleteÉ melhor votar num candidato que chama "anornmal de esquerda" até mesmo à Madre Teresa de Calcutá, ou que apoie a venda de armas, do que apoiar aqueles que usam essas mesmas, ou outras armas - o bisturi, aspirador e o que mais - para matar inocentes. Sim; parece-me que um católico tem a obrigação de votar num comuna que proponha a ditadura do proletariado do que num liberal que apoie o aborto. Pode-se dizer que o comunismo acabará por levar a que se liberalise o aborto e a democracia ajudará a que a verdade venha ao de cima. Mas isso são outros 500 mil reis e outras eleições. A primeira obrigação é votar naquele ou naqueles que se comprometam a proteger o bem maior que é a vida. Tudo o resto só existe depois de garantido este.
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