Estamos em plenas comemorações do 50º aniversário da
abertura do Concílio Vaticano II. Temos tido muita gente a comentar o Concílio
e a partilhar as suas recordações daquele evento, mas sinto que tem havido
falta de vozes de pessoas que vivem a Igreja mas que não eram sequer vivas nos
anos 60.
Tenho 32 anos. O Concílio começou, portanto, 18 anos antes
de eu nascer. Na casa e no ambiente onde cresci o Concílio e as suas decisões
nunca foram postos em causa nem questionados. Para a maioria das pessoas da
minha geração o Concílio Vaticano II tem tanta relevância e tanto interesse
como o Vaticano I, ou o Concílio de Calcedónia. História.
E penso que essa é precisamente a primeira questão a
assinalar. As pessoas que viveram a época do Concílio, particularmente aquelas
que participaram directamente nele ou vibraram mais com ele, não parecem
compreender porque razão a minha geração não sente as coisas da mesma forma ou,
nalguns casos, até parece exibir interesse por aspectos da Igreja pré-conciliar
que, em poucos casos, se manifesta como hostilidade para o Concílio em si.
Estamos sempre a ouvir que o Concílio teve lugar numa época
de grande entusiasmo e de grande optimismo, “os loucos anos 60”, em que parecia
que o mundo estava a mudar e tudo iria ser diferente. Contagiados por esse
ambiente, os padres sinodais procuraram “abrir uma janela” para o mundo,
reconciliar-se com o mundo, etc.
Mas para os católicos da minha geração, e penso não estar a
exagerar, os anos 60 não são vistos dessa maneira. O entusiasmo e optimismo
parecem-nos, daqui, ingénuos e precipitados. As únicas pessoas da minha idade
que vibram com os anos 60 e procuram dar continuidade ao seu ambiente nos
nossos dias, normalmente são os mesmos que revelam total incompreensão pelas
minhas posições morais e religiosas.
Portanto perdoem-nos se não temos o mesmo entusiasmo.
Provavelmente os nossos filhos e netos sentirão o mesmo em relação aos nossos
entusiasmos e paixões, daqui a 40 anos.
Mas claro que não podemos confundir o ambiente dos anos 60
com o Concílio propriamente dito. Aqui, contudo, gostaria de clarificar uma
coisa. Para mim o concílio são os documentos conciliares. Ponto final. Esses
são, evidentemente, pedra fundamental da construção da Igreja, modelam a forma como
vivemos hoje a nossa fé e dos que conheço melhor são muito inspiradores.
Não tenho, por isso, nada contra o Concílio. É importante
que isso fique claro.
Mas o respeito que tenho pelo concílio não se estende a um
qualquer “espírito” mal definido que vai muito para além dos documentos e que
em muitas partes do mundo foi levado a extremos que, considero, prejudicaram os
fiéis e violaram o direito que estes têm a receber e a conhecer a verdadeira fé
da Igreja.
Esses abusos litúrgicos e doutrinais fazem mal à Igreja, ferem-na. Mas não concordo também com quem as absolutiza, como se o legado do
Concílio se resumisse a eles. Cinquenta anos é muito pouco tempo para fazer um
balanço de algo tão importante na história da Igreja. Tendemos a esquecer isso.
As coisas extremaram-se em muitos casos, o entusiasmo terá ido longe de mais,
mas voltarão ao centro. Aliás, já começaram a voltar, penso. É preciso
paciência e, claro, oração.
Hoje vi um cartoon que mostrava uma igreja vazia. Um padre
diz: “O Concílio abriu a Igreja”, ao que o acólito responde: “E os fiéis saíram”.
Pode ser verdade… e nesse sentido, aqueles que apontam a “abertura da Igreja ao
mundo” como a grande conquista do concílio poderão estar enganados. Por outro
lado, podemos perguntar se muitas dessas pessoas estavam lá convictas ou não…
os ortodoxos não tiveram reforma litúrgica nem concílio, mas têm as igrejas
igualmente vazias, ou mais.
Mas o Concílio não foi só isso. Foi também, para dar só um
exemplo, o abandono de uma atitude triunfalista e arrogante no que diz respeito
ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso e o investimento na construção de
relações, primeiro de amizade, com outros cristãos que, com a ajuda de Deus, conduzirão
à plena comunhão no futuro.
Quanto à fuga dos fiéis, se a Igreja for verdadeira e fiel à
sua missão, muitos hão-de voltar. Talvez sejamos uma Igreja mais pequena no
futuro, mas isso não nos deve preocupar. Seremos, certamente, uma Igreja mais
cristã, mais católica, onde todos, incluindo os leigos, podemos desempenhar
papéis mais úteis e informados. Isso também é uma conquista do Concílio.
Finalmente uma recomendação aos católicos da minha geração.
Familiarizem-se com o Concílio. Conheçam os documentos, leiam-nos. Aproveitem o
Ano da Fé para isso. Já agora, aos mesmos, a caixa de comentários está aberta
para partilharem também as vossas experiências, já que não presumo que fale por
todos.
Filipe d'Avillez
Aqui está um excelente texto escrito pelo Pe. Duarte da Cunha. Apesar de não ter sido em resposta ao meu convite, é exactamente aquilo que pretendo, vindo, claro está, de uma pessoa com melhor formação teológica e melhores conhecimentos da história da Igreja que a maioria de nós.
ReplyDeleteA ler neste link: http://senzapagare.blogspot.it/2012/10/50-anos-depois-do-inicio-do-concilio.html
Filipe:
ReplyDeleteSubscrevo tudo o que disse neste «post».
Há hoje uma certa crispação quando se fala no Concilio Vaticano II:
- os Progressistas acham que foi uma “ocasião perdida de adaptação ao mundo contemporâneo” (em que sentido ?) ou que foi traído pelos Papas que se seguiram ( e até por Paulo VI, que em grande parte o dirigiu - mais que João XXIII, até);
- os Conservadores (já para não falar dos Integristas, que o rejeitam quase na totalidade) acham que ele foi em grande parte responsável pela crise que a Igreja ainda hoje atravessa (resumindo: decréscimo das vocações sacerdotais e da assistência à Missa dominical, aberrações litúrgicas, teólogos dissidentes, escândalos de abusos sexuais, etc.)
O seu comentario põe os “pontos nos is”:
- Há que distinguir o que o Concilio realmente disse (ler os seus documentos, no fundo - quantos o fizeram ?), do chamado “espírito do Concilio”, em que muitos, levados pela sede de novidades e pelo clima de contestação dos “loucos anos 60”, se acharam no direito de fazer e dizer.
Não há regresso possível a um “antes do Concilio”, mas sim a uma leitura dos documentos à luz da Tradição da Igreja , sem ilusões rupturistas-progressistas (tipo anos 60), mas também sem ilusões “restauracionistas”.