Randall Smith |
Em abono da verdade, devemos
esclarecer que Douglas repetiu insistentemente que não era a favor da escravatura,
mas foi também um dos arquitectos da noção de “soberania popular”, isto é,
deixar que os Estados decidam a questão por si.
Assim, Douglas declarou que:
Acredito que a humanidade e o
Cristianismo ambos requerem que o negro deva ter, e possa beneficiar de, todos
os privilégios e todas as imunidades consistentes com a segurança da sociedade
na qual vive. Sobre isso, presumo, não pode haver diversidade de opinião. Somos
obrigados a estender aos seres dependentes e inferiores todo o direito, todo o
privilégio, toda a facilidades e imunidade que sejam consistentes com o bem
público.
A questão que surge é, então, que
direitos e privilégios são consistentes com o bem público? Esta é uma questão
que cada Estado e cada Território deve decidir por si. O Estado de Illinois já
decidiu. Decidimos que o negro não deve ser escravo e também que não deve ser
um cidadão, mas protegêmo-lo nos seus direitos cívicos, na sua vida, na sua
pessoa e propriedade, negando-lhe apenas todos os direitos políticos e
recusando colocá-lo num nível de igualdade com o homem branco. A política do
Illinois é satisfatória para o Partido Democrático e para mim, e se assim fosse
para os republicanos então não haveria nada a discutir; mas os republicanos
dizem que ele deve ser um cidadão e quando isso acontece ele torna-se nosso
igual, com todos os nossos direitos e privilégios. Eles dizem que a decisão
Dred Scott é monstruosa porque nega ao negro o direito à cidadania à luz da
Constituição. Ora, eu considero que o Illinois tinha o direito de abolir e
proibir a escravatura, como fez, e considero que o Kentucky tinha o mesmo
direito de manter e proteger a escravatura que o Illinois tinha de a abolir.
Por outras palavras, Douglas era o
típico candidato pró-escolha: Defendia a liberdade de escolha para todos –
excepto para os americanos negros que não eram inteiramente pessoas à luz da
lei de então. Quanto à sua garantia de que os negros deviam poder gozar de
“todos os direitos, todos os privilégios” consistentes com o bem público,
trata-se de um caso típico de “duplicidade”: aquilo que oferece tão
generosamente com uma mão, tira de forma brutal com a outra.
E não pensem que Douglas não
tentou classificar Lincoln como um “extremista”, “desalinhado”, próximo dos
abolicionistas “fanáiticos”. Disse-o diversas vezes. Mas o próprio Lincoln
também não tinha um registo imaculado no que diz respeito à escravatura,
optando por compromissos pragmáticos que, sem dúvida, levaram alguns
abolicionistas a optar por um candidato mais “puro”. Assim, é natural que
muitos grupos tenham votado contra Lincoln: os que discordavam da sua posição
sobre a escravatura; os que estavam convencidos de que ele não era
suficientemente contra e aqueles que pensavam que a escravatura era apenas uma
de entre várias questões e que, pensando bem, preferiam o Douglas.
Lincoln e Douglas... muito mais que economia |
Seria errado colocar todos os
assuntos a par da escravatura em termos de importância, mas seria igualmente
errado esquecer que há momentos na história em que as injustiças que surgem
tornam tudo o resto insignificante, pese embora a seriedade da situação não
seja clara para todos na altura.
Não existiam Nazis na Alemanha
depois da Segunda Guerra Mundial, porém o partido tinha sido eleito por largas
maiorias em todas as eleições até que a guerra começou a correr mal em 1942.
Hoje ninguém olha para trás e diz: “Sim, o candidato Nazi era a favor da
deportação de judeus, mas se calhar tinha boas políticas económicas.” As
políticas económicas não interessam a ninguém.
A expressão “mas eles puseram os
comboios a correr a horas!”, outrora usada para justificar o apelo dos Nazis, é
hoje recebida com particular desprezo porque sabemos qual era a carga humana
desses comboios. Nem temos grande pachorra para aqueles que argumentariam que
era melhor votar num candidato Nazi porque, se a economia melhorasse, poderia
diminuir a pressão para deportar judeus. As consequências não intencionais não
podem ser controladas, mas o que as pessoas escolhem favorecer ou restringir
pode. Os candidatos que se opõem à defesa da vida minam o mais básico princípio
fundador da nação.
À medida que nos aproximamos da
eleição presidencial de Novembro faríamos bem em recordar esta história. Daqui
a 200 anos, quando a visão moral for mais clara, alguem quererá saber das
questiúnculas políticas que agora nos dominam? Ou perguntarão simplesmente
(como nós fazemos em relação aos nossos antepassados): quem votou contra o
aborto e quem não o fez?
O ensinamento da Igreja sobre este
assunto tem sido repetida várias vezes; nalguns aspectos é até mais clara do
que era em relação à escravatura ou ao tratamento dos judeus. Muitas vezes
perguntam-me porque é que os bispos alemães não excomungaram os católicos que
votavam nos Nazis. Não sei. Mas também tendo a interessar-me menos pelos
pecados do passado e mais em evitar a minha própria cegueira moral. O juizo é
uma faca de dois gumes.
A Igreja não pode obrigar, como
fazem os governos. Ela pode apenas apelar à consciência dos homens e mulheres
de boa vontade. Um católico com consciência bem formada não pode votar a favor
de um candidato que defende o aborto por oposição a um candidato que defende a
restrição do aborto, da mesma maneira que nenhum católico de consciência bem
formada poderia ter votado a favor de um candidato pró-escravatura ou pró-Nazi.
Alguém hoje defenderia que era justificável votar em Douglas em vez de Lincoln?
Não se engane a si mesmo. Aqueles
que têm ouvidos, que ouçam.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St.
Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez em www.thecatholicthing.com na Sexta,
21 de Setembro de 2012)
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Na realidade, já ouvi várias vezes, o comentário que na altura de Salazar é que a economia andava bem, sem grandes considerações sobre a falta de liberdade política ou outra. João
ReplyDeleteNa altura do estado Novo o aborto era proibido e é certo que havia falta de liberdade política.
DeleteMas temos de ver Portugal inserido no espaço e no tempo, bem como, ver as andanças dos outros países europeus na altura.
Hoje em dia o aborto é permitido e alguém diz que há liberdade de algum tipo? Só se houver liberdade para emigrar!
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