Começamos com a Eucaristia.
Acredita que Cristo pode estar verdadeiramente presente na Eucaristia, tal como
se apresentou aos apóstolos no Cenáculo depois da crucifixão? É uma premissa assumidamente
difícil, uma vez que aos nossos olhos continua a parecer apenas pão e vinho. É
por isso que na Idade Média a Igreja tentou clarificar o que significa a “presença
real” na Eucaristia dizendo que, embora os acidentes de pão e vinho permaneçam,
a substância é agora o corpo e o sangue de Cristo. Sim, continua a parecer pão
e vinho, mas Cristo está verdadeiramente presente.
Esta crença na presença real
de Cristo na Eucaristia, e não meramente espiritual, mas real – tão
real como quando temos um amigo na mesma sala – anima a Igreja Cristã desde o seu
começo, de tal forma que os pagãos acusavam os cristãos de canibalismo.
De facto, a Igreja acredita
que Cristo está ainda mais intimamente presente do que esse tal amigo, uma vez
que Ele não está apenas “próximo”, mas “dentro” de nós, com o poder de nos transformar
de maneiras que um amigo, por bom que seja, simplesmente não consegue.
Mas claro que esta premissa da
“presença real” de Cristo na Eucaristia se baseia noutra, o que nos leva à
próxima questão. Acredita mesmo que Cristo estava presente – corporalmente – no
cenáculo depois de ter sido crucificado, tão presente como esteve para os
discípulos durante a sua vida terrena, antes da crucifixão?
Também isto é difícil de
conceber. O Evangelho deixa claro que para os apóstolos não foi mais fácil. As
portas e as janelas estavam fechadas e trancadas, mas eis que Ele estava
presente. Por isso, naturalmente, pensaram tratar-se de um fantasma. Mas os
Evangelhos fazem questão de dizer que não era um fantasma, estava presente em
corpo. Tocaram-no, comeram com Ele, mas depois, tão depressa como apareceu, já
não estava presente.
Esteve presente de forma
corporal, mas com um corpo que não sofria das mesmas limitações que os nossos.
É evidentemente estranho – a não ser, claro, que Ele fosse Deus feito homem.
Então temos a nossa terceira
questão. Será que Deus, o Criador de toda a realidade, encarnou como uma
verdadeira pessoa humana, de nome Jesus, num dado momento da história? Sejamos francos:
esta é a afirmação cristã mais difícil para membros de outras tradições
religiosas aceitarem ou respeitarem. O Deus transcendente, acreditam, simplesmente
não se pode rebaixar ao ponto de se tornar um único ser humano, que viveu num
determinado lugar, num determinado tempo da história.
Parece que estamos a
equilibrar todo o destino do cosmos na cabeça de um alfinete. Algo tão grande
não se pode fazer tão pequeno. Algo tão poderoso não se pode tornar tão fraco.
Se o mundo antigo sabia uma coisa, era que os deuses não podem morrer. Afirmar
que o seu Deus revelou o seu poder ao deixar-se crucificar não é a coisa mais
evidente do mundo. Quando as pessoas olharam para Ele, viram que era apenas
mais um ser humano.
Mas os cristãos acreditam que Deus
estava verdadeiramente presente – por inteiro – nele.
Porém, tudo o que considerámos
até agora baseia-se naquilo que é talvez a premissa mais radical de todas. Será
possível, perguntamos, que aquele que é o Criador de toda a realidade – todo o cosmos,
com triliões de galáxias, estrelas, planetas, cometas e buracos negros, na
maioria a anos luz de nós – nos ama, e ao ponto de se entregar por inteiro e desinteressadamente
a nós para restaurar o dom da humanidade que nós manchámos tão gravemente com o
nosso egoísmo e pecado?
Não estou aqui a argumentar a
favor da Eucaristia. Estas questões têm simplesmente o propósito de clarificar
a questão. Será que o problema é mesmo a questão de Cristo estar presente na
Eucaristia, ou será que as dúvidas e dificuldades começam muito mais atrás e
vão mais fundo? Faria sentido. Nada do que eu proponho aqui é fácil ou evidente.
De facto, parece-me que se torna cada vez mais difícil quanto mais fundo se
vai.
Mas depois de aceitar a ideia
enorme de que Deus nos ama de tal forma que encarnou como um ser humano de verdade,
num corpo humano vulnerável e mortal de verdade, e morreu numa cruz, acreditar
na possibilidade de Ele se fazer presente no pão e no vinho parece coisa de
pouca monta.
É um pouco como acreditar que
Cristo pode ressuscitar os mortos, mas depois duvidar da sua capacidade de
curar uma pessoa com lábio leporino. Porquê? É demasiado insignificante? Não é suficientemente
“grande” para o seu Deus grande e poderoso? Então e você e os seus problemas
também são demasiado insignificantes para o seu Deus grande e poderoso?
Talvez essa seja a verdadeira questão. O universo está vazio? Alguém se importa? Haverá algum sentido para a vida, sobretudo diante da morte?
Se estamos interessados em
reavivar a fé na Eucaristia, talvez devêssemos começar por aqui. Se não
conseguimos lançar as bases sobre o amor de um Deus-Criador que se fez homem e
morreu por nós, então tudo o resto será edificado sobre a areia e não serão brochuras
com imagens de padres penteadinhos a elevar cálices que nos safam.
Randall Smith é professor de
teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez
em The
Catholic Thing na segunda-feira, 3 de Outubro de 2022)
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Não sei com é nos EUA, mas aqui em Portugal a Igreja é muito mal gerida. Se uma pessoa qualquer gozar ou inventar mentiras sobre um clube de futebol, essa pessoa no minimo vai ter uma resposta dura. Se alguém gozar e mentir sobre Jesus Cristo ou sobre a Igreja, o clero não faz nada para, nem um desmentido para as mentiras mais comuns que se inventam sobre a Igreja (e a Igreja tem 3 rádios nacionais). Infelizmente nessas rádios defende-se mais a elite política do que o catolicismo. Qualquer clube de futebol é melhor gerido que a nossa Igreja.
ReplyDeleteO Isaac Assor, do "E Deus criou o mundo" (programa onde conheci este blog), que é operador turístico em Israel, disse uma vez que a diferença entre um protestante e o católico, é que o protestante tem muita mais cultura e sabe muito mais da Bíblia que o católico. Isto é muito triste, esperamos que a Igreja melhore. Sou um católico firme, mas compreendo os protestantes.