Wednesday, 5 October 2022

Uma Fé Eucarística

Sondagens recentes revelam que muitos católicos já não acreditam na presença real de Cristo na Eucaristia. Não faço ideia como é que se resolve este problema, mas talvez seja útil considerar as seguintes questões.

Começamos com a Eucaristia. Acredita que Cristo pode estar verdadeiramente presente na Eucaristia, tal como se apresentou aos apóstolos no Cenáculo depois da crucifixão? É uma premissa assumidamente difícil, uma vez que aos nossos olhos continua a parecer apenas pão e vinho. É por isso que na Idade Média a Igreja tentou clarificar o que significa a “presença real” na Eucaristia dizendo que, embora os acidentes de pão e vinho permaneçam, a substância é agora o corpo e o sangue de Cristo. Sim, continua a parecer pão e vinho, mas Cristo está verdadeiramente presente.

Esta crença na presença real de Cristo na Eucaristia, e não meramente espiritual, mas real – tão real como quando temos um amigo na mesma sala – anima a Igreja Cristã desde o seu começo, de tal forma que os pagãos acusavam os cristãos de canibalismo.

De facto, a Igreja acredita que Cristo está ainda mais intimamente presente do que esse tal amigo, uma vez que Ele não está apenas “próximo”, mas “dentro” de nós, com o poder de nos transformar de maneiras que um amigo, por bom que seja, simplesmente não consegue.

Mas claro que esta premissa da “presença real” de Cristo na Eucaristia se baseia noutra, o que nos leva à próxima questão. Acredita mesmo que Cristo estava presente – corporalmente – no cenáculo depois de ter sido crucificado, tão presente como esteve para os discípulos durante a sua vida terrena, antes da crucifixão?

Também isto é difícil de conceber. O Evangelho deixa claro que para os apóstolos não foi mais fácil. As portas e as janelas estavam fechadas e trancadas, mas eis que Ele estava presente. Por isso, naturalmente, pensaram tratar-se de um fantasma. Mas os Evangelhos fazem questão de dizer que não era um fantasma, estava presente em corpo. Tocaram-no, comeram com Ele, mas depois, tão depressa como apareceu, já não estava presente.

Esteve presente de forma corporal, mas com um corpo que não sofria das mesmas limitações que os nossos. É evidentemente estranho – a não ser, claro, que Ele fosse Deus feito homem.

Então temos a nossa terceira questão. Será que Deus, o Criador de toda a realidade, encarnou como uma verdadeira pessoa humana, de nome Jesus, num dado momento da história? Sejamos francos: esta é a afirmação cristã mais difícil para membros de outras tradições religiosas aceitarem ou respeitarem. O Deus transcendente, acreditam, simplesmente não se pode rebaixar ao ponto de se tornar um único ser humano, que viveu num determinado lugar, num determinado tempo da história.

Parece que estamos a equilibrar todo o destino do cosmos na cabeça de um alfinete. Algo tão grande não se pode fazer tão pequeno. Algo tão poderoso não se pode tornar tão fraco. Se o mundo antigo sabia uma coisa, era que os deuses não podem morrer. Afirmar que o seu Deus revelou o seu poder ao deixar-se crucificar não é a coisa mais evidente do mundo. Quando as pessoas olharam para Ele, viram que era apenas mais um ser humano.

Mas os cristãos acreditam que Deus estava verdadeiramente presente – por inteiro – nele.

Porém, tudo o que considerámos até agora baseia-se naquilo que é talvez a premissa mais radical de todas. Será possível, perguntamos, que aquele que é o Criador de toda a realidade – todo o cosmos, com triliões de galáxias, estrelas, planetas, cometas e buracos negros, na maioria a anos luz de nós – nos ama, e ao ponto de se entregar por inteiro e desinteressadamente a nós para restaurar o dom da humanidade que nós manchámos tão gravemente com o nosso egoísmo e pecado?

Não será essa a raiz do problema? Já não basta a dificuldade de acreditar que existe um Deus que criou a vastidão e a complexidade de tudo quanto há, para agora ter de acreditar que Ele nos conhece e gosta de nós, de todos nós? É simplesmente demasiado difícil de conceber.

Não estou aqui a argumentar a favor da Eucaristia. Estas questões têm simplesmente o propósito de clarificar a questão. Será que o problema é mesmo a questão de Cristo estar presente na Eucaristia, ou será que as dúvidas e dificuldades começam muito mais atrás e vão mais fundo? Faria sentido. Nada do que eu proponho aqui é fácil ou evidente. De facto, parece-me que se torna cada vez mais difícil quanto mais fundo se vai.

Mas depois de aceitar a ideia enorme de que Deus nos ama de tal forma que encarnou como um ser humano de verdade, num corpo humano vulnerável e mortal de verdade, e morreu numa cruz, acreditar na possibilidade de Ele se fazer presente no pão e no vinho parece coisa de pouca monta.

É um pouco como acreditar que Cristo pode ressuscitar os mortos, mas depois duvidar da sua capacidade de curar uma pessoa com lábio leporino. Porquê? É demasiado insignificante? Não é suficientemente “grande” para o seu Deus grande e poderoso? Então e você e os seus problemas também são demasiado insignificantes para o seu Deus grande e poderoso?

Talvez essa seja a verdadeira questão. O universo está vazio? Alguém se importa? Haverá algum sentido para a vida, sobretudo diante da morte?

Se estamos interessados em reavivar a fé na Eucaristia, talvez devêssemos começar por aqui. Se não conseguimos lançar as bases sobre o amor de um Deus-Criador que se fez homem e morreu por nós, então tudo o resto será edificado sobre a areia e não serão brochuras com imagens de padres penteadinhos a elevar cálices que nos safam.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na segunda-feira, 3 de Outubro de 2022)

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1 comment:

  1. Não sei com é nos EUA, mas aqui em Portugal a Igreja é muito mal gerida. Se uma pessoa qualquer gozar ou inventar mentiras sobre um clube de futebol, essa pessoa no minimo vai ter uma resposta dura. Se alguém gozar e mentir sobre Jesus Cristo ou sobre a Igreja, o clero não faz nada para, nem um desmentido para as mentiras mais comuns que se inventam sobre a Igreja (e a Igreja tem 3 rádios nacionais). Infelizmente nessas rádios defende-se mais a elite política do que o catolicismo. Qualquer clube de futebol é melhor gerido que a nossa Igreja.

    O Isaac Assor, do "E Deus criou o mundo" (programa onde conheci este blog), que é operador turístico em Israel, disse uma vez que a diferença entre um protestante e o católico, é que o protestante tem muita mais cultura e sabe muito mais da Bíblia que o católico. Isto é muito triste, esperamos que a Igreja melhore. Sou um católico firme, mas compreendo os protestantes.

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