Pe. Paul Scalia |
Vejamos como o orgulho chega
de facto a todo o lado e tudo afecta. É o pecado de Satanás, a ideia de que ele
podia ser como Deus; que poderia ter a sua extraordinária dignidade e poder sem
Deus. Então Deus responde ao orgulho de Satanás através do humilde São Miguel,
cujo nome significa “Quem é como Deus?”. O orgulho é também o pecado dos nossos
primeiros pais, a ideia de que poderiam ter as coisas de Deus, mas à sua
maneira, que poderiam alcançar as coisas por si, em vez de as receber como
dons. É, no final de contas, uma revolta contra a ordem natural das coisas, que
Ele é Deus e nós não.
O orgulho é o pecado original
também no sentido em que marca o ritmo de todos os outros. Não existe pecado,
do mais leve ao mais gravoso, que não tenha as suas origens na elevação do
nosso intelecto e da nossa vontade acima dos de Deus. Ou melhor, o orgulho
comporta-se de certa forma como uma doença espiritual, que recebemos dos nossos
primeiros pais, que infecta toda a alma, corrompendo até as nossas acções virtuosas.
Como tal, o fariseu nesta
parábola é uma imagem do próprio homem – de cada um de nós. Sofremos do mesmo
mal que ele, se bem que nem sempre dos mesmos sintomas. Se simplesmente nos
recostarmos e o julgarmos sem nos julgarmos a nós mesmos, então não estamos a alcançar
o ponto a que Jesus quer chegar e, o que é mais grave, tornamo-nos como ele.
Reparem em dois dos efeitos
principais do orgulho. Em primeiro lugar isola-nos. “O fariseu tomou o seu
lugar e orou para consigo”. Claro que não devemos orar para nós mesmos, mas o
fariseu é tão egocêntrico que não reza a Deus, mas para si mesmo. Teria mais
piada se não fizéssemos frequentemente a mesma coisa. Talvez não sejamos tão
altivos ou convencidos como o fariseu, mas continuamos a sofrer os efeitos do
orgulho. A nossa oração torna-se rapidamente uma mera conversa com nós mesmos,
sobre nós mesmos. Em vez de rezar a Deus, colocamo-nos diante dele e pensamos
em nós.
Isto ajuda-nos a compreender
as graves palavras do Senhor no final da parábola: “Quem se exalta será
humilhado”. Não se trata tanto de um juízo como de uma afirmação da realidade.
O homem orgulhoso isola-se de tal forma que não deixa espaço para o único que o
pode elevar. Não é que Deus não o ame, mas que ele se isolou de tal forma de
Deus que está a bloquear os efeitos desse amor. Entrará para a eternidade na
companhia de si mesmo, o que é humilhante.
Em segundo lugar, o orgulho
leva a uma mentalidade competitiva. “Eu te agradeço porque não sou avarento,
nem desonesto, nem imoral como as outras pessoas. Agradeço-te também porque não
sou como este cobrador de impostos.” O fariseu, como qualquer pessoa orgulhosa,
deriva o seu valor não da sua relação com Deus, mas de uma comparação com os
outros. De facto, ele olha os outros apenas como adversários. Adoptou a
instrução do demónio ao seu sobrinho no livro “Vorazmente Teu”, de C.S. Lewis:
“Ser, é estar em competição”.
Ironicamente, o homem que na
nossa cultura actual seria visto como sofrendo de falta de autoestima é o que a
parábola apresenta como mais saudável. “Mas o cobrador de impostos manteve-se
afastado e nem levantava o rosto para o céu. Batia no peito e dizia: ‘Ó Deus,
tem pena de mim, pois sou pecador!’” Ao contrário do fariseu, o cobrador de
impostos consegue falar mesmo com Deus. Ele tem noção da relação e do seu lugar
na mesma. Mais, age em concordância, batendo o peito e reconhecendo e
expressando a humildade do seu estado.
Há um debate clássico sobre se
a humildade é uma questão do intelecto ou da vontade. É uma forma de pensar ou
uma forma de agir? Devemos encará-la como ambos: precisamos de mudar tanto a
nossa forma de pensar como o nosso comportamento. Assim, a humildade é, em
primeiro lugar, a avaliação correcta de nós mesmos. É a virtude através da qual
reconhecemos a verdade de que nada somos sem Deus, mas também de que Deus nos
acumulou de bênçãos.
Ao mesmo tempo, a adesão à verdade e o reconhecimento de quem somos requer actos concretos da vontade que os fortaleçam. Sem o comportamento adequado, a forma adequada de pensar enfraquece. Por isso, a Igreja conduz os seus filhos em actos de humildade, sobretudo na sagrada liturgia. Reconhecemos o nosso pecado, batendo no peito como fez o cobrador de impostos. Ajoelhamo-nos e confessamos que não somos dignos. E por aí fora. Estes não são apenas gestos e palavras piedosos, mas actos que nos ajudam a interiorizar a verdade que nada somos – mas que Deus nos deu tudo.
O Pe. Paul Scalia é sacerdote
na diocese de Arlington, pároco da Igreja de Saint James em Falls Church e
delegado do bispo para o clero.
(Publicado pela primeira vez
no domingo, 23 de Outubro de 2022 em The
Catholic Thing)
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"...Assim, a humidade é, em primeiro lugar...": é humildade e não humidade.
ReplyDeleteCorrigido. Obrigado.
DeleteDos melhores textos que já li, obg!
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