Wednesday 19 October 2022

“Reductio” Medieval vs. Reducionismo Moderno

Randall Smith
Quando, depois de uma série de disputas, o grande doutor medieval da Igreja, São Boaventura, foi finalmente admitido como Mestre Regente de Teologia na Universidade de Paris, deu uma das suas duas lições de admissão, um texto conhecido actualmente como “A Redução das Ciências à Teologia”. O título pode ser enganador, contudo, porque aquilo que Boaventura quer dizer quando usa a palavra reductio, em latim, é muito diferente do sentido da palavra actu
al “redução”.

Para nós, “redução” envolve tornar as coisas mais pequenas. Literalmente, porém, a palavra latina reductio significa “conduzir de volta”. Assim, a reductio das ciências à teologia proposta por São Boaventura não envolve diminuí-las para encaixarem na teologia. De todo. Pelo contrário, o seu objectivo era de mostrar como todas as disciplinas, operando de acordo com os seus métodos próprios, podem conduzir-nos a Deus.

Não é que estejamos à espera que os professores de química, biologia ou física façam teologia nas suas aulas. Muito pelo contrário. Partindo da compreensão da criação como uma expressão do divino Logos e a encarnação do amor de Deus, quando um professor de ciências naturais ensina aos seus alunos verdades sobre o mundo, ou sobre o ser humano, está com este acto a conduzir as pessoas ao Deus Criador. Está a ajudar os alunos a “ler” o que os académicos medievais chamavam “o Livro da Natureza”, escrito pela mesma mão que escreveu o “Livro das Escrituras”.

Se estes professores começarem as aulas com uma oração, ou se recordarem os seus alunos que “tudo o que estudamos ajuda-nos a compreender o que Deus escreve no Livro da Natureza”, isso é óptimo. Mas esse deve ser o pressuposto de toda a gente que participa na aula, e não a matéria em si. Não existe nenhum requisito de fazer acção social para provar que é católico. A caridade começa na sala de aula, lecionando com generosidade e excelência.

Professores de química, biologia e física cumprem o seu papel de fomentar uma educação católica precisamente a ensinar química, biologia e física. Não cabe aos professores de teologia dizer-lhes como devem leccionar nas suas aulas, tal como não lhe cabe dizer a um pedreiro como construir uma parede. Há muito que a tradição católica percebeu que cada disciplina tem a sua própria metodologia.

Porém, haverá sempre certas orientações que ajudam as instituições católicas a proteger-se de forças exteriores, umas das outras e até, por vezes, de si mesmas.

Uma universidade católica recordará a cada disciplina que deve evitar tornar-se subserviente às tentações do orgulho, da riqueza, ou do poder, e que não deve ajoelhar-se perante a coacção de governos ou outras agências estatais. A sua principal obrigação deve ser para com a verdade.

Assim, por exemplo, a Economia numa universidade católica nunca deve resumir-se ao lucro, as Ciências Políticas não podem focar-se apenas no poder e o estudo das outras disciplinas, incluindo filosofia e teologia, nunca devem servir apenas o prestígio profissional ou o orgulho. Não estamos na universidade para nos servirmos a nós mesmos ou aos nossos egos, mas aos nossos alunos. Nem devemos servir uma ideologia. Servimos a verdade, porque quando servimos a verdade é a Deus, que é a Verdade, que servimos.

Uma instituição católica também assegurará que cada disciplina respeita os seus próprios limites. Biólogos, químicos e físicos não devem estar a fazer afirmações filosóficas que não são sustentadas pelos métodos das suas disciplinas, tais como “a evolução prova que Deus não existe” (o que é um disparate). Da mesma forma, filósofos e teólogos não devem fazer afirmações sobre as ciências que ignoram os mais recentes desenvolvimentos científicos.

Em tudo o que faz, uma universidade católica deve praticar a reductio, mas deve resistir a todas as formas desnecessárias de reducionismo. Do que falamos aqui?

São Boaventura
Para os efeitos deste artigo, podemos identificar três formas de “reducionismo”.

Primeiro, o “reducionismo metodológico”, através do qual os cientistas procuram “reduzir” os fenómenos aos seus elementos constituintes. “Reduzimos” as coisas materiais às suas estruturas atómicas. “Reduzimos” os traços físicos às causas genéticas. Esta “redução metodológica” é comum às ciências naturais e próprio da sua metodologia.

O problema é que os cientistas, ou mais frequentemente o público, especialmente os media, também enveredam pelo “reducionismo epistemológico” – a afirmação de que depois de reduzirmos as coisas às suas partes constituintes já não há mais nada a saber sobre elas. Por vezes, de forma mais radical, envolvem-se em “reducionismo ontológico”, a afirmação de que as coisas não são mais do que as suas partes constituintes.

A tradição intelectual católica sempre resistiu a estas duas formas de reducionismo. Pedir aos cientistas para evitarem este tipo de erro não é mais do que pedir-lhes que sejam fiéis às suas próprias disciplinas e não enveredarem pela epistemologia ou metafísica.

Mais, uma instituição católica insistirá que todas as disciplinas se mantenham abertas à visão plena da pessoa e do florescimento humano que está no coração da tradição intelectual católica. Todos os que procuram sinceramente a verdade têm um lugar na universidade católica.

Já aqueles que odeiam a fé católica ou que acham que qualquer fé é ridícula, ou que acreditam que a visão católica da pessoa é odiosa e aberrante, ou que querem que a universidade católica procure o dinheiro e o prestígio de outras escolas, devem evitar tornar as suas vidas miseráveis numa universidade católica e arranjar emprego noutro lado qualquer.

Assim, a reductio de São Boaventura e o desejo da universidade católica de ver toda a verdade, seja de que disciplina for, como uma condução de volta a Deus, nada tem a ver com a afirmação do cientismo moderno de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento e de que toda a realidade, incluindo os humanos, não é mais do que uma coleção de átomos. A tradição intelectual católica afirma que toda a verdade que alcançamos sobre o mundo nos dá um vislumbre do amor criativo e da sabedoria de Deus.

Mas não há uma só disciplina que nos diga tudo o que precisamos de saber, porque as realidades que Deus criou, sobretudo os seres humanos, são muito mais do que aquilo que podemos compreender quando as reduzimos a algo mais pequeno, algo que possamos dominar e controlar.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 18 de Outubro de 2022)

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