David G. Bonagura |
Para o homem moderno,
continuou Ratzinger, “a vida eterna é supostamente irreal; diz-se que nos
distrai do tempo real, mas que a utopia é um objectivo real que podemos ajudar
a concretizar com o nosso poder e as nossas capacidades”. A arrogância dos
homens “substitui a escatologia com uma utopia feita à sua imagem” que
“pretende preencher as esperanças do homem” sem referência a Deus.
Constantemente seduzido por novas capacidades tecnocráticas, o homem moderno
pensa que a utopia está mais próxima a cada dia que passa.
Em anos recentes – à medida
que os americanos se desvinculam cada vez mais das religiões tradicionais – a
sede pela utopia atingiu ponto de fervura, como que para preencher esse vazio.
Os três reinos utópicos realizar-se-ão, prometem-nos, se conseguirmos travar as
três grandes ameaças sociais: mudanças climáticas, Covid e racismo. A
eliminação destas três trará a salvação civilizacional.
Esta salvação continua
permanentemente fora do alcance, mas cada tentativa falhada gere uma urgência e
um medo maiores. O choro e ranger de dentes tornam-se mais altos a cada dia que
passa, para tentar converter os cépticos. Se continuarmos a perfurar a terra
para procurar combustíveis fósseis, as calotas polares derretem e o nível do
mar sobe; mais uma variante de Covid e os governos fecham novamente as escolas
e as cidades; mais um conflito inter-racial e veremos motins e pânico nas ruas.
Ratzinger compara a utopia com
a figura mítica de Tântalo, que foi condenado a viver com água pelo pescoço em
Hades. Sempre que tentava chegar a água ou fruta eles retrocediam, para fora do
seu alcance. Não espanta, por isso, que os adeptos da utopia que vemos nas suas
manifestações estejam sempre tão zangados. Não conseguem alcançar aquilo que
tão desesperadamente querem. Estão frustrados como Tântalo. Por isso, comenta
Ratzinger, mesmo que “trabalhem com total dedicação para consolidar aqueles
factores que estão, por ora, a manter o mal à distância”, censuram a
concorrência e cancelam os potenciais rivais que ameaçam os seus objectivos
esquivos.
A insanidade generalizada que
a busca pela utopia ambiental, de saúde, e racial gerou entre os adeptos
deveria levar todos os que contemplam sair das igrejas cristãs a pensar duas
vezes. Os seres humanos têm sede do divino, mas os dogmas utópicos dos nossos
dias não nos trazem salvação, mas sim angústia eterna. Vale a pena olhar de
novo para o Cristianismo (ou, para muitos desta geração, olhar pela primeira
vez, mas libertos das distorções deliberadas do credo cristão).
“A verdadeira diferença entre
a utopia e a escatologia”, escreve Ratzinger, é que o “presente e a eternidade
não estão lado-a-lado, separados; mas sim interligados”. A vida eterna não é um
fenómeno que começa de repente, depois da morte. É um “novo tipo de existência,
em que tudo flui em conjunto para o ‘agora’ do amor” que se torna possível pela
presença de Deus no universo. “Deus é amor, e aquele que vive no amor vive em
Deus, e Deus vive nele” (1 João 4,16).
Através da Encarnação do Filho
de Deus, a vida eterna faz agora parte do tempo. Em Cristo, escreve Ratzinger,
“Deus tem tempo para nós. Deus já não é meramente um Deus lá em cima, mas Deus envolve-nos
por cima, por baixo e por dentro: Ele é tudo em tudo, e por isso tudo em tudo
nos pertence.”
O toque de Cristo é mais
tangível na Igreja quando Ele vem ao nosso encontro na Eucaristia. Quando o
recebemos na Santa Comunhão a eternidade conjuga-se com o presente e
transforma-o, para o elevar dos horrores deste mundo, dando-lhe uma prova da
glória vindoura. O presente deixa de ser o lugar de preparação de um futuro
inalcançável e torna-se ocasião para o encontro com um Deus que nos ama e que
nos chama a si.
Só desta perspectiva é que
podemos lidar com os males que nos confrontam, sejam eles ecológicos,
sanitários, sociais ou morais. Porque os crentes reconhecem que o mal, tal como
as ervas daninhas que crescem com o trigo, farão sempre sombra sobre o bem
desta vida. Mesmo quando a sombra do mal parece cercar totalmente o bem, como
acontece com os horrores da guerra e os massacres nas escolas, os raios de
bondade continuam a romper a escuridão para nos dar esperança de que Deus,
aparentemente ausente, reina aqui e agora.
Tendo descartado a fé, o
adepto da utopia não consegue processar o mal desta forma. Tenta, sem sucesso,
amputá-lo, ficando frustrado e paranoico quando o vê a regressar, qual hidra,
com o dobro da força. Faz dos avanços tecnológicos e das acções governamentais
o seu Hércules, mas são obras demasiado difíceis para serem levadas a cabo por
mortais. O adepto da utopia sofre assim uma derrota estrondosa quando tenta construir
o céu na terra.
Fazemos melhor, conclui
Ratzinger, quando trabalhamos no sentido oposto. “A terra torna-se celestial,
torna-se Reino de Deus, sempre que se faz a vontade de Deus na Terra como no
céu. Rezamos assim porque sabemos que não está ao nosso alcance trazer o céu
até nós. Porque o Reino de Deus é o seu reino, não o nosso, e não o podemos
influenciar”.
Nós, os crentes, devemos
desafiar todos os que se estão a afastar do Cristianismo por estas razões.
Jamais encontrarão a utopia. Mas a vida eterna está ao seu alcance, se apenas
pudessem olhar novamente com os olhos da fé.
David G. Bonagura, Jr. leciona
no Seminário de São José, em Nova Iorque. É autor de Steadfast in Faith: Catholicism and the Challenges of
Secularism, que será lançado no próximo inverno pela Cluny Media.
(Publicado pela primeira vez
na segunda-feira, 7 de Junho de 2022 no The Catholic Thing)
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Um regime político por melhor que seja a determinados olhos, e mesmo que o "eu" seja o líder supremo desse regime nunca será igual ao Reino dos Céus. Um líder por mais poder que tenha, nunca será eterno. E nenhum regime político consegue acabar com os males naturais deste mundo como, por exemplo, as doenças, os terramotos.
ReplyDeleteOutra falácia marxista é a racionalidade. Marx interpertou bem esta palavra, mas foi intelectualmente desonesto ao escrever que os adversários das suas teorias só o seriam por não serem lógicos. Só haveria não-marxistas por motivos sentimentais. Exemplo: Ter fé, ter um amigo patrão, não gostar do líder de determinado sindicato. Mas se alguém deixasse os seus gostos de parte e seguisse a pura lógica, essa pessoa seria inevitavelmente socialista.
Hoje muita gente confunde racionalidade com inteligência. Uma pessoa por menos inteligente que seja também toma decisões racionais. Exemplo: Escolher comer uma maça, em vez de laranja. Ver determinado filme, em vez de outro.
Uma pessoa por mais sobredotada que seja também tem pelo menos momentos irracionais. Pode rir em momentos inoportunos. Fica apreensivo quando ouve uma má noticia, fica intevitavelmente alegre quando recebe uma excelente notíca etc... Gostar de um clube de futebol é sempre irracional. Ninguém faz uma análise lógica a um clube antes de escolher se o vai apoiar ou não. Muitos "racionais" da nossa imprensa são adeptos de futebol.
Muitos, marxistas ou não, dizem que não teem fé porque são racionais (uma forma subliminar de se auto-intitularem como inteligentes), mas uma coisa não está relacionada à outra. Aliás muita gente não é religiosa precisamente por motivos não-racionais. Porque não gostam do sacerdote local ou perderam um familiar próximo.