Wednesday 29 June 2022

A Maneira de Chicago versus a Maneira Católica

Randall Smith

Quem decidiu divulgar a sentença do caso Dobbs na Solenidade do Sagrado Coração de Jesus foi um génio. O padre que celebrou a missa a que fui nesse dia não conseguia disfarçar a alegria com este maravilhoso dom. Suponho que essa alegria tenha sido um pouco amainada quando uma mulher entrou aos gritos na Igreja, na altura em que ele preparava a Eucaristia para a adoração, nessa tarde. Felizmente, conseguimos afugentá-la, e quando saí encontrei o nosso padre dominicano a falar com ela de forma calma, mas firme, no adro da Igreja.  

Há quem esteja zangado. Muito zangado. Como escreveu um amigo: “Os democratas não estavam tão zangados desde que Lincoln libertou os seus escravos e o Supremo Tribunal acabou com a segregação das suas escolas públicas”. Quando esses “direitos” lhes foram negados – “direitos” baseados, então, como hoje, na negação da plena humanidade de outros seres humanos – essas pessoas ficaram mesmo muito zangadas.

Tal como muitas outras pessoas, estou preocupado com o aumento das ameaças às igrejas católicas e aos centros de apoio a grávidas em crise. Houve pelo menos sessenta e três destes ataques desde que um rascunho da sentença de Dobbs foi divulgado há várias semanas. Um grupo chamado “A Vingança de Jane” está a apelar à participação em motins no que chamou um “Verão de Ira”. O seu lema é: “Aos nossos opressores: se o aborto não for seguro, vocês também não estarão”.

Como devemos responder?

Eu quero dizer o seguinte:

Ouçam lá, Vingança de Jane. Se os centros de apoio a grávidas em risco não estão seguros, vocês também não. Se gostam de dar, também vão levar, faz parte das regras do jogo.

Pensam que estão zangados? Há cinquenta anos que, pacifica e pacientemente, vivemos com um regime opressivo de aborto, sem qualquer capacidade de nos fazermos ouvir no sistema democrático que nos foi deixado pelos nossos fundadores, tentando, de todas as formas legais, proteger a vida intrauterina.

Por isso aqui fica um recado para os nossos opressores. Por cada um dos nossos que cair, caem dois dos vossos. É a “maneira de Chicago”.

Talvez se recordem dessa cena do filme “Os Intocáveis” em que o inestimável Sean Connery diz a Eliot Ness, protagonizado por Kevin Costner: “Queres apanhar o Capone? É assim que se faz. Ele puxa de uma navalha, tu puxas de uma pistola, ele envia um dos teus para o hospital, tu envias dois dos dele para a morgue. À maneira de Chicago”.

Para nós, Vingança de Jane, vocês são o Capone. Porque, sejamos honestos, é mesmo isso que vocês são: rebentam com crianças inocentes no útero, e ganham dinheiro com isso. Mantêm as mulheres reféns até pagarem. Os centros de apoio pró-vida oferecem serviços médicos, mas vocês incendeiam-nos para que as mulheres fiquem sem outras opções.

Por isso, Vingança de Jane, ouçam este conselho. Vocês não querem declarar guerra a um povo que tem uma tradição de mártires e que tem lutado para proteger os nascituros diante de oposição constante ao longo de cinquenta anos. Especialmente porque é claro que não passam de meros cobardes que gostam de fazer vandalismo adolescente a meio da noite e que ameaçam os filhos dos juízes do Supremo Tribunal. Ui, que corajosos.

É isso que eu quero dizer, mas não é isso que eu devo dizer. Porque a “maneira de Chicago” não é “a maneira americana”. Nem é a “maneira católica”.

Comecemos com a “maneira americana”, que demasiadas pessoas parecem ter esquecido.

Eu tinha um aluno magnífico que certa vez concluiu que existia uma injustiça na nossa universidade.

“Muito bem, e o que pretendes fazer sobre o assunto?”, perguntei.

“Organizar uma manifestação?”, respondeu.
“Essa é a tua primeira opção? E que tal votar? E que tal seres eleito e trabalhares pela mudança, mudando os corações e o espírito dos teus colegas?”

“Ah, pois é”, disse, mas sem estar completamente convencido.

A participação cívica e o governo democrático tornaram-se a última coisa em que as pessoas pensam hoje em dia, quando devia ser a primeira. Essa é a maneira americana.

E que dizer dos outros, com as suas t-shirts pretas e máscaras, que partem vidros e lançam cocktails Molotov? São fascistas. Pesquisam “camisas negras em Itália” e vejam o que aparece. Pesquisem “Kristallnacht”. Estão a ver quem é que usa camisas negras e parte vidros?

Agora vejam vídeos dos motins que se realizaram quando os primeiros alunos negros foram escoltados para a Universidade do Alabama, em 1963. Verão raparigas brancas com saias de feltro e meia curta a gritar aos altos berros, com ar de quem está prestes a morrer.

Vejam imagens dos protestos passivos de negros nos restaurantes segregados: pessoas a gritar, a fazer birras, a entornar bebidas e a atirar comida aos alunos pacíficos que se encontram sentados ao balcão. Os fascistas são assim. Tal e qual os manifestantes pro-aborto enraivecidos à porta do Tribunal.

Eu não levo a mal as pessoas que discordam com a sentença do caso Dobbs, mas não faz qualquer sentido dizer que uma decisão que leva o assunto de volta aos eleitores representa “a destruição da nossa democracia”.

Devolver um assunto aos eleitores é “antidemocrático”? Pessoas com t-shirts pretas e máscaras a vandalizar propriedade são antifascistas? Claro. E “guerra é paz”, “liberdade é escravatura” e “ignorância é força”.

Mas não se deixem enganar: todas estas medidas políticas, por mais importantes que sejam, não são as nossas principais armas. As nossas principais armas são o que sempre foram: oração, jejum, esmola, sacrifício pessoal, coragem, paciência, apoio incansável para mulheres e crianças necessitadas, e esforços pacíficos para converter mentes e corações.

Essa é a maneira católica. Foi assim que chegámos onde estamos. É nisso que temos de confiar enquanto caminhamos para um futuro incerto. Podemos alegrar-nos, mas o trabalho em prol dos bebés por nascer deve intensificar-se.

Os nossos opositores já deixaram bem claro o que pretendem. Deixemos também nós bem claro o que queremos. Estamos dispostos a qualquer sacrifício, sofreremos qualquer indignidade, e trabalharemos sem descanso e sem retribuição para proteger estas crianças e as suas mães. Diremos: “Se nos tirarem um, construiremos outros dois”. “Obriguem-nos a carregar este fardo durante uma milha, e carregá-la-emos durante duas”.

Essa é a maneira católica.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 28 de Junho de 2022)

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2 comments:

  1. (Mais um) Excelente artigo de Randall Smith. Porém, gostaria de ler aqui a sua opinião, Filipe, sobre a revogação de «Roe vs. Wade».

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    Replies
    1. Olá!
      Publiquei um artigo sobre a revogação logo quando saiu o rascunho da decisão.
      Dediquei também todo um episódio do podcast ao assunto.
      Abraço

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