Hadley Arkes |
Imaginemos uma situação em que os pais tivessem até 30
dias à experiência com os seus filhos. E imaginemos que os pró-vida conseguiam persuadir
a legislatura a diminuir esse prazo em 15 dias. Podemos partir do princípio que
os defensores do aborto iriam entrar em pânico, vendo nisto o prenúncio da
eventual abolição do direito ao aborto. Mas, é evidente que nada nessa mudança
de 15 dias teria feito qualquer diferença na natureza, ou estatuto de
humanidade, da criança.
Na última semana tivemos uma repetição desta cena. O
Supremo Tribunal causou ondas de choque no país quando anunciou que iria
aceitar ouvir um caso que desafia uma recente lei no Mississippi que proíbe o
aborto depois da 15ª semana da gravidez. Essa decisão passaria a alargar as
restrições da lei para um período que antecede a “viabilidade”, que actualmente
ronda as 23 ou 24 semanas, ou talvez até menos.
Estamos a falar, por isso, de uma diferença de apenas cerca
de oito semanas, mas isso já espoletou os medos e avisos de que o Roe v. Wade
poderá agora ser revogado. Mas, mais uma vez, essa mudança de oito semanas não
assinala qualquer diferença, qualquer diminuição da humanidade, do bebé
abortado. Nem faria qualquer diferença se fossemos recuando mais 15 dias, ou
até mais 15 ou 20 semanas até ao ponto da gravidez em que se trata de um
embrião. Ela nunca foi outra coisa menos que humana e nunca foi meramente parte
do corpo da mãe.
Mas o Tribunal tem defendido a “viabilidade” como fronteira
crítica, pois os juízes continuam a afirmar, numa convenção de imbecilidade,
que então o Estado pode agir para proteger a “vida em potência”. Vida em
potência? Um teste de gravidez revela o facto de que algo está vivo e a crescer
no útero. Se não houvesse, um aborto faria tanto sentido como uma amigdalectomia.
Mas se há algo vivo e a crescer no útero – que não seja um tumor – não pode ser
mais do que uma criança em formação. Esse embrião pode ser um “ponta de lança
em potência” ou um “corretor da bolsa em potência”, mas nunca foi meramente uma
“criança humana em potência”.
O presidente do Supremo Tribunal Rehnquist chegou a
afirmar o óbvio, que “não há referência a trimestres e viabilidade no texto da
Constituição”. Mas quando o juiz Anthony Kennedy tomou a decisão de preservar o
Roe v. Wade (no caso Planned Parenthood v. Casey, 1992), insistiu na necessidade
de “traçar linhas” na regulação do aborto, dizendo que “não há outra linha para
além da viabilidade que seja funcional”.
Em 1989, no caso Webster, o Tribunal parecia ter tomado
um primeiro passo para recolocar a questão do aborto na arena política, onde os
cidadãos e as legislaturas pudessem discutir e votar na questão de quem deve
ser protegido pelas suas leis sobre homicídio. O presidente Rehnquist escreveu
a opinião maioritária e perguntou “porque é que o interesse do Estado em proteger
a vida humana em potência deve surgir apenas na altura da viabilidade” referindo
ainda que “deve haver uma linha rígida que permite a regulação estatal depois
da viabilidade, mas proibindo-a antes da viabilidade”.
A maioria conservadora actualmente nesse mesmo tribunal
entende perfeitamente que a “viabilidade” não é uma fronteira séria; que as
mesmas razões para proibir o aborto às 15 semanas aplicar-se-iam à proteção da
vida intrauterina desde o início. Ainda assim, uma maioria conservadora poderá ter
reservas em querer revogar o Roe v. Wade de uma só penada.
Mas os defensores do aborto, no seu pânico real ou
imaginado, poderão ter confirmado o caminho alternativo. Sempre se opuseram até
às mais leves restrições ao aborto. Os democratas no Congresso têm resistido de
forma quase unânime a uma lei que protege os bebés que sobrevivem ao aborto.
Eles vêem o princípio que está no cerne da questão: a
partir do momento em que o bebé no útero é reconhecido como um ser humano, num
plano igual ao deles, podendo reivindicar a proteção da lei, não existe qualquer
fronteira séria, em termos de idade ou desenvolvimento, que separa essa criança
do resto de nós. Por outras palavras, os mais ferrenhos defensores de Roe vêem
toda a sua posição a desenvencilhar-se, sem qualquer ponto de paragem.
A revogação de uma assentada do Roe poderá, de facto, causar um incêndio numa população já num estado bastante inflamável. Mas a decisão mais limitada de permitir a manutenção desta lei do Mississippi poderá dar mais alguma força à oposição moral ao aborto, que se tem mantido sólida e em crescimento ao longo dos anos. E poderá ser esse o leve empurrão que coloca o direito constitucional ao aborto “num caminho de eventual extinção”.
Hadley
Arkes é Professor de Jurisprudência em Amherst College e director do Claremont
Center for the Jurisprudence of Natural Law, em Washington D.C. O seu mais
recente livro é Constitutional
Illusions & Anchoring Truths: The Touchstone of the Natural Law.
(Publicado pela primeira vez na Terça-feira, 1 de Junho
de 2021 em The Catholic Thing)
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