David Carlin |
Se, como Hegel e Karl Marx (para não falar de assassinos
em massa como Lenine e Estaline), o leitor tende a pensar em termos de haver um
lado certo e outro errado da história, então é necessário que acredite em quatro
proposições preliminares:
1. Que existe um objetivo de longo prazo para a história
humana.
2. Que é possível conhecer esse objetivo de longo prazo.
3. Que você sabe, pessoalmente, qual é esse objectivo.
4. Que sabe como é que este ou aquele evento em
particular encaixa no movimento rumo a esse objetivo de longo prazo.
Como é que podemos saber se a história tem um objectivo?
Talvez não tenha. Talvez a história, como disse certo vez um sábio, seja
“apenas uma coisa a acontecer depois de outra”.
Sabemos que as bolotas têm um objectivo – tornar-se
carvalhos. Mas se só houvesse uma bolota no mundo, então não saberíamos isso,
sequer. Não o saberíamos, ainda que tivéssemos estudado essa bolota com muito,
muito cuidado. Apenas sabemos as tendências das bolotas porque já assistimos a
incontáveis bolotas a tornar-se carvalhos, ou pelo menos a tentar.
Mas a história da humanidade, por contraste, é sui
generis. Não temos propriamente milhares de relatos de histórias da humanidade
em milhares de planetas diferentes. Não, estamos a assistir à única história da
humanidade. Não interessa o quão cuidadosamente estudamos esta coisa singular,
não sabemos como é que vai acabar no final.
Claro que há certas tendências de relativamente longo
prazo que temos conseguido observar. Será que estas tendências nos podem dizer
para onde é que as coisas caminham?
Se estivéssemos em Roma no ano 181 depois de Cristo,
provavelmente diríamos: “É já claro que o nosso grande império, que na sua
génese não era mais do que uma pequena cidade-estado no centro de Itália, mas governa agora todas as zonas mais valiosas do planeta, está destinado a
governar todas as nações.” Mas 181 da Era Cristã foi precisamente o ano
escolhido por Edward Gibbon como ponto de partida para a sua longa história do
declínio e queda do Império.
“A Guerra Civil Americana, por mais terrível que tenha
sido, foi uma clara indicação da direção em que se movia a história – rumo a um
maior reconhecimento da dignidade de todas as pessoas. A história é essencialmente
sobre o progresso, em todas as suas formas. A raça humana está destinada a
viver numa espécie de Utopia, e quem duvida que o Século XX será o grande
século da paz e da humanidade?”
Poucos anos mais tarde, a partir de Agosto de 1914, o
mundo entrou no que seriam várias décadas de grandes guerras, ditaduras
totalitárias, homicídio em massa, etc..
E ainda, se vivêssemos na década de 30 e estivéssemos de
olho posto em Mussolini, em Itália, Hitler na Alemanha e Estaline, na Rússia,
poderíamos concluir: “A tendência é clara. Em todo o lado o liberalismo e a
democracia, que há tão pouco tempo pareciam ter um futuro grandioso pela
frente, estão em retirada. O totalitarismo está a subir e quem, de entre nós, é
tão ingénuo ao ponto de acreditar que será possível reverter este rumo? Podemos
ver a vaga do futuro. A raça humana está destinada a viver na distopia e neoescravatura”.
Mas a Alemanha nazi foi destruída em 1945 e a União
Soviética caiu em 1991.
Ninguém sabe qual é o futuro a longo prazo da raça humana.
Ninguém sabe rumo a que objetivo se curva o longo arco da história. Hegel não
sabia, Marx não sabia, Spengler não sabia e Barack Obama também não sabe.
Estamos a navegar no grande oceano da história num navio frágil e não temos
instrumentos que nos permitam ver para além do horizonte. Seja em que direção
olhamos, não conseguimos ver se, ou quando, chegaremos a terra firme.
Se não existe um objectivo final da história, ou se não a podemos conhecer, então ninguém tem bases para poder dizer que o evento X (seja o aborto, a eutanásia
ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo) contribui melhor ou pior para o alcançar. Pior, mesmo que pudéssemos conhecer esse objectivo,
a história é um processo tão longo que seria impossível saber se X ajuda ou
prejudica o caminho até lá. Quem sabe, por exemplo, se daqui a um milhão de
anos, o Holocausto será visto como tendo, de alguma forma paradoxal, permitido
o avanço ou o atraso da raça humana?
O Cristianismo ensina que o pecado de Adão e Eva foi um “doce pecado” uma vez que foi essa a condição necessária para a Encarnação e Expiação
de Cristo. E ensina ainda que a tragédia da Sexta-feira Santa foi uma condição
necessária para o triunfo do Domingo de Páscoa. Mas isso não nos impede de
reconhecer que ambos os eventos foram verdadeiramente pecaminosos, embora os
seus resultados finais, a longo prazo, tenham sido verdadeiramente benéficos.
Os piores crimes do Século XX, esse século de tão imensos crimes, foram cometidos por pessoas que pensavam que compreendiam o objectivo final da história. E justificaram os seus crimes com esse objectivo; viam-se como fiéis discípulos desse grande (e desumano) Deus do Progresso.
Há uma ligação inescapável entre as palavras “história” e
“mistério”. Lembremo-nos disso, e deixemo-nos confiar sempre mais no Deus da
Bíblia do que no Deus do Progresso. E, em vez de nos fiarmos nos juízos da
história, confiemos nos juízos da consciência.
David
Carlin foi professor de sociologia e de filosofia na Community College of Rhode
Island e autor de The Decline
and Fall of the Catholic Church in America
(Publicado pela primeira vez na sexta-feira, 11 de Março de 2021 em The Catholic Thing)
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