Wednesday, 9 June 2021

Em Cada Homem um Monge

Brad Miner

O jovem cura do “Diário de um Pároco de Aldeia”, de Georges Bernanos (1937) rumina sobre monges (cartuxos e trapistas):

Que milagre permite a estes semi-lunáticos, estes prisioneiros dos seus próprios sonhos, estes sonâmbulos, entrar aparentemente mais fundo, cada dia, na dor de outros? Um estranho tipo de sonho, um opiáceo pouco comum que, longe de o fazer voltar-se sobre si mesmo e isolar-se dos seus contemporâneos, une o indivíduo com a humanidade num espírito de caridade universal!

O claustro sempre nos separou de tais homens (e mulheres), mas houve uma altura em que a sua presença foi, todavia, poderosa.

Escrevendo sobre o monasticismo medieval, o historiador Friedrich Heer insiste que a busca do monge pela perfeição foi influente a todos os níveis na sociedade. “Há algo de grande importância política e social… Todas as esperanças, orações e exigências que o cristão medieval colocava nos monges e nos mosteiros estavam centrados numa expetativa: que alcançassem a total santidade de uma vida cristã perfeita”.

Claro que a perfeição não é dada a qualquer homem. Mas é possível aspirar à perfeição, isto é, aos padrões mais altos possíveis em todos os aspetos da vida.

O ponto alto do monasticismo chegou à volta do ano 1100, altura em que a grande abadia beneditina de Cluny, em França (e que já contava duzentos anos) mais parecia a sede de uma corporação verdadeiramente multinacional de fé, educação, diplomacia e empreendedorismo, com um milhar de ramos localizados por toda a Europa. O abade de Cluny, democraticamente eleito, era provavelmente o homem mais poderoso da Europa depois do Papa, que era por sua vez a única pessoa no mundo a quem o abade devia obediência. Muitos papas desta era foram antigos monges de Cluny.

Cluny era um mosteiro beneditino, mas deu lugar à ordem cisterciense, que por sua vez deu lugar aos trapistas. Tradicionalmente os beneditinos usavam hábitos pretos, os cistercienses brancos e os trapistas usavam um capuz preto por cima de um hábito branco.

As abadias cistercienses são conhecidas como “viveiros de santidade” por tantos dos seus membros terem sido canonizados. Cada nova ordem representou um impulso para reformar o monasticismo, a Igreja ou a própria fé, e por de trás de cada uma destas sacudidelas estava a imperativo para se viver mais fielmente a Regra, o guia espiritual e organizacional criado por São Bento de Núrsia no Século Sexto.

São Bento pode bem ser o homem mais subestimado da história do Ocidente. Claro que é o Santo Padroeiro da Europa, mas espanta-me quantas pessoas não sabem nada sobre ele (ou não sabiam, até terem lido “A Opção Beneditina” de Rod Dreher). Não foi o primeiro monge, mas foi certamente o maior, o que explica porque é que Joseph Ratzinger escolheu esse nome quando foi eleito Papa.

Os primeiros monges eram anacoretas (grego para “aquele que se retira”), homens que partiam sozinhos para o deserto no Século IV. Raramente interagiam com outros que não fossem também ermitas, a quem talvez se juntassem para a missa dominical. Alguns eram itinerantes e mendicantes.

Pouco depois disso surgiram uma série de casas cenobíticas. A palavra deriva do latim para “vida comum”. Um convertido egípcio, São Pacómio, fundou o primeiro mosteiro em 312 e, quando morreu, em 348, já havia três mil monges, em nove mosteiros, na maioria no Egito e no que hoje chamamos o Médio Oriente. A regra que ele escreveu para governar a vida da comunidade acabou por ser a fonte principal para os estatutos de São Bento. A regra de Pacómio foi traduzida para o latim por São Jerónimo, que foi também responsável pela Bíblia em Latim, a Vulgata. Santo Agostinho utilizou a regra para organizar a sua comunidade no Norte de África.


Mas foi a regra expansiva e compassiva de Bento que tocou mais profundamente a alma, e que desde então a tem mantido a vibrar.

Bento foi anacoreta durante alguns anos antes de se juntar a uma comunidade, onde adaptou várias das constituições monásticas mais populares à sua Regra. Os primeiros monges que estavam sob as suas ordens ficaram irrequietos e até o tentaram envenenar, segundo a lenda. Mas quando Bento benzeu o vinho que lhe ofereceram o copo estilhaçou. Entristecido e enojado, partiu para as montanhas.

Foi no mosteiro que construiu no Monte Cassino, perto do Rio Rapido, no centro de Itália, a cerca de 130 quilómetros de Roma, que promulgou a sua famosa Regra. Poucos homens antes, ou desde ele possuíram um sentido tão claro das forças e das fraquezas do coração humano. A Regra de São Bento equilibra a autocracia (a autoridade do abade) com a democracia (a voz individual dos monges). Unifica o trabalho manual e o ensino superior.

Tem sido dito que os monges beneditinos salvaram o conhecimento e a literatura da Europa durante a instabilidade da chamada Idade das Trevas. E na medida em que isso é verdade, o crédito deve ser atribuído ao seu fundador. Mas há mais.

O monasticismo foi uma das forças culturais dominantes na Europa durante o milénio que correu do ano 500 até 1500 e a Regra Beneditina foi uma das obras não-bíblicas mais lida e estudada durante esse período. Ainda por cima, foi durante esta era que se formaram os primeiros estados-nação e se fundaram as primeiras universidades e guildas. Cada inovação, à sua maneira, devia muito às lições aprendidas da governação, educação e organização desenvolvidas nas casas beneditinas: de tal forma que podemos mesmo pensar se Bento não deveria ser padroeiro da própria modernidade. Isto é, das partes boas.

E não é de espantar que Alasdair MacIntyre, um dos maiores filósofos católicos ainda vivos, tenha terminado a sua grande obra After Virtue com as palavras: “Aguardamos a vinda não de um Godot, mas de um novo – sem dúvida muito diferente – São Bento.”


Brad Miner é editor chefe de The Catholic Thing, investigador sénior da Faith & Reason Institute e faz parte da administração da Ajuda à Igreja que Sofre, nos Estados Unidos. É autor de seis livros e antigo editor literário do National Review.

(Publicado pela primeira vez na segunda-feira, 7 de Junho de 2021 em The Catholic Thing)

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