Brad Miner |
Que milagre permite a estes semi-lunáticos, estes
prisioneiros dos seus próprios sonhos, estes sonâmbulos, entrar aparentemente
mais fundo, cada dia, na dor de outros? Um estranho tipo de sonho, um opiáceo
pouco comum que, longe de o fazer voltar-se sobre si mesmo e isolar-se dos seus
contemporâneos, une o indivíduo com a humanidade num espírito de caridade
universal!
O claustro sempre nos separou de tais homens (e
mulheres), mas houve uma altura em que a sua presença foi, todavia, poderosa.
Escrevendo sobre o monasticismo medieval, o historiador
Friedrich Heer insiste que a busca do monge pela perfeição foi influente a
todos os níveis na sociedade. “Há algo de grande importância política e social…
Todas as esperanças, orações e exigências que o cristão medieval colocava nos
monges e nos mosteiros estavam centrados numa expetativa: que alcançassem a
total santidade de uma vida cristã perfeita”.
Claro que a perfeição não é dada a qualquer homem. Mas é
possível aspirar à perfeição, isto é, aos padrões mais altos possíveis em todos
os aspetos da vida.
O ponto alto do monasticismo chegou à volta do ano 1100,
altura em que a grande abadia beneditina de Cluny, em França (e que já contava
duzentos anos) mais parecia a sede de uma corporação verdadeiramente
multinacional de fé, educação, diplomacia e empreendedorismo, com um milhar de
ramos localizados por toda a Europa. O abade de Cluny, democraticamente eleito,
era provavelmente o homem mais poderoso da Europa depois do Papa, que era por
sua vez a única pessoa no mundo a quem o abade devia obediência. Muitos papas
desta era foram antigos monges de Cluny.
Cluny era um mosteiro beneditino, mas deu lugar à ordem
cisterciense, que por sua vez deu lugar aos trapistas. Tradicionalmente os
beneditinos usavam hábitos pretos, os cistercienses brancos e os trapistas
usavam um capuz preto por cima de um hábito branco.
As abadias cistercienses são conhecidas como “viveiros de
santidade” por tantos dos seus membros terem sido canonizados. Cada nova ordem
representou um impulso para reformar o monasticismo, a Igreja ou a própria fé,
e por de trás de cada uma destas sacudidelas estava a imperativo para se viver
mais fielmente a Regra, o guia espiritual e organizacional criado por São Bento
de Núrsia no Século Sexto.
São Bento pode bem ser o homem mais subestimado da
história do Ocidente. Claro que é o Santo Padroeiro da Europa, mas espanta-me
quantas pessoas não sabem nada sobre ele (ou não sabiam, até terem lido “A Opção Beneditina” de Rod Dreher). Não foi o primeiro monge, mas foi
certamente o maior, o que explica porque é que Joseph Ratzinger escolheu esse
nome quando foi eleito Papa.
Os primeiros monges eram anacoretas (grego para “aquele
que se retira”), homens que partiam sozinhos para o deserto no Século IV.
Raramente interagiam com outros que não fossem também ermitas, a quem talvez se
juntassem para a missa dominical. Alguns eram itinerantes e mendicantes.
Bento foi anacoreta durante alguns anos antes de se
juntar a uma comunidade, onde adaptou várias das constituições monásticas mais
populares à sua Regra. Os primeiros monges que estavam sob as suas ordens
ficaram irrequietos e até o tentaram envenenar, segundo a lenda. Mas quando
Bento benzeu o vinho que lhe ofereceram o copo estilhaçou. Entristecido e
enojado, partiu para as montanhas.
Foi no mosteiro que construiu no Monte Cassino, perto do
Rio Rapido, no centro de Itália, a cerca de 130 quilómetros de Roma, que
promulgou a sua famosa Regra. Poucos homens antes, ou desde ele possuíram um
sentido tão claro das forças e das fraquezas do coração humano. A Regra de São
Bento equilibra a autocracia (a autoridade do abade) com a democracia (a voz
individual dos monges). Unifica o trabalho manual e o ensino superior.
Tem sido dito que os monges beneditinos salvaram o
conhecimento e a literatura da Europa durante a instabilidade da chamada Idade
das Trevas. E na medida em que isso é verdade, o crédito deve ser atribuído ao
seu fundador. Mas há mais.
O monasticismo foi uma das forças culturais dominantes na
Europa durante o milénio que correu do ano 500 até 1500 e a Regra Beneditina
foi uma das obras não-bíblicas mais lida e estudada durante esse período. Ainda por
cima, foi durante esta era que se formaram os primeiros estados-nação e se
fundaram as primeiras universidades e guildas. Cada inovação, à sua maneira,
devia muito às lições aprendidas da governação, educação e organização
desenvolvidas nas casas beneditinas: de tal forma que podemos mesmo pensar se
Bento não deveria ser padroeiro da própria modernidade. Isto é, das partes
boas.
E não é de espantar que Alasdair MacIntyre, um dos
maiores filósofos católicos ainda vivos, tenha terminado a sua grande obra After Virtue com as
palavras: “Aguardamos a vinda não de um Godot, mas de um novo – sem
dúvida muito diferente – São Bento.”
Brad Miner é editor chefe de The Catholic Thing, investigador sénior da Faith & Reason Institute e faz parte da administração da Ajuda à Igreja que Sofre, nos Estados Unidos. É autor de seis livros e antigo editor literário do National Review.
(Publicado pela primeira vez na segunda-feira, 7 de Junho
de 2021 em The Catholic Thing)
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