Monday, 28 June 2021

A bandeira arco-íris na vitrine do merceeiro

Vaclav Havel escreveu um livro chamado “O Poder dos Sem-Poder”, sobre a relação dos cidadãos dos países comunistas da Europa central e de leste com o Estado. Nesse livro utilizou o exemplo do merceeiro que coloca um cartaz na vitrine da sua mercearia que diz “Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos”.

A conclusão de Havel é que o merceeiro não tem qualquer interesse na união dos trabalhadores, nem está comprometido com essa ideia, mas sente – correctamente – que tem de colocar o cartaz, sob pena de ser mal visto, e devidamente punido, pelas forças que dominam a sociedade. Resumindo, a colocação do cartaz é um esforço necessário para que de resto seja deixado em paz por um sistema totalitário.

Já essas forças que dominam a sociedade, que neste caso são comunistas, também não têm qualquer interesse no conteúdo nem na mensagem do cartaz, para além do facto de a sua colocação na vitrine da mercearia simbolizar a submissão do merceeiro à ideologia dominante.

É um sistema, conclui Havel, que depende da mentira e se perpetua na mentira. “Têm de viver dentro de uma mentira. Não precisam de aceitar a mentira. Basta que tenham aceitado a sua vida com ela e no seio dela.”

Como não pensar neste exemplo ao ver a onda de instituições a atropelar-se durante este mês de junho para colocar à martelada a bandeira arco-íris em toda a sua estratégia de comunicação? Desde a Câmara Municipal de Lisboa a clubes de futebol, bancos, marcas de carro e de cerveja, todos sentem a necessidade de se juntar à turba.

Mas alguém acredita que a Volkswagen e a Heineken estão mesmo preocupados com aquilo que representa a bandeira arco-íris? (se é que é possível haver acordo sobre o significado da bandeira…). Claro que não. Eles estão é preocupados com as consequências de não colocar aquele símbolo, pois ele tornou-se a bandeira oficial de um movimento social que persegue de forma impiedosa os seus inimigos e não aceita qualquer desvio da nova ortodoxia.

É evidente que isto não é apenas um problema desta causa e desta bandeira. Pode acontecer com qualquer causa que assume contornos de ideologia. Facilmente imaginamos uma aldeia rural e conservadora em que um indivíduo ateu empedernido se sente obrigado a ir à missa na Páscoa para não ser mal-visto pelos seus vizinhos. E isso também é grave.

Neste caso da bandeira arco-íris a prova da total insinceridade destas manifestações de apoio “à causa” está em todo o lado. Veja-se o caso recente do FC Barcelona, que mudou a sua imagem de perfil nas redes sociais, incorporando a bandeira arco-íris, em todas as contas menos na árabe, porque lá a coisa tende a não ser tão bem aceite. E acham que o TikTok está mesmo tão empenhado como dá a entender pela publicidade nos estádios do Euro 2020? Acham que eles fazem essa mesma publicidade na China, onde a empresa está sedeada? (Um leitor, a quem agradeço, partilhou entretanto este link que mostra que esta prática é aliás generalizada)

Vaclav Havel
Tal como o cartaz do merceeiro de Havel, o significado actual da bandeira arco-íris já não tem nada a ver com o seu significado original. O que é que significa exactamente a bandeira num anúncio da Heineken? Que os homossexuais, transsexuais e intersexuais também gostam de beber cerveja? Havia dúvidas? Que também podem beber cerveja? Estavam vedados? O que é que significa precisamente ser uma cerveja “inclusiva”? Ou será que tem a ver com as políticas internas da empresa? A Booking vai passar a tratar melhor os seus funcionários que não correspondem ao padrão social em termos de orientação sexual? Não o faziam já? Ou seja, esta ostentação da bandeira arco-íris muda alguma coisa, de facto, no terreno, no mundo, nas empresas, na sociedade? Então para que é que serve?

E porque é que me preocupa isto? Eu sou o primeiro a assinar por baixo se me perguntam se todos devem ser tratados com igualdade e respeito, independentemente da sua orientação sexual. Assino por baixo porque isso é um requisito básico dos direitos humanos, em que acredito, e de uma visão cristã da humanidade, que procuro ter sempre.

Mas o que se está a passar nada tem a ver com a dignidade inerente e indelével de todos os seres humanos, é meramente uma questão de imposição ideológica que assume contornos claramente totalitários. Ninguém quer saber em que é que você acredita, desde que exteriormente se comporte conforme a ortodoxia. Ninguém quer saber o que faz em prol dos homossexuais, desde que um dia por ano a sua foto de perfil nas redes sociais adopte as cores do arco-íris. Isto é a cultura da mentira e é uma das grandes marcas do totalitarismo. Porque o totalitarismo não precisa de ser apoiado por uma estrutura política ditatorial nem precisa de gulags e de campos de concentração para manifestar a sua intolerância.

7 comments:

  1. Não é só o FC Barcelona:

    https://twitchy.com/gregp-3534/2021/06/02/cowardly-brands-embrace-pride-month-just-not-in-every-country/

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  2. Grande artigo. Concordo na íntegra. Este tema gera grande discussão e muitas vezes no seio familiar. É difícil mediar essas discussões.

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  3. O Francisco tem coragem de vir defender o Orban contra toda a narrativa impostora da comunicação soicial?

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  4. Grande, grande artigo! Parabéns!

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  5. Desculpe, quis dizer Filipe

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  6. É isto mesmo Filipe! Falar de forma simples, eficaz e elegante tem tudo de cristão! É um tema difícil para mim, que ainda hoje recebi uma informação sobre a implementação da "linguagem neutral" pelo MEC (Min.Educação e Cultura)-Brasil, pois me reconheço uma conservadora meio rígida, e vejo com clareza o que as Instituições e movimentos internacionais fazem, há anos, em diferentes lóbis. Hoje, tudo nos "empurra" na direção que muitas vezes não se quer. Um exemplo pessoal é o da vacinação atual contra a Covid19, e já estamos em (20)21, com variantes aos milhares. Em Março de 2020, assisti a uma palestra com uma gestora da BIAL, um médico-investigador em vacinas no Inst. Medicina Tropical, com coronavirus (já existe há 1 século). Nada bate certo com o que ouvi sobre a viabilidade, construção, validação e comercialização de uma vacina! Mas quem se recusa, fica sem poder circular ou se apresentar em determinados locais. A falta de confiança é geral e em quase tudo e a insegurança e a incapacidade criam raízes em nós. Como cristã, faço um esforço diário para manter a Alegria de fazer parte da Criação e, o Filipe, ajuda: Muito Obrigada. Vou refletir sobre o que escreve e talvez possa "usar" algumas das suas conclusões nos meus diálogos...

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  7. Completamente de acordo! Obrigado Filipe

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