Elizabeth A. Mitchell |
“Sim”, diz Vladimir, o outro, “vamos”.
Direção de cena: “Permanecem imóveis”.
E não se irão mover, nunca. Os sem-abrigo de Becket, por patéticos
que pareçam no palco, não são muito diferentes, se é que diferem de todo, do
nosso dilema actual.
São tantas as coisas que paralisam a nossa esperança. Dor,
falhanço, ressentimento, exaustão. Tentámos e não fomos bem-sucedidos. Amámos e
fomos rejeitados. Tivemos esperança e fomos desapontados. E agora surge intensa
a tentação de abraçar a segurança do cinismo. Se não tentarmos podemos evitar o
fracasso. Se não amarmos não podemos ser rejeitados. Se não tivermos esperança
não nos arriscamos a ser desapontados. É mais seguro assim.
Mas essa carapaça do cinismo é também uma prisão. É
verdade que não nos podemos magoar, mas também não podemos sair. Quanto mais
nos embrenharmos nessa carapaça de desafeição, mais apertada fica. Até que redefinimos
a nossa natureza, porque é tão difícil acreditar, esperar, confiar e abandonar
a dúvida depois de termos sido desapontados. Porém, a natureza de Cristo
reflete todas estas qualidades para connosco.
Ele tem tantas razões para duvidar de nós. Tantas provas de
que vamos desapontá-lo, mais uma vez. Porém, Ele encoraja-nos, sempre, a tentar
de novo, e nunca mais do que quando passámos toda a noite na faina e não apanhámos
nada. Ele leva-nos a confrontar esse lugar dentro de nós próprios e a tentar de
novo, mas com a Sua graça.
“Tendo acabado de falar, disse a Simão: ‘Vai para onde as
águas são mais fundas’, e a todos: ‘Lancem as redes para a pesca’.” (Lucas 5,4).
Lancem as redes. Baixem a guarda. Abandonem o vosso
orgulho. Tentem de novo. Sejam vulneráveis ao falhanço e à humilhação. Tenham
novamente esperança, sem qualquer garantia de sucesso. Confiando apenas no
chamamento do Senhor.
“Simão respondeu: ‘Mestre, esforçámo-nos a noite inteira
e não apanhámos nada” (Lucas 5,5)
Já tentámos isso. Sabíamos o caminho. Começámos um
negócio. O negócio falhou. Dedicámo-nos à missão. A missão foi infrutífera.
Esforçámo-nos nessa relação mas ficámos com uma mão cheia de nada.
“Mas porque me pedes, vou lançar as redes.” (Lucas 5,5)
Voltarei a perdoar. Voltarei a amar. Voltarei ao meu
posto e tentarei de novo.
É tão difícil. O exemplo de Pedro e tão importante. Ele
simplesmente obedece. A única graça a que ele tem acesso é a obediência. Não é
o zelo, nem os resultados. Apens
a escuta do Senhor.
É como se dissesse “Senhor, eu amarei, e lançarei
novamente as redes”. “Senhor, eu perdoarei, e lançarei novamente as redes”.
E qual é o resultado? É o oposto do que esperaria
qualquer cínico. O cínico diz a si mesmo: não o faças, vais fazer figura de
idiota. As pessoas não merecem que tentes de novo. Ninguém valorizou o teu esforço
anterior. Tens de ser superior a isso. Ter algum amor próprio. Mantém-te aqui,
onde é seguro, nesta prisão da dúvida.
Mas Pedro lança as redes. E enquanto o faz toda a Igreja
universal em florescimento, a dar os seus primeiros passos, sustém a respiração
coletiva.
“Quando o fizeram”, revela o Evangelho, “apanharam tal
quantidade de peixes que as suas redes começaram a rasgar-se”. (Lucas 5,6)
Sucesso. As redes estavam a rasgar-se. O resultado de amar em obediência a Cristo, de abandonar o orgulho e de perdoar apenas mais uma vez, aquela vez em que era menos merecido, é quando se dá o avanço!
Ungidos pela graça, os seguidores de Cristo alcançam tal
sucesso, tal amor, tal abundância que “encheram ambos os barcos, a ponto de
quase começarem a afundar (…) e Simão e os seus companheiros ficaram perplexos
com a pesca que tinham feito” (Lucas 5,7-9)
A profundidade do nosso deslumbramento deriva do nosso
entendimento do que seria de esperar. Tínhamos noção do nosso orçamento e da falta
de liquidez. Tínhamos visto a indiferença dos nossos amados. Sentimos a injustiça
das nossas feridas. Tínhamos experimentado os grilhões impiedosos do vício. Mas
quando respondemos com obediência ao pedido de Nosso Senhor produziu-se o
milagre.
“Não tenhais medo” ordena o Senhor. “De agora em
diante sereis pescadores de homens”. (Lucas 5,10).
Simão Pedro é o nosso exemplo. Neste momento crítico, debaixo
do olhar de todos os discípulos, presentes e futuros, a sua vulnerável
obediência dita o futuro da Igreja.
Tudo isto se passa nas profundezas, fora de pé. Onde não controlamos nada. O abandono é a parte funda da piscina
espiritual. É a última paragem na nossa viagem. É também o verdadeiro começo.
Sem garantias. A forte possibilidade da humilhação, mas a
certeza maior ainda daquele que nos chama, que pede, que ordena. O risco é
real. A resposta é o prémio ungido de Cristo.
E o prémio é dele e só dele. Mais do que possamos pedir
ou imaginar. Calcada e transbordante. A alegria que vem da entrega voluntária a
Jesus na fé.
Santa Teresa de Lisieux escreveu: “Levou-me, confesso,
muito tempo a chegar a tal entrega; já lá cheguei, mas foi o próprio Jesus que
me trouxe até aqui.”
Jesus traz-nos até à margem, onde podemos deixar os
nossos barcos, os nossos esforços humanos limitados, lançando-nos para as
profundezas da sua graça.
“Então arrastaram os seus barcos para a praia, deixaram
tudo e seguiram-no” (Lucas 5,11)
E assim devemos fazer também.
Elizabeth A. Mitchell, é doutorada em Comunicação Social Institucional pela Universidade Pontifícia da Santa Cruz, em Roma, Itália, onde trabalhou como tradutora para a Sala de Imprensa da Santa Sé e para o L’Osservatore Romano. É decana dos alunos na Trinity Academy, um colégio católico privado no Wisconson. A sua tese “Artist and Image: Artistic Creativity and Personal Formation in the Thought of Edith Stein,” trata o papel da beleza na evangelização pela perspetiva de santa Edith Stein. Mitchell faz ainda parte da direção do Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe em La Crosse, Wisconsin, e é conselheira do Centro Internacional St. Gianna e Pietro Molla para a Família e para a Vida.
(Publicado pela primeira vez no Sábado, 19 de Junho de
2021 em The Catholic Thing)
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Obrigada Filipe por estes dois últimos magníficos textos! Na mouche… Desponta já a aurora…
ReplyDeleteMaria Cortez de Lobão